A mobilização da sociedade, a melhor formação dos profissionais e uma atuação mais forte da polícia e do poder público são medidas urgentes para estancar os índices de falsificação de medicamentos e equipamentos hospitalares, de acordo com conselhos e entidades ligadas à área médica. Representantes da indústria, médicos e farmacêuticos disseram ontem estar preocupados com o problema, que vem se agravando nos últimos anos e coloca em risco a saúde de milhares de brasileiros, conforme mostrou durante esta semana a série de reportagens do Correio/Estado de Minas.
[SAIBAMAIS]A sofisticação da pirataria médica é uma das maiores preocupações do presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares (Abimed), Aurimar José Pinto, que desde o fim do ano passado trabalha para reunir representantes da indústria e dos órgãos de fiscalização. O objetivo é discutir uma agenda comum de combate ao crime. Para ele, a pressão econômica por menores preços em produtos é uma das causas da pirataria, praticada principalmente em sites de pregão virtual, "onde as procedências do produto e do fabricante são de difícil fiscalização e controle".
Segundo o dirigente, os falsificados são de má qualidade e não passam por processo de esterilização, mas autoridades sanitárias, médicos e pacientes não conseguem identificar essas diferenças a olho nu. "A baixa eficiência na aplicação das leis acaba por estimular o falsificador", avalia José Pinto. Conforme mostrou ontem o Correio/Estado de Minas, nem mesmo os responsáveis pela adulteração de medicamentos, envolvendo as marcas Androcur e Celobar, sofreram punição. Eles respondem a processos da Justiça em liberdade e, em alguns casos, vivem uma vida de luxo.
A venda de remédios falsificados em feiras livres das principais cidades brasileiras é uma das principais preocupações do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que também cobra uma fiscalização mais rígida por parte do poder público. Os produtos entram no país pelas fronteiras com o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai, para depois serem distribuídos a comerciantes e repassados ao consumidor, sem que saibam que se tratar de medicamento sem efeito. "Esse é um problema que vem se agravando e precisa ser combatido de forma integrada por municípios, estados e União", defende Lérida Vieira, secretária-geral do conselho. Nos eventos promovidos pela entidade no Brasil, os farmacêuticos são orientados a denunciar episódios e informar a população sobre o risco de adquirir medicamentos de procedência duvidosa.
Entenda o caso
Vítimas de um crime
A falsificação de medicamentos e equipamentos médicos no Brasil transformou-se em problema de saúde pública, com status de crime organizado e cada vez mais infiltrada nas estruturas do Estado. Na série de reportagens que começou a ser publicada no último domingo, o Correio/Estado de Minas mostrou os bastidores do problema e contou as histórias de brasileiros que, no lugar da cura, encontraram a dor e, em muitos casos, a própria morte.
A equipe de repórteres percorreu 13,5 mil quilômetros para mostrar a facilidade como ocorre o comércio clandestino nas fronteiras do Brasil com o Paraguai, a Bolívia e o Uruguai, acompanhar a ligação cada vez mais próxima desse mercado com o narcotráfico e os esquemas de roubo de cargas. Também foi investigar como atuam as organizações criminosas que chegam a se infiltrar entre médicos para levar os produtos a todos os cantos do país. Os repórteres trouxeram à tona os casos de prefeituras e hospitais que compraram medicamentos falsificados em pregões presenciais ou eletrônicos.
A série de reportagens "Cura falsificada" mostrou que, em alguns casos, até mesmo os médicos são coniventes com o uso de produtos de má qualidade. No Rio Grande do Sul, 154 profissionais foram acusados de receber regalias e até dinheiro para indicarem aos pacientes próteses produzidas com matéria-prima ruim. Estima-se que 7 mil pessoas foram prejudicadas pelo problema. "O Conselho Federal de Medicina (CFM) não concorda com esse tipo de interação. Quando recebemos denúncias, elas são apuradas", disse o corregedor Pedro Pablo Chacel. Ontem, ele não soube citar casos de punição por conta de episódios semelhantes.