Considerado pela Interpol o delito do século, por movimentar R$ 520 bilhões de dólares por ano no mundo, quase R$ 200 bilhões a mais que o narcotráfico, a pirataria é alimentada no Brasil pela população mais abastada e com elevado nÃvel de instrução. Quarenta e três por cento das pessoas da classe A e B admitem ter comprado no último mês algum produto falsificado. O Ãndice, no público D e E, cai para 22%.
A principal vantagem, na avaliação dos consumidores, está no preço. Apesar das evidências, metade da população não acredita que a atividade tem ligação com o crime organizado. As informações constam de um estudo encomendado pelo Instituto Millenium, organização sem fins lucrativos com foco no desenvolvimento humano, sobre o hábito do brasileiro em relação à pirataria.
O levantamento - que ouviu mil pessoas das cinco regiões do paÃs em 70 cidades, englobando todas as áreas metropolitanas - apontou que quatro em cada 10 brasileiros compram artigos piratas. A faixa etária que mais consome vai de 25 a 44 anos.
Paulo Uebel, diretor executivo do Instituto Millenium, explica o objetivo da pesquisa. "Fizemos uma distribuição igualitária entre renda, sexo, faixa etária e regiões, com uma amostra representativa, para termos um retrato fiel do hábito das pessoas que adquirem artigos falsificados. Com esse perfil, poderemos colaborar com a elaboração das polÃticas públicas", destaca Uebel. A entidade pretende enviar as informações, ainda inéditas, para autoridades que atuam no combate à pirataria.
Uebel destaca ser difÃcil saber exatamente o motivo de as classes A e B serem as financiadoras mais ativas da pirataria. "Ou porque são as pessoas que têm mais dinheiro para gastar ou até por desconhecimento das consequências", afirma.
Luiz Paulo Barreto, secretário-executivo do Ministério da Justiça e presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria explica que enquanto o consumidor menos abastado consome DVDs, entre outros artigos baratos, os ricos miram nos caros. "Existe relógio falsificado de R$ 400. Além de outros produtos, como medicamentos e equipamentos médicos", diz.
Quanto à informação de que 50% da população não acredita na ligação entre pirataria e crime organizado, Barreto é enfático. "Nossas investigações apontam essa rede como um braço de máfias internacionais, não há dúvidas", diz.
Atrativo
Carlos* sabe que o seu negócio é problemático. "Tenho consciência de que não estou certo. Mas com 49 anos, cinco filhos, onde é que eu vou arrumar um emprego para ganhar o que ganho aqui?", questiona o ambulante que vende, semanalmente, cerca de 700 DVDs piratas.
Bem-humorado, ele diz que, apesar das batidas da polÃcia, que já o levaram duas vezes à delegacia, não largará o ofÃcio. "Hoje tem até mulher e homem pirata. Elas estão cheias de silicone, plástica. Os rapazes, todos bombados", diverte-se. Para o funcionário público César Viana, que saiu da banca de Carlos com quatro filmes pirata, o maior atrativo está no preço. "Se eu pudesse comprar o original, claro que eu preferiria", destaca.
A redução de impostos, de acordo com o estudo do Instituto Millenium, é a grande solução para combater a pirataria, muito mais do que a educação, na avaliação dos entrevistados. Barreto, porém, não acredita muito na premissa. "Claro que o preço mais baixo incentiva a venda do original, como ocorreu com o computador no Brasil. Mas há produtos, como o CD e DVD, que ainda que zerássemos o imposto, perderia na competição com o pirata, cujo único gasto é uma mÃdia, enquanto o original remunera uma cadeia produtiva longa", afirma. O Norte, Centro-Oeste e Sul aparecem no levantamento como as regiões onde mais se consomem artigos falsificados.
* Nome fictÃcio a pedido do entrevistado