A piora nas condições financeiras é apontada como a principal perda dos soropositivos que recebem tratamento com os antirretrovirais, remédios indicados para o combate do vírus HIV. Quase 37% dos 1.246 entrevistados em 42 unidades de dispensa de medicamentos de todo o país citaram a questão econômica como o fator mais prejudicial relacionado à Aids. A proporção de homens infectados que não trabalham (55%) é mais que o dobro do que a população geral masculina ; 21%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2006. Pelo menos 20% disseram que perderam o emprego após a confirmação do diagnóstico. Os dados integram a pesquisa Percepção da qualidade de vida e do desempenho do sistema de saúde entre pacientes em terapia antirretroviral no Brasil, divulgada ontem, em Brasília, durante os eventos do Dia Mundial de Luta contra a Aids.
Coordenadora do estudo, a pesquisadora Célia Landmann explica que a maior taxa de desemprego entre os soropositivos pode estar relacionada ao fato da dificuldade de se manter no emprego. "Eles precisam ir ao serviço de saúde uma vez ao mês para retirar medicamentos e serem consultados e, na maioria das vezes, perdem muito tempo com esses procedimentos. Sem revelar seu estado sorológico, é difícil explicar que será necessário faltar uma vez por mês", afirma.
No total, 58% dos pacientes relataram não trabalhar atualmente, sendo 55% entre os homens e 62% entre as mulheres. Os principais motivos citados pelo sexo masculino foram a aposentadoria por doença (31,3%), o recebimento de auxílio-doença (24,6%), e a incapacidade (14,7%). Já entre o sexo feminino, as principais alegações foram as atividades domésticas (28%), as aposentadorias pela enfermidade (15,4%), o auxílio- doença (15,4%) e a incapacidade para o trabalho (11%).
Outro dado que chama a atenção no levantamento é o fato de 65% dos pacientes soropositivos em tratamento terem avaliado seu estado de saúde como bom ou ótimo, enquanto entre a população em geral, o mesmo índice é de 53%. "Tudo isso mostra que a sociedade vive um antagonismo. Apesar de a pesquisa mostrar que os portadores de HIV têm boa saúde, há quem acredite ainda que essas pessoas são um perigo e devem ficar isoladas", observa o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
Paralelo à divulgação da pesquisa, o Ministério da Saúde lançou uma campanha publicitária focada no preconceito e no estigma. Intitulado Viver com Aids ainda é possível. Com o preconceito, não, um vídeo de 30 segundos, protagonizado por um jovem com HIV e uma jovem não infectada, é a principal peça do trabalho.
Exibido em rede nacional, o vídeo é protagonizado pelo estudante de letras Samir Amim, 24 anos, que é soropositivo. Mineiro de Belo Horizonte, Samir foi infectado pelo vírus em 2000, após manter relações sexuais sem preservativos com algumas mulheres. "Ainda sofro com o preconceito de pessoas de dentro e fora da família. Há parentes que não gostam da minha presença e evitam o contato. Em outra ocasião, uma pessoa saiu do elevador em razão da minha presença", conta.
A jovem que beija Samir no vídeo é a atriz e cantora Priscila Ferrari, 27 anos. Satisfeita com o resultado, ela admite que pensou um pouco antes de aceitar e chegou a consultar a família. ;Me informei com algumas pessoas, inclusive com um infectologista e com o próprio Samir, sobre o risco de ser contaminada durante o beijo;. Tiradas todas as dúvidas, Priscila afirma que ganhou um novo amigo e lembra as mais de 6 horas seguidas de beijos transformadas em breves 30 segundos. "Atuar neste filme significou muito para mim. Poder contribuir para essa luta contra o preconceito foi decisivo para aceitar fazer parte dessa campanha. Foi um grande aprendizado que me conscientizou acerca deste tema e me permitiu um crescimento pessoal."
Ganhos e perdas
Realizado com 1.246 pacientes que recebem tratamento com antirretrovirais em todo o país, o estudo mostrou ganhos e perdas relacionados à infecção pelo HIV. Entre os pontos positivos apontados pelos soropositivos, está a melhor assistência de saúde e o maior suporte social, enquanto os itens negativos mais citados foram a piora nas condições financeiras e na aparência física. Confira os quadros com o resumo do levantamento.
Perdas*
Piora nas condições financeiras - 36,5
Piora na aparência física - 33,7
Discriminação social - 20,9
Perda do emprego - 20,6
Falta de suporte familiar - 16,2
Discriminação familiar - 16,2
Discriminação pelos amigos - 15,9
Perda da independência - 15,2
Ganhos*
Maior suporte social - 18,6
Melhor assistência de saúde - 43,5
Envolvimento com organizações civis e sociais - 10,4
Sentimento de ser especial - 17,6
Nenhum - 38,0
*(em %)
Fonte: Pesquisa Percepção da qualidade de vida e do desempenho do sistema de saúde entre pacientes em terapia antirretroviral no Brasil, 2008