O projeto aprovado na quarta-feira no Senado, que prevê o aumento da gorjeta, de 10% para 20%, para profissionais de bares, restaurantes e similares, em contas que se encerrem depois das 23 horas, ainda precisa passar na Câmara e receber a sanção presidencial, mas já se tornou alvo de intensa discussão de mesa de boteco.
[SAIBAMAIS]O texto, de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), justifica o acréscimo às condições de vulnerabilidade em que os profissionais podem estar sujeitos após esse período. O texto também inclui a gorjeta no cálculo de direitos trabalhistas, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), além de férias e 13;. O parlamentar defende a medida baseado em um artigo da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). ;Na CLT o princípio é de que as horas noturnas sejam diferenciadas em relação às horas diurnas. Por que não fazer valer essa ideia e recompensar o profissional que fica exposto à violência, à dificuldade de transporte?;, argumenta Crivella.
A justificativa de Crivella, no entanto, não encontra amparo nos empresários. ;Não vamos onerar os nossos clientes por uma irresponsabilidade. O que vai acontecer é que se não conseguirmos barrar essa história no Congresso, vamos orientar os comerciantes a proibirem qualquer valor de gorjeta;, critica o presidente da Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares, Norton Lenhart. Ele reitera que o setor não foi convidado para tratar do assunto e que a proposta é abusiva: ;A gorjeta é opcional. O que existe hoje são convenções e acordos coletivos firmados entre empresários e trabalhadores que permitem a cobrança de 10%. É uma pena que o sindicato laboral tenha chegado a esse termo porque dessa forma perdem os empresários, os funcionários e os clientes;, completa Lenhart, que representa 1,2 milhão de empresas e mais de 8 milhões de empregos diretos.
Prejuízo
Na opinião do presidente do Sindicato de Restaurantes, Hotéis, Bares e Similares do Distrito Federal (Sindhobar), Clayton Machado, a proposta fere o tratamento espontâneo que existe entre o cliente e o garçom, já que se estabelece na satisfação do atendimento. Outra incoerência, segundo ele, se dá na justificativa da vulnerabilidade à violência. ;A pessoa não pode se sentir pressionada a pagar um valor alto como o que está proposto simplesmente para cobrir uma brecha que o governo não consegue resolver. Se falta segurança e transporte ou qualquer outra coisa que limite a condição do profissional, essa conta não deve ser paga pelo cliente. Está havendo aí uma inversão de papéis;, endossa.
No Distrito Federal, uma eventual aprovação do projeto beneficiaria cerca de 35 mil garçons. Sebastião Ramos, que há oito anos é dono de um bar badalado na cidade, também está preocupado com a repercussão da ideia caso vá para a frente. ;Hoje, já temos a lei do silêncio, que obriga os estabelecimentos a fecharem até uma da manhã. Agora, vem essa regra imposta querendo prejudicar o consumidor. Daqui a pouco ficará difícil de sobreviver do comércio em Brasília;, lamenta o comerciante.
;Eu acho que os meus clientes vão acabar deixando o estabelecimento antes das 23 horas por causa desse valor. Já estou imaginando prejuízo se isso for para a frente;, avalia o gerente de um bar da Asa Norte, Geraldo Veloso.
Apesar de ser considerado abusivo, o senador Marcelo Crivella acredita que os 20% atribuídos à gorjeta após as 23 horas podem ser incluídos aos poucos na rotina do brasileiro sem nenhum prejuízo. ;Tudo depende da mudança de cultura. A do brasileiro é de pagar 10%, mas nos Estados Unidos esse valor chega a 18%. As pessoas podem questionar que é um país economicamente mais rico que o nosso, mas a África do Sul dá o exemplo e valoriza os profissionais de lá com uma gorjeta de 15%;, completa o senador.
O apelo de melhorar a condição dos garçons não convenceu nem o presidente da ONG de Educação e Defesa do Consumidor, Ricardo Pires. Ele engrossa o coro dos insatisfeitos com a proposta: ;Se a situação não é boa para esses profissionais que seja discutida com seus empregadores. O consumidor não deve se sentir responsável por uma demanda que não lhe diz respeito. Ele não deve pagar pelo empregado;.