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Índios de Amambai sonham com mais terra para produzir e reduzir dependência

Com aproximadamente 6 mil índios em uma área de 2,2 mil hectares, a aldeia de Amambai abriga famílias que sonham em recuperar terras de seus antepassados e enfrentam os reflexos negativos da falta de espaço para manter hábitos de uma cultura tradicional. Há moradias em boas condições, mas também muitas casas de sapê, com coberturas improvisadas por indígenas que chegaram ao local depois de serem expulsos ou removidos de outras localidades que deram lugar a fazendas. [SAIBAMAIS] Calejado na luta pela terra, o índio kaiowá Italiano Vásquez, 52 anos, estima que as famílias da aldeia teriam direito a pelo menos mais 1,5 mil hectares onde viveram antigas gerações. Os estudos de demarcação iniciados em 2008 foram suspensos por determinação judicial. No fim de agosto, entretanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu cassar a liminar na Justiça liberando a retomada dos estudos na região. "Aqui em Amambai está lotado e não cabe mais ninguém. Estamos cheios de gente morando praticamente um em cima do outro. Cada patrício tem só 1 hectare", descreveu Italiano, pai de oito filhos, ao caminhar entre pequenas plantações de mandioca, banana e cana-de-açúcar. "Tinha 3,6 mil hectares o nosso tekoha [o lugar onde o indígena realiza o seu modo de ser, na língua guarani], que agora se chama aldeia indígena de Amambai. Cada vez mais foi diminuindo e a população Guarani Kaiowá cada vez mais aumenta. Queremos terra para trabalhar e plantar, porque tem mais crianças chegando", acrescentou o indígena, ex-capitão da aldeia em que nasceu e presidente de uma associação de produtores indígenas. Italiano sabe que a esperança de recuperar a terra depende de um acordo entre produtores rurais e autoridades para desapropriação das áreas. "Nossa luta é para retomar o chão que foi nosso. Isso é o mínimo que nós queremos do governo federal e da Funai [Fundação Nacional do Índio], o nosso chão de volta. Não estou pedindo ao fazendeiro para me dar área produtiva dele, só o que é nosso", argumentou. Retomar o chão tradicional, entretanto, não será suficiente para garantir melhores condições de sustento. Uma queixa geral da comunidade é a ausência de assistência técnica adequada para lidar com a lavoura. Sem ela, há dependência das cestas básicas doadas pelo governo. "Precisamos de orientação, acompanhamento técnico, defensivos, adubos e sementes na época certa. Muitas vezes chegam as coisas depois que passou a época certa e aí falam que os indígenas não querem trabalhar. Depois que passou a época do plantio não adianta", ressaltou Italiano. A aldeia de Amambai, como outras na região, está cercada por latifúndios nos quais há produção de soja e outros cereais e criação de grandes rebanhos bovinos. É embaixo de parte dessas terras que os índios encontram os argumentos para reivindicar o direito às áreas. "Queremos o lugar onde moravam nossos avós. Lá tem cemitério indígena em que os fazendeiros meteram trator em cima", disse Italiano. Acampada em barracos improvisados em um canto da aldeia de Amambai, os cerca de 20 integrantes da família do kaiowá Nízio Gomes têm de se acomodar com dificuldade para dormir no chão, enrolados apenas em um pano. Eles reivindicam outra área que hoje está ocupada por uma fazenda. Segundo o indígena, a cesta básica distribuída pela Funai é insuficiente para o sustento. A precariedade faz com que Gomes deseje ainda mais depressa a "recuperação" da terra de onde seus antepassados teriam sido expulsos na década de 70. "Essa aldeia é dos outros, não é minha. Quero entrar [na outra área], acampar, sem prejudicar fazendeiro. Se ele quer, pode retirar tudo, madeira, árvore. Só queremos uma terra, na quantia que o governo demarcar", afirmou. A falta de terra cria distintas situações na aldeia de Amambai. Enquanto famílias ficam dependentes das cestas básicas doadas pelo governo, outras tentam melhorar de vida com ajuda dos mais jovens que deixam aldeia em busca de trabalho na lavoura de cana. As usinas que usam a mão de obra indígena ficam a até 500 quilômetros de distância. Pela temporada de trabalho com o facão, em torno de 70 dias, cada índio volta para casa com a quantia de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Com esse dinheiro, a família compra material de construção, móveis e paga dívidas. "[O índio] Não acha serviço por aqui, tem muito preconceito. Quase não tem patrício que trabalha na cidade", queixou-se Italiano.