Jornal Correio Braziliense

Brasil

Ocorrência de tornados no país quintuplicou nos últimos 20 anos

Cientistas afirmam que avanço da tecnologia tem auxiliado no monitoramento, mas é impossível prever o surgimento do fenômeno, que devastou municípios de Santa Catarina na semana passada

A crença de que o Brasil está imune a ameaças de catástrofes naturais começa a perder força, especialmente em relação à formação de tornados. Um levantamento feito pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, mostra que os registros desse tipo de fenômeno no país saltaram mais de cinco vezes desde o início da década de 1990. Para especialistas, no entanto, o dado pode ser apenas um indício de que ele sempre existiu por aqui. O que não havia era tecnologia para monitorá-lo. A ocorrência de três tornados num único dia em Santa Catarina, na noite de 7 de setembro, ajuda a reforçar essa tese. Os ventos, com velocidade perto dos 200km/h, destelharam casas, viraram carros e retorceram estruturas metálicas. O fenômeno, que atingiu as cidades de Guaraciaba, Salto Veloso e Santa Cecília, chegou ao nível F2 da Escala Fujita, que vai até F5 (veja quadro). Entre 1991 e 2000, o Cepagri não registrava mais do que um tornado por ano em todo o país. Hoje, contabiliza de quatro a cinco. "Em 2005, houve seis casos nos nossos registros. Sempre tivemos acesso a imagens de satélites, mas elas não são precisas para prever tornados e, normalmente, os relatos de pessoas são a forma mais eficaz de monitoramento. O que observo é que, hoje, com câmeras e celulares, é muito mais fácil flagrar um tornado, o que pode explicar o aumento nos registros", avalia o pesquisador Hilton Silveira, diretor do centro. Embora seja impossível prever quando um fenômeno desses vai acontecer, os meteorologistas afirmam que ele é relativamente comum na região entre o Mato Grosso do Sul e o Rio Grande do Sul, principalmente em períodos de mudança de estações. O tornado é uma espécie de redemoinho formado em meio a tempestades, a partir do encontro de massas de ar com diferentes temperaturas. "É o resultado do encontro de massas quentes e frias", explica a coordenadora do Laboratório de Climatologia da Universidade de Brasília (UnB), Ercília Torres. Às vezes, os tornados ficam apenas no céu. Mas quando conseguem tocar o chão, os ventos podem atingir uma velocidade de 530km/h - o suficiente para arrastar tudo o que houver pela frente. O primeiro tornado de que se tem notícia no país ocorreu em Itu (SP), em 30 de setembro de 1991. Foi o mais devastador já registrado em solo brasileiro até hoje. "De acordo com os relatos e registros que temos, ele percorreu uma distância de 60 quilômetros, com ventos a uma velocidade de 300km/h. Foi um tornado de nível F3 para F4", afirma Silveira, diretor do Cepagri. Estima-se que pelo menos 16 pessoas tenham morrido depois de arremessadas pela força dos ventos. Umidade O meteorologista Flávio Varone, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) no Rio Grande do Sul, afirma que a região sempre foi alvo de reações mal-humoradas dos ventos e nuvens. "Tem a umidade que vem do Norte, a do oceano, e frentes frias que surgem da região polar. Quando elas se cruzam, e isso ocorre bem nessa região do país, ocorre nebulosidade, chuvas fortes, granizo e os ventos ficam desordenados", afirma. "Antes, não tinham tantas imagens de satélite, nem máquinas fotográficas. Acontecia e ninguém ficava sabendo", ressalta Ercília Torres. Um dos tornados ocorridos em 2005 foi o que passou por Indaiatuba. Com ventos a uma velocidade acima de 250km/h, ele durou menos de meia hora, mas foi intenso o suficiente para causar um prejuízo de tombar um caminhão de 40 toneladas, derrubar mais de 50 postes e causar um prejuízo estimado em R$ 100 milhões de reais. Segundo os especialistas, foi considerado um tornado F3. Histórico no Brasil Há registros e relatos de pelo menos 40 tornados no Brasil nos últimos 20 anos. Confira os principais: 30 de setembro de 1991 Itu (SP): um tornado de nível F4, o mais intenso já registrado no país, varreu a cidade e causou a morte de pelo menos 16 pessoas. 11 de outubro de 2000 Viamão (RS): um tornado que chegou ao F3 deixou a cidade parcialmente destruída e matou uma pessoa. 24 de maio de 2005 Indaiatuba (SP): um tornado de nível F3 varreu a cidade e causou mais de R$ 100 milhões em prejuízos. 7 de setembro de 2009 Guaraciaba (SC): um tornado do tipo F2 atingiu a região com ventos acima de 200km/h. Outros dois tornados passaram pelas cidades catarinenses de Salto Veloso e Santa Cecília no mesmo dia. Voracidade assusta especialistas Embora não seja possível dizer que as ocorrência de tornados é mais frequente nos dias de hoje, para os especialistas, o que mais chama a atenção é a voracidade deles nos últimos anos. "A intensidade, e não a frequência, é o que temos observado. Isso sim, é resultado da diferença de temperaturas. Hoje, essas temperaturas estão mais elevadas porque regiões de Santa Catarina, por exemplo, que não eram habitadas, passaram a ter asfalto, concreto. A humanização pode ter causado um aumento da temperatura na região, o que contribui para deixar o tornado mais intenso", analisa a coordenadora do Laboratório de Climatologia da UnB, Ercília Torres. Para os meteorologistas, a ocorrência de tornados mais intensos no país pode ser um reflexo do aquecimento global associado a outros fenômenos, como o incremento das chuvas, por exemplo. "Em São Paulo, temos observado um aumento de 30% no volume de precipitações nos últimos 22 anos", afirma o pesquisador Hilton Silveira, diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Os tornados tendem a aparecer em tempestades mais fortes", acrescenta. Esse tipo de fenômeno é pouco comum em regiões de clima seco e mais distantes dos polos, como o Distrito Federal, por exemplo. Apesar disso, o meteorologista Mamedes Melo, do Inmet em Brasília, diz que eles não são tão raros por aqui como pode se pensar. "Eu não diria que é frequente, mas em quase todos os anos observamos um na estação chuvosa. A diferença é que são poucos os que tocam o chão". Um deles ocorreu em 18 de dezembro de 2005 e chegou a derrubar árvores no Parque da Cidade. "Acredito que tenha chegado ao nível F1", avalia Melo. (DM) VENTOS FURIOSOS O Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), ligado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lista os tornados ocorridos ao longo dos anos e registrados em gravações e documentos no país. 1991 - 1 tornado registrado 1994 - 1 tornado registrado 1995 - 1 tornado registrado 2000 - 1 tornado registrado 2001 - 2 tornados registrados 2004 - 4 tornados registrados 2005 - 6 tornados registrados 2006 - 5 tornados registrados