Os decretos federal e municipal que regulamentaram a profissão do guardador de carro foram editados com fim social: ajudar pessoas em dificuldades de conseguir emprego formal a levar para casa algum dinheiro no fim da jornada. A tradicional "olhadinha" só pode ser remunerada se voluntária.
Mas, em Belo Horizonte, é comum ouvir histórias envolvendo flanelinhas que exigem o pagamento adiantado sob a ameaça de danificar o bem de quem recusa o "serviço". Frases como "o veículo pode aparecer arranhado" e "não me responsabilizo se algo de ruim acontecer" são as preferidas deles. Diversas vezes o infrator recebe o valor adiantado e vai embora antes de o cliente voltar.
O analista de material Ricardo Luiz de Oliveira e Silva, de 51 anos, foi vítima de um mau flanelinha. Há poucos meses, ele estacionou o carro na Rua da Bahia, no quarteirão entre a Avenida Bias Fortes e a Rua Professor Antônio Aleixo, no Bairro de Lourdes, para ir à formatura de uma familiar matriculada numa faculdade da Região Centro-Sul.
Assim que parou o veículo, foi abordado pelo flanelinha que explora o local no período da noite. "Pediu-me R$ 10 antecipados". Ricardo, que tem a licença da BHTrans para usar as vagas destinadas aos deficientes físicos, questionou o achaque e foi intimidado: "O senhor não tem medo de nada, não? Tem que me pagar".
O universitário Bernardo Silva Araújo, de 23 anos, recorda que já pagou a alguns flanelinhas adiantado e, quando retornou ao carro, o achacador não estava mais no local. "Foi na Rua Major Lopes, no Bairro São Pedro, na Centro-Sul. O rapaz me pediu R$ 5 antecipados. Dei R$ 2 e falei que entregaria os outros R$ 3 na volta. Horas depois, não estava mais lá". O estudante de geografia sabe que a quantia dada ao guardador, na verdade, foi a senha para não ter o veículo danificado.
O rapaz já teve outros desgostos com os maus guardadores e lavadores. Há alguns meses, pagou R$ 30 para que um dos rapazes que se considera o dono do quarteirão da Rua Santa Catarina, na esquina com a Avenida Bernardo Guimarães, no Bairro de Lourdes, na Centro-Sul, vigiasse seu carro e o limpasse todas as sextas-feiras de determinado mês. "Só o limpou uma vez". O jovem deixava o carro aberto para que o explorador lavasse o veículo por dentro. "Por três vezes, encontrei o carro aberto".
O achaque também é frequente no Bairro Santa Efigênia, na Região Hospitalar, onde todos os sábados ocorre a Feira Tom Jobim, cujas barracas de comes e bebes atraem centenas de visitantes. Difícil encontrar um motorista que não tenha sido abordado pelos donos dos quarteirões.
Alguns flanelinhas pedem o dinheiro antecipado. No último fim de semana, a maior parte deles não vestia o colete verde que identifica a categoria. O acessório é de uso obrigatório, pois exibe o número do licenciamento junto ao município.
O mesmo ocorre nas imediações do Mineirão, onde os maus guardadores pedem o dinheiro antecipado. Alguns usam o uniforme do time, deixando no ar a dúvida se vão usar o dinheiro do achaque para comprar ingresso.
A PM orienta as vítimas de extorsão a acionarem o 190. Desde janeiro, conforme mostrou domingo o Estado de Minas, operações conjuntas entre a PM e prefeitura conduziram 160 guardadores e lavadores de carro à delegacia por exercício irregular da profissão.