Jornal Correio Braziliense

Brasil

OIT mostra que desemprego é maior entre as mulheres, ainda que elas tenham mais estudo

Carteira assinada também se tornou problema

O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado ontem, em Brasília, confirmou o que já não é novidade no universo de mulheres no mercado de trabalho brasileiro: a desigualdade entre os gêneros. Às vésperas da comemoração do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, o levantamento baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2008 (Pnad) atesta que o desemprego entre mulheres ainda é superior, quando comparado ao índice dos homens. Cerca de 19% delas estão fora do mercado de trabalho, enquanto no universo masculino esse número só chega a 10,2%. Apesar de superarem em anos de estudo ; em média três anos a mais que os homens ;, elas ainda têm dificuldades em se colocar no mercado, muitas vezes motivadas pelo preconceito. ;A mulher ainda é vista como aquela que pode dar mais trabalho do que o homem, no sentido de gerar gastos para a empresa, seja por causa de uma licença-maternidade ou de outra atribuição que lhe é confiada em casa;, explica a diretora da OIT Brasil Laís Abramo.

No que diz respeito à quantidade de mulheres com carteira assinada e aos rendimentos a disparidade continua. Cerca de 23,5% delas ganham menos de dois terços do rendimento mediano real. Entre os homens, esse percentual cai para 15,5%. Outra preocupação levantada nos dados foi em relação à qualidade do emprego. Enquanto metade dos homens empregados no país ; 51,6% ; se encontram em alguma atividade formal, as mulheres não superam os 46,7%.

A ambulante Renilde de Souza, 31 anos, também se enquadra nas estatísticas de mulheres que estão fora do mercado formal. Mãe de uma menina de 2 anos, ela vende doces na rodoviária de Brasília para pagar o aluguel e as despesas da filha. ;Procuro emprego há dois anos, mas está difícil. Tenho experiência como empregada doméstica, mas as oportunidades nem sempre são fáceis de aparecer;, justifica. Apesar de se sentirem excluídas do mercado de trabalho, Renilde e Juliana encabeçam outra realidade entre as mulheres brasileiras: são chefes de família. De acordo com a OIT, o número de mulheres à frente das responsabilidades familiares aumentou para 34,9% em 2008, quase dez pontos percentuais, se comparado a uma década atrás, quando elas representavam cerca de 25,9%. Somadas as atribuições de chefe da casa, a mulher também acumulou, ao longo dos anos, uma jornada de trabalho exaustiva, de acordo com a pesquisa. Juntando a carga de horas trabalhadas com as atividades exercidas ao chegar em casa, as mulheres gastam, em média, 57,1 horas semanais. ;Ainda existe a cultura de que cabe exclusivamente à mulher a responsabilidade de educar e cuidar dos filhos e da casa;, completa Laís.

Entre as atividades remuneradas que menos têm valor no mercado está a de empregada doméstica. A realidade se torna mais cruel quando os números revelam que apenas 26,8% das profissionais com essa ocupação têm seus direitos trabalhistas garantidos. Entre as mulheres negras, o número cai para 24% do total. No Brasil, uma a cada cinco mulheres negras inseridas no mercado atua como doméstica.

; A luta de cada dia

Em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou uma lei que altera as regras sobre a dedução do Imposto de Renda da contribuição patronal paga à Previdência Social do empregador doméstico sobre o valor de remuneração do empregado. A mudança traz, entre os benefícios, férias mais longas, elevadas para 30 dias ; antes eram anuais e remuneradas, de 20 dias, a cada 12 meses. Para domésticas gestantes, ficou proibida a dispensa arbitrária ou sem justa causa desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. ;A questão da baixa remuneração do trabalho doméstico é clássica no Brasil e na América Latina e está associada à desvalorização da função do cuidados com a sociedade. Cuidar de uma criança, lavar, passar é um trabalho intenso e que exige uma qualificação. O problema é que ainda existe uma visão de quase servil;, ressalta Laís Abramo.

Dona Maria do Nascimento, 52 anos, trabalha há 20 como doméstica e já sofreu preconceito e pouca valorização do trabalho por parte dos patrões, mas disse que agora está com a vida que pediu a Deus. ;Hoje, não tenho do que reclamar, porque tenho uma patroa muito boa, que me acolheu e reconhece minhas qualidades. Pretendo aposentar nessa profissão;, afirma.

Em duas décadas de trabalhando de casa em casa, todos os dias da semana, ela conseguiu criar e educar três filhos, além de sustentar a casa sozinha. ;Estou ajudando a custear até uma faculdade para a minha filha com o pouco que ela recebe também;, conta. Nem mesmo o cansaço da dupla jornada ; quando ela chega em casa para lidar com os afazeres domésticos ; tira o ânimo dessa batalhadora. ;A gente, que é mulher e luta pelos filhos, acaba se acostumando com a rotina de correria. Chego à noite e ainda lavo roupa e faço comida antes de ir para a cama.; (DS)