Um ano após a recondução do reitor Antônio Cezar Borges para o terceiro mandato pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, a Universidade Federal de Pelotas vive um caos administrativo, com laboratórios interditados por causa de fezes de rato ou funcionando precariamente, ácidos jogados no esgoto, equipamentos armazenados a céu aberto, mangueiras de gás e extintores de incêndio vencidos e denúncias de inércia dos gestores. Gravações de reuniões entre professores e alunos obtidas pelo Correio revelam um quadro de anarquia administrativa, com críticas à inoperância da reitoria, pressão violenta sobre professores e aulas de como burlar a Vigilância Sanitária para salvar outros laboratórios da interdição.
[SAIBAMAIS]Três laboratórios do Instituto de Química e Geociências foram interditados em junho deste ano, por problemas de segurança, insalubridade, exposição dos alunos a produtos químicos tóxicos, falta de equipamentos adequados e de sistema de exaustão. Acionados pelo Ministério Público, os técnicos da Vigilância Sanitária encontraram fezes de ratos e de pombos. Após cinco meses, a reforma dos laboratórios ainda não está pronta. Cerca de 750 alunos de uma dezena de cursos poderão perder o semestre. Professores mostraram à reportagem as irregularidades ainda encontradas nos laboratórios que não foram interditados.
No Instituto de Biologia, resíduos de produtos tóxicos, incluindo metais pesados, são jogados diretamente na pia. Dali, seguem para o esgoto, que não é tratado. Os químicos acabam contaminando o lençol freático. Um professor afirmou que isso acontece há 40 anos na universidade. Sobre as bancadas, mostrou mangueiras de gás de bicos de bunsen (queimadores usados para aquecer soluções) com prazo de validade vencido em 1997. Nos corredores, extintores de incêndio vencidos. Do lado de fora, é possível visualizar a caixa de esgoto (aberta) que recebe os resíduos tóxicos. No Departamento de Ciências e Tecnologia de Alimentos, há botijões de gás embaixo da mesa onde os estudante fazem experiências com queimadores.
No prédio da Faculdade de Odontologia, no centro de Pelotas, há um gerador de energia elétrica armazenado num estacionamento, a céu aberto, há meses. Avaliado em cerca de R$ 130 mil, está parcialmente coberto por lonas de plástico, pegando fortes chuvas. No corredor de entrada, há um balde que recolhe a água de uma goteira no teto. Há vários extintores vencidos no corredor e no bar dos alunos. No curso de engenharia de petróleo, instalado num antigo prédio da alfândega na Zona do Porto, os alunos se queixam da falta de professores, de livros na biblioteca, de saídas de campo e de laboratórios para aulas práticas.
Relaxamento
Em reunião professores e alunos realizada após a interdição dos laboratórios, o diretor do Instituto de Química e Geociências, Sérgio Nascimento, mostrou-se irritado com a denúncia dos estudantes que levou ao fechamento dos laboratórios. ;Nós queremos continuar com as aulas, ou querem parar tudo? Se quiserem, eu até ajudo a interditar. Eu chamo agora a vigilância e interdito tudo. É só mostrar o que eu quero. É só eu direcionar o que eu quero mostrar. Eu pego cada sala daqui e mostro o relaxamento, apuro até as responsabilidades que tiverem e interditam tudo;, disse o diretor.
Nascimento argumentou que os prejudicados serão os próprios estudantes. ;Para a universidade não vai fazer diferença. Para um ano inteiro, atrasa um ano para a formatura. Bom, só vamos ter aula aqui em agosto de 2010. É isso que nós queremos? Nós estamos tentando fazer as coisas. Em contra-partida, tem aluno indo na reitoria fazer denuncismo. Qual é o objetivo dele? O que o diretório quer? Quer parar tudo? Paramos!” Toda a conversa foi gravada.
Em encontro com o chefe do Departamento de Química Orgânica, Rogério Freitag, os estudantes questionaram por que aquele laboratório havia escapado da interdição. : ;Tu tá gravando, tu tá gravando? Se tu não tá gravando eu vou falar uma coisa. Olha só, na hora em que a moça (funcionária da Vigilância Sanitária do Capão do Leão) foi lá tirar foto, por um acaso tinha um balcão aqui que a Isabel (funcionária da Ufpel) arrumou;;, revelou Freitag.
Outro professor pergunta: ;E tu mostro aquele?; Freitag responde: ;Eu tinha um outro aqui que tinha cocô de rato, com todo o respeito. Na hora que ela começou a falar de distribuição, fui naquele que eu sabia que estava bom, abri e disse: ;Olha, é assim!” O outro professor acrescenta: ;Isso! Eu fiz a mesma coisa lá (na Bioquímica);. Freitag complementa: ;Lógico que tá ruim, todo mundo...todos nós sabemos. Agora, eu não vou joga contra, não vou fazer gol contra. Tá ruim? Tá ruim. Tem que ser resolvido;. A conversa foi gravada pelos estudantes. Eles identificaram as vozes dos dois professores.