Dois em cada 10 estudantes de faculdades particulares do país não pagam as mensalidades em dia. Para pôr fim aos índices de inadimplência, apontados pela Associação Brasileira das Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados aprovou, na última semana, um projeto de lei que permite o desligamento automático do aluno que estiver em atraso por mais de 90 dias.
O cancelamento, válido para universidades e também para colégios, poderá ser feito no fim do semestre letivo. No centro de polêmicas e discussões entre entidades estudantis e empresários do setor de ensino, o texto segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça da Casa e, em seguida, para o Senado.
Atualmente, a lei que trata do assunto (9.870/99) prevê o desligamento do estudante inadimplente no fim do ano, com exceção dos estabelecimentos de ensino que adotam o regime semestral. Com a nova proposta, o cancelamento da matrícula poderá ser feito sempre no fim de um período letivo de seis meses em escolas de educação básica e universidades, independentemente do regime didático da instituição.
Segundo o autor do Projeto de Lei 1.042/07, deputado Átila Lira (PSB-PI), a mudança vai oferecer "uma garantia ou liberdade adicional" para as instituições de ensino tomarem providências concretas contra os inadimplentes.
Mesmo antes da aprovação do projeto de lei, ele preocupa universitários e pais de alunos do ensino básico. Matriculada no 3º período de pedagogia de uma faculdade de Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Patrícia Miranda de Freitas, de 23 anos, teme ser prejudicada pelo projeto.
Com sérias dificuldades para quitar a mensalidade de R$ 265, ela já chegou a negociar dívidas de até R$ 1,6 mil com a instituição no fim do ano passado. "Enfrentei uma burocracia imensa e tive que arranjar até um cheque emprestado para não perder a vaga. As leis deveriam incentivar as pessoas a se formar e a buscar conhecimento e não dificultar ainda mais o acesso dos alunos de baixa renda ao curso superior", protesta.
Os problemas de Patrícia com os boletos bancários começaram no início de 2008, quando o pai dela morreu e ela teve de ajudar a mãe a pagar as despesas de casa. "Na época, eu recebia um salário mínimo e tive de assumir novas contas. Depois, fiquei três meses sem emprego e a situação se agravou. Agora, tenho que ter muito jogo de cintura, pois renegocio a dívida no fim do semestre e, com isso, não sobra grana para pagar as novas mensalidades que continuam chegando. Estou tentando bolsas de estudo e só ando a pé para economizar passagens e o dinheiro do meu auxílio-transporte, mas não vou abrir mão do sonho de ter um diploma. É humilhante ter de brigar por um direito nosso e por um futuro digno", diz.
O representante têxtil João Henrique Perillo, de 39 anos, vive um dilema parecido com o de Patrícia. A queda nas vendas decorrente da crise econômica mundial deixou as contas de toda a família no vermelho e, desde novembro, os dois filhos, de 9 e 13 anos, não frequentam mais o curso de idiomas nem as aulas de esporte.
"Cortei tudo o que pude para conseguir mantê-los num bom colégio particular. Não consegui pagar as quatro primeiras mensalidades deste ano e só agora a situação está voltando ao normal. Negociei as dívidas e estou quitando aos poucos. A escola foi compreensiva comigo e espero acabar com esse problema até o fim do ano, pois tenho medo de que meus filhos percam a vaga."
Prejuízo
Para o presidente da Abmes, Gabriel Mário Rodrigues, que representa as faculdades particulares de todo o Brasil, o projeto de lei deve ajudar a reduzir injustiças dentro dos estabelecimentos. "Se todos pagassem as mensalidades em dia, com certeza o valor de cada parcela seria menor. Hoje, o prejuízo encarece o custo de funcionamento das instituições de ensino. Mas os estudantes podem ficar tranquilos, pois nenhuma escola quer perder o aluno. Com o interesse de mantê-lo matriculado, as faculdades aceitam vários tipos de negociações e acordos", garante Gabriel.
O presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep), Ulysses Panisset, também defende a nova proposta. "Todas as escolas negociam débitos com as famílias de alunos inadimplentes, mas há os que abusam dos direitos garantidos por lei. Como sabem que não perderão a vaga até o fim do ano, os mal-intencionados simplesmente deixam de pagar as mensalidades. Acredito que todos os compromissos financeiros exigem regras bem claras, pois a escola oferece o ensino de qualidade e alguns pais não cumprem a parte deles no acordo. Independentemente de qualquer lei, não haverá desligamentos a torto e a direito, pois o interesse da escola é acertar a melhor forma de pagamento, respeitando as eventuais dificuldades financeiras enfrentadas pelas famílias", diz Panisset.