A Justiça brasileira demonstra pouco interesse quando o assunto é concluir processos que tratam de conflitos rurais no paÃs. E esse descaso está refletido em números. Somente 85 (7,5%) dos 1.129 casos de homicÃdio envolvendo enfrentamentos no campo foram a julgamento no perÃodo entre 1985 e 2008.
Os dados fazem parte de um levantamento do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), baseado em informações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Pastoral da Terra e do Núcleo de Estudos de Reforma Agrária da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O estudo ainda não está concluÃdo, o que pode elevar ainda mais as estatÃsticas. Ao longo de 23 anos, a disputa entre latifundiários e agricultores resultou em 1.521 mortes. Os estados do Pará, Maranhão, Pernambuco e Tocantins concentram a maior parte das ocorrências.
EstatÃsticas
Diante dos números, apresentados em Campo Grande (MS), durante o I Encontro do Fórum Nacional para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado na semana passada, os pesquisadores decidiram investigar os motivos da morosidade.
"Com esse estudo, pretendemos ver a dimensão do problema e onde ele está localizado, para saber quais medidas são responsabilidade do Judiciário", afirma Cristina Zackseski, diretora de projetos do Departamento de Pesquisas Judiciárias. Na avaliação da especialista, a deficiência está no sistema penal brasileiro como um todo, não apenas no sistema Judiciário brasileiro.
Justiça a serviço da propriedade
Coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dirceu Fumagalli observa que a redução dos conflitos agrários nos últimos anos não significa que houve um recuo na mesma proporção da violência. "Pelo contrário, a violência aumentou, principalmente nas áreas de fronteira dos estados. A impunidade é a grande responsável por esse crescimento. E o poder Judiciário, que é uma redoma e não tem nenhum controle social, não está a serviço das vidas, mas da propriedade", critica.
Uma das sugestões para reverter esse cenário, segundo Fumagalli, é a continuidade da mobilização social. "A população tem que se articular diante dessa criminalização dos movimentos sociais, pautar um debate nacional e cobrar as mudanças estruturais do Judiciário", acrescenta.
A opinião é a mesma de Bernardo Mançano, coordenador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Unesp. Mançano defende que o poder Judiciário não conhece a realidade agrária brasileira. "Os juÃzes que estão nas regiões de conflito não conhecem o problema in loco e estão distantes. São raros os que visitam os locais e conversam com as pessoas envolvidas. Portanto, esses números não causam nenhuma surpresa", diz. Uma das alternativas, de acordo com Mançano, é o Judiciário assumir a responsabilidade de acompanhar os casos de perto. "Existem a ouvidoria agrária nacional, as pesquisas e a proposta de criação das varas agrárias para tratar profundamente dos problemas. É preciso criar espaços especÃficos para mudar o rumo desse grave problema", completa.
Apesar dessa possibilidade de reverter o baixo Ãndice de julgamentos de casos sobre conflitos rurais, Mançano não acredita na eficiência do Judiciário "pelo simples fato de representar a classe dominante no Brasil". "Em 500 anos de história do nosso paÃs, esse poder, com rarÃssimas exceções, sempre esteve ao lado dos coronéis e das grandes empresas. Nunca defendeu os pobres. Podemos alterar essa realidade somente por meio das eleições do Executivo e do Legislativo. A saÃda está na sociedade", acredita.
Também descrente com o Judiciário, Jomar Alves Moreno, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), faz uma breve radiografia dos problemas. "Essa morosidade é imoral. São muitos processos para poucos juÃzes. Isso em todas as varas do paÃs", diz. Para Moreno, a lentidão é explicada pela falta de pessoal e equipamentos, "somada aos interesses polÃticos". Outro fator que favorece a caminhada em passos lentos são os excessos de recursos judiciais. "Qualquer pessoa que tenha um advogado, vai ter a decisão protelada por anos. Esses mecanismos de adiar os julgamentos são utilizados, em geral, para obter a prescrição do processo. É muito preocupante", salienta. Segundo o integrante da OAB-DF, pior que não julgar é não descobrir os autores dos crimes.
Ouça entrevista com Dirceu Fumagalli, coordenador da Comissão Pastoral da Terra