Ele é filho de pai negro e mãe morena. Mesmo assim possui olhos azuis, cabelos loiros e pele rosada por consequência do forte sol. Na comunidade de Riacho do Sangue, na zona rural de MacaÃba, distante apenas 30 km do centro de Natal, José Maria da Silva é conhecido como "galeguinho". O primo dele, Severino Terto dos Santos Filho, 39 anos, foi o primeiro da atual geração da famÃlia a receber esse apelido. Apenas um das dezenas que tiveram durante toda a vida.
José Maria e Severino são albinos que deveriam fugir do sol para não adoecerem. Mas, ao contrário de todas as recomendações médicas, desafiam o poder do astro rei e levam uma vida "normal". Além deles dois, outros sete parentes - dois já mortos - são albinos e não puderam se reunir no mesmo dia para conversar sobre suas condições.
Diferente do que muita gente pode imaginar, o albinismo não é uma doença. De acordo com o geneticista Carlos Moura é resultado da inibição na produção da melanina (o pigmeto que dá cor a nossa pele, cabelos e olhos). "É um defeito genético. O problema é que ele acarreta doenças, aquelas relacionadas a superexposição solar", explica.
As razões para existirem tantos "galeguinhos" dentro de uma famÃlia predominantemente negra é biológica. "O albinismo é uma condição autossômica recessiva. Tanto os pais quanto as mães deles possuem o pigmento para colorir a pele e o gene causador do albinismo. Mas esse gene não se expressa neles porque ambos têm outra forma alélica dominante", explica. Nesses casos, a probabilidade de um filho desse casal ser albino é de 25%. Outro motivo é a consaguinidade. "É muito comum em comunidades pequenas", completa.
Distantes de todas essas explicações cientÃficas, João Maria leva a vida como pode. Aos 27 é casado, pai de dois meninos - "bem moreninhos", como faz questão de mostrar - e enfrenta o sol diariamente trabalhando como pedreiro. "Se não for nessa profissão não vai ser em nenhuma", determina. Mesmo sabendo de todos os riscos que corre não usa protetor solar pelo alto custo nem roupas compridas. "Faz muito calor", justifica.
O resultado de todo esse calorão são noites mal dormidas e ventilador ligado no máximo para refrescar.
Um pouco mais precavido que o primo, Severino faz uso de protetor solar, de vez em quando. "Dá um trabalho danado passar no corpo todo. E é muito caro mesmo", reclama. O motivo de tanto cuidado é o sofrimento causado pelas 39 cirurgias que precisou fazer para retirada de melanomas, sinais que indicam a incidência de câncer de pele. A 40ª cirurgia já está marcada. "Hoje estou na perÃcia. O médico disse que não posso trabalhar", afirmar. Severino é agricultor.
Discriminação
Além dos problemas que saltam até aos olhos mais desatentos, os dois precisaram de muito apoio da famÃlia para suportar a rejeição feminina. Lá em Riacho de Sangue as meninas preferem os mais morenos. "Isso pode se ver por mim né. Um homem com 39 anos que ainda não é casado", diz Severino, intimidado.
José Maria, que segundo ele, conseguiu casar depois de uma loucura que teve - "Bebi bem muito e tomei coragem", diverte-se - as meninas não queriam saber dele. "Elas diziam que não tinham preconceito, mas não namoravam com a gente", recorda.
A lição daqui fica por conta do pai de José Maria, o agricultor Guilherme José da Silva, 67 anos. "Tenho 14 filhos e para mim são todos iguais. Sei que os meninos são todos meus e se foi a vontade de Deus, aceito. A cor não traz felicidade para ninguém. O importante é ser sincero", ensina.
Mesmo concordando com o tio, Severino confessa: "se eu pudesse nascer de novo, queria ser um pouco moreninho". Por que? "Para poder ir para a praia e ficar até a hora que quiser e não adoecer depois", responde.
Na internet
Um em cada 17 mil habitantes do planeta são albinos, segundo dados da Universidade de Minnesota (EUA). Uma minoria que o professor de inglês e literatura na Fundação Educacional de Penápolis, em São Paulo, Roberto Rillo BÃscaro, 42 anos, quer defender, em seu blog, o Albino Incoerente (http://albinoincoerente.blogspot.com).
Dados sobre albinos no Brasil são praticamente desconhecidos, explica o professor. Quando lembrados, eles não raro são alvos de violência ou ligados a personagens sinistros no cinema (vide Silas, o monge assassino de O Código da Vinci).