Os baixos salários aparecem, ao lado da formação acadêmica, como um dos grandes empecilhos para a carreira do magistério no Brasil. O número de profissionais que saem todos os anos dos bancos das faculdades até seria suficiente para cobrir a carência nas salas de aula do ensino básico. O problema é que, sem perspectivas financeiras atraentes, boa parte dos recém-formados prefere buscar outros caminhos no mercado de trabalho, conforme aponta o estudo Professores do Brasil: impasses e desafios, da Unesco.
Enquanto na Europa um professor inicia a carreira ganhando, em média, o equivalente a R$ 4,5 mil, no Brasil o vencimento médio dos docentes não passa de R$ 970 - menos que dois salários mínimos, hoje em R$ 465, e pouco acima do piso nacional de R$ 930 previsto em lei.
O Distrito Federal aparece em destaque quando o assunto é remuneração para quem está no magistério. Aqui, um professor com 25 anos de carreira e um doutorado recebe, no fim do mês, pouco menos de R$ 7 mil. "Na Finlândia, por exemplo, um professor em fim de carreira chega a ganhar US$ 60 mil por ano, o equivalente a R$ 9 mil por mês", afirma o consultor em educação da Unesco no Brasil Célio da Cunha.
Como as diferenças regionais contribuem para elevar a média salarial no país, a situação pode ser ainda pior nas regiões mais pobres do país. No Nordeste, metade dos professores recebe menos de R$ 450 por mês - quase três vezes menos que a média salarial do Centro-Oeste, estimada em R$ 1.215, puxada principalmente por Brasília.
A professora Jocilda Moura da Silva, 39 anos, não sabe o que é ter um salário mínimo. Embora esteja prestes a se formar em pedagogia pela Universidade de Pernambuco, ela recebe R$ 420 por mês para lecionar na 3ª série da Escola Municipal Manoel Rodrigues da Silva, em Custódia, sertão pernambucano. "A gente aceita isso porque é melhor do que ficar desempregada", lamenta.
A pesquisa da Unesco mostra que os professores têm salários maiores na rede pública do que na particular. No ensino infantil, a média está em R$ 739 e no ensino fundamental não passa dos R$ 912. Os professores do ensino médio aparecem como os mais bem remunerados no Brasil, com vencimento médio não superior a R$ 1,4 mil. É quase três vezes menos do que ganha um dentista e 80% do que recebe um enfermeiro com diploma universitário.
O biólogo Marcelo Dutra fez licenciatura e bacharelado na Universidade de Brasília (UnB) e agora tenta um concurso público. Sala de aula, nem pensar. "Eu cheguei a fazer estágio em uma escola e até gostei, mas é muito desgastante pelo volume de trabalho. Não compensa", afirma o estudante, que tenta concursos públicos com salários acima dos R$ 6 mil.
A estudante Bianca Santiago, de 19 anos, cursa o 4º semestre de pedagogia em uma faculdade particular na Asa Sul. Ela faz estágio em uma escola privada e diz que gosta do trabalho em sala de aula. Mas não pretende seguir carreira na área por falta de perspectivas salariais. "Escolhi porque é um curso rápido que vai me habilitar para fazer um concurso de nível superior. Gosto da profissão, mas com ela não há como dar condições de vida à minha família", resume.
O consultor da Unesco avalia que, sem a valorização do profissional como uma das prioridades para a consolidação do ensino básico no país, será difícil garantir que os mais preparados se interessem pela carreira nas escolas. "Hoje, há uma ironia: se o estado forma um professor muito bem formado na rede pública, ele acaba sendo puxado para outra área mais rentável", conclui Cunha.
Problema de horário
Donos dos mais altos salários e também dos maiores níveis de escolarização, os professores do ensino médio também são os que enfrentam a maior jornada de trabalho na comparação com os demais docentes. Enquanto os profissionais do ensino fundamental ficam cerca de 20 horas por semana nas salas de aula, os professores das séries finais da educação básica têm carga horária média de 32 horas semanais. Os que lecionam na rede pública cumprem as maiores jornadas: cinco horas a mais do que os colegas da rede privada.
Os professores do ensino médio da rede pública têm a maior carga: 40 horas por semana, em média - mais que as 26 horas dos professores do mesmo nível de ensino da rede privada. Isso sem contar o trabalho fora de sala de aula. "Não dá para fazer tudo na escola. As provas, por exemplo, eu estou corrigindo em casa", diz o professor de história José Norberto Calixto. Com uma renda mensal de R$ 2.900, ele leciona para 12 turmas do 1º ao 3º ano no Centro de Ensino Médio 417 de Santa Maria. Em cada sala, são cerca de 40 alunos.
"A rotina é pesada porque faltam professores e sobrecarrega quem está na escola. O salário não é atrativo para quem está na faculdade", lamenta o profissional, que está há 20 anos na rede pública. O professor de matemática Amilton Santos Reis também está na rede pública de ensino há duas décadas. Para facilitar as aulas, prepara todo o conteúdo em casa, com a ajuda do computador. Diz que a profissão exige muito e devolve pouco. "Penso em escola o dia todo, mas só quem me valoriza sou eu. Se minha filha chegar em casa e disser que vai virar professora, dou uma bronca".
A pesquisadora Bernadete Gatti, que coordenou a pesquisa da Unesco, avalia que a jornada de trabalho dos professores brasileiros não está entre as maiores do mundo. Mais de 80% dos profissionais lecionam apenas em uma escola. Para a especialista, o problema é a falta de planejamento. "Em países desenvolvidos, os professores têm condições de organizar a rotina para não precisar levar trabalho para casa".
A maior parte dos professores brasileiros entra no mercado de trabalho com 17 anos - o que, pelo currículo escolar, é a idade de um estudante ainda no 2º ano do nível médio. Os profissionais de escolas públicas permanecem mais tempo na instituição de ensino - em média nove anos, contra três anos dos professores de escolas particulares.