Jornal Correio Braziliense

Brasil

Acidente da Gol: busca por justiça perto de completar três anos

Familiares das 154 vítimas pressionam para conseguir o julgamento dos americanos que estavam no jato Legacy antes da prescrição do crime

Superar o luto, reorganizar a vida sem o familiar morto, conhecer o relatório de investigação, entre outros percalços, são etapas vencidas pelos parentes das 154 vítimas do desastre com o avião da Gol. No entanto, a tragédia aérea prestes a completar três anos, na próxima terça-feira, parece longe de ter um fim no tribunal. O temor, agora, é que a lentidão do Judiciário acarrete na prescrição dos crimes a que os pilotos do Legacy ; a aeronave que colidiu com o Boeing da companhia brasileira ; respondem no Brasil. ;A principal acusação, de atentado à segurança do tráfego aéreo, prescreve em oito anos, considerando as proporções do delito. Mas a defesa vem protelando com o arrolamento de testemunhas nos Estados Unidos e na Suíça;, reclama Dante d;Aquino, assistente de acusação contratado por familiares de vítimas. O advogado Theo Dias, que defende Joe Lepore e Jan Paladino, rebate o argumento. ;Eles são cidadãos norte-americanos, seria inevitável que as testemunhas, tanto pessoas que estavam no voo quanto trabalhadores que podem atestar a competência deles, fossem estrangeiras;, ressalta.

; Ouça entrevista com Rosane Gutjhar, que perdeu o marido no acidente da Gol


Dias diz acreditar em um desfecho rápido do caso, antes da prescrição. ;Claro que se trata de uma questão muito delicada, que envolve conhecimento técnico, mas afirmo com convicção que antes de oito anos esse caso terminará.; Além dos pilotos do Legacy, respondem por crimes relacionados ao acidente na Justiça Federal em Sinop (MT), região onde o avião caiu, os controladores de tráfego aéreo Jomarcelo Fernandes dos Santos e Lucivando Tibúrcio de Alencar. Além dos dois, na Justiça Militar, foram processados ainda Felipe Santos dos Reis e Leandro José Santos de Barros, também operadores de voo. Apesar de responderem como réus nas ações, os profissionais da Aeronáutica não são os alvos dos familiares das vítimas.

A Gol foi consultada sobre o número de acordos já fechados, bem como os termos das negociações, mas não disponibilizou os dados à reportagem. Mellina Galvanin, que representa famílias de nove vítimas, afirma que a companhia aérea tem se mantido inflexível quanto aos valores. ;De danos morais, a indenização estabelecida gira em 350 salários mínimos. Quanto aos danos materiais, a quantia varia conforme idade e renda da pessoa na época do desastre. Alguém que ganhava R$ 4 mil, por exemplo, e tinha 30 anos, o valor total é de R$ 460 mils. Isso é um absurdo se pensarmos que o próprio Constantino, dono da Gol, afirmou em audiência no Congresso que a apólice de seguro da aeronave era de 750 milhões a 1 bilhão de dólares;, critica a advogada.

Cerca de 30 famílias recorreram à Justiça dos Estados Unidos para pedir indenização. Elas aguardam uma decisão da Suprema Corte americana relacionada a um recurso contra determinação anterior, que estabeleceu como foro adequado para o caso o Judiciário brasileiro, e não o norte-americano. Na terça-feira, dia em que o acidente completa três anos, haverá uma audiência na Comissão de Viação e Transportes. O objetivo é analisar as investigações e as providências adotadas após o acidente com o voo 1907, que desencadeou a maior crise do setor aéreo no país.

;Algumas modificações no sistema operacional estão em curso. O curioso é que, quando relatamos publicamente os defeitos, disseram que não havia nada, que era um dos melhores sistemas do mundo. Por que mudar, então?;, questiona Edleuzo Cavalcante, presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo, atualmente preso, em caráter administrativo, por ter dado uma entrevista à imprensa. O Correio pediu à FAB informações a respeito do controle de tráfego aéreo no país, mas não houve resposta.

LINHA DO TEMPO

Às 17h51 de 29 de setembro de 2006

O jato Legacy decolou de São José dos Campos com dois tripulantes e cinco passageiros. O destino era a Flórida (EUA) com escala em Manaus.

Às 18h35
Decolava do Aeroporto de Manaus, com seis tripulantes e 148 passageiros, o Boeing da Gol. O destino era o Rio de Janeiro com escala em Brasília.

Às 19h56
As duas aeronaves se chocaram frontalmente, tocando suas asas esquerdas.

O Legacy perdeu parte da asa esquerda e sofreu danos no estabilizador, mas não perdeu a estabilidade, conseguindo pousar emergencialmente no Campo de Probas Brigadeiro Veloso, localizado na Serra do Cachimbo (PA). Os ocupantes saíram ilesos.

O avião da Gol perdeu cerca de um terço da asa esquerda e ficou incontrolável, entrando em mergulho e se despedaçando ainda no ar. Não houve sobreviventes.