Os Ãndios estão enfrentando dificuldades para concluir o ensino superior no Brasil. Apesar das ações afirmativas do governo federal, levantamento inédito do Centro IndÃgena de Estudos e Pesquisas (Cinep), ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, revela que pelo menos 20% (1,2 mil) dos cerca de 6 mil estudantes indÃgenas de cursos de graduação de todo o paÃs (leia quadro) não conseguem terminar seus estudos. A entidade aponta o preconceito, a lÃngua, a ausência de conteúdo básico das etapas iniciais da atividade escolar, além do baixo valor das bolsas, como as principais causas da evasão indÃgena nas universidades. Para tentar frear a debandada, as etnias reivindicam a criação de instituições exclusivas e a inserção de disciplinas com temática especÃfica dessa parcela da população.
A explosão do acesso dos Ãndios à s universidades não veio acompanhada de polÃticas para garantir a permanência deles na educação superior, segundo Gersem Baniwa, diretor-presidente do Cinep. "Falta apoio do governo e uma maior preparação dos estabelecimentos de ensino, principalmente no inÃcio, quando os indÃgenas sentem mais dificuldades de adaptação e inserção no ambiente acadêmico. Existem medidas em construção, mas, por enquanto, nada de concreto", afirma ele, que é doutorando pela Universidade de BrasÃlia (UnB). "Uma das soluções para reduzir a grande evasão é a criação de universidades próprias para Ãndios. A adaptação seria mais fácil e compreensiva", sugere.
O diretor de diversidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), Armênio Schmidt, rebate as crÃticas de Baniwa, que também trabalha na pasta, e diz que o governo federal tem se empenhado na busca de um ambiente ideal não só aos Ãndios, mas também aos negros e a outras minorias. "Recebemos muitas reivindicações de acesso e manutenção, inclusive essa proposta de criação de universidades especÃficas. Na avaliação do MEC, ainda não é o momento de setorizar o ensino superior. Temos que investir em diversidade. Criar um estabelecimento somente para Ãndios hoje seria, talvez, um processo inverso do que estamos fazendo, mesmo respeitando as demandas desse grupo", explica Schmidt.
Guetos
Para Schmidt, criar universidades especÃficas de Ãndios seria como formar guetos. "Não sei se é o termo certo, mas é mais positivo ampliarmos a participação dos indÃgenas em todos os cursos nos estabelecimentos existentes. Queremos inserir as demandas desse grupo com as demais ações de polÃticas públicas", observa. Outro empecilho, de acordo o diretor do MEC, seria o corpo funcional. "Para a universidade ser indÃgena, deverá ter professores e reitores Ãndios. Ainda não temos quadro suficiente para isso. Não existem profissionais formados suficientes para preencher essas vagas. Para fazer concurso, há uma série de exigências", acrescenta.
Professor emérito de antropologia da UnB, Roque Laraia também vê com restrição a criação de universidades especÃficas de Ãndios. "Nos Estados Unidos, deu certo. No entanto, aqui, com 220 povos falando 180 lÃnguas, é mais complicado. Não sou contra, mas acho difÃcil", opina. "Geralmente, o movimento indigenista fala de forma unificada, mas, o que pode ser bom para um grupo, pode não ser viável para outros", diz.
Dos 6 mil universitários indÃgenas, pelo menos 4,1 mil estão se preparando para ensinar outros Ãndios. Eles recebem uma bolsa de até R$ 1,2 mil para custear despesas de transporte, alimentação e habitação. "Em BrasÃlia, por exemplo, esse valor atinge o teto, mas ainda é pouco, considerando o alto custo de vida da capital", salienta Gersem Baniwa. Outro problema é que a bolsa atende somente aos estudantes de licenciatura. "Apresentamos um projeto ao Congresso que, se aprovado, vai nos permitir pagar bolsas para estudantes de outros cursos", observa Schmidt.
Adaptação é um problema
Estudar fora da cidade de origem é um desafio para qualquer pessoa. Para os Ãndios, esse obstáculo parece ser ainda maior. A cultura, a lÃngua, a comida, o clima, as amizades. Tudo influencia. É o caso da estudante de engenharia florestal da Universidade de BrasÃlia (UnB) Suliete Gervásio, 22 anos, que gosta do ambiente acadêmico, mas ainda não está adaptada. "É muito difÃcil morar longe de casa. Tudo aqui é diferente. O que mais sinto falta é de peixe fresco e de tucupi", afirma. Integrante da etnia Taperera, situada à s margens do Rio Negro, no Amazonas, Suliete também sofre com o conteúdo das aulas na universidade. "Como tive um ensino básico fraco, se comparado ao conteúdo exigido pela UnB, fica difÃcil acompanhar as disciplinas", admite.
Em 2009, completam-se dois anos que a jovem trocou o Amazonas pelo Distrito Federal. "Esse grande esforço vai valer a pena, pois quero ajudar o meu povo", diz. Moradora de Sobradinho, Suliete reclama do baixo valor da bolsa para se manter na capital. "Não é suficiente para pagar aluguel, transporte e alimentação. Ainda bem que meus pais me ajudam", ressalta.
Ouça trechos de entrevista com Armênio Schmidt, da Secad