Jornal Correio Braziliense

Brasil

PF vai apurar invasão do MST

Polícia suspeita que servidores podem ter facilitado o acesso de pessoas ligadas ao movimento dos sem-terra em ministério

Com a suspeita de que servidores do Ministério da Fazenda, em Brasília, teriam facilitado a invasão dos cerca de 500 militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por volta das 9h de ontem, na sede do órgão, a Polícia Federal (PF) vai abrir investigação para apurar se houve conivência de agentes públicos. Caso seja confirmado o envolvimento de funcionários do Executivo, a PF vai instaurar inquérito. A suposta flexibilização da segurança no prédio bate de frente com a orientação do ministro Guido Mantega, que, um dia antes do protesto, teria solicitado reforço policial devido à presença dos sem-terra, que só desocuparam o órgão às 17h.

Em comunicado interno, a PF afirma que ;causou profunda estranheza que o efetivo policial tenha sido dispensado sob o argumento de que não era necessária a força de policiais nas manifestações, já que se tratava de uma manifestação e não de uma invasão;. A PF desconfia, ainda, que, logo depois da chegada do mandado de reintegração de posse ; emitido a pedido do próprio Ministério da Fazenda e assinado pelo juiz substituto Alaor Piacini, da 1; Vara Federal ;, teria ocorrido a dispensa da polícia.

Procurado pelo Correio, o subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Fazenda, Laerte Dorneles Meliga, negou as acusações. Não houve dispensa de policiais e nem facilitação no esquema de segurança da sede. Não sei de onde surgiu isso, afirmou. ;Isso não ocorreu de maneira alguma;, endossou o tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Jorge Damasceno, um dos coordenadores da operação que monitorou os sem-terra no edifício.

Funcionário da empresa terceirizada que presta serviços no prédio, Valdir Martins informa que pelo menos 50 homens garantem a segurança do local. Na hora da invasão, havia apenas cinco desses funcionários e um sargento da PMDF. ;Não houve conivência de ninguém. É quase impossível seis pessoas evitarem a entrada de aproximadamente 500 pessoas;, afirmou Jorge Damasceno. Os trabalhadores rurais não passaram da porta giratória que retém a entrada dos visitantes na sede do ministério, mas chegaram a forçar o acesso.

Presente nas negociações para a liberação pacífica da entrada principal da sede do Ministério da Fazenda, um delegado da PF, que não quis se identificar à reportagem, entrou no edifício na companhia de outros policiais, logo depois que os militantes do MST deixaram o edifício. A vistoria, segundo alguns seguranças terceirizados do órgão, seria para verificar possíveis falhas no esquema de vigilância do prédio.

Imprevisíveis
Questionado sobre o não pedido de reforço policial para deter a entrada dos sem-terra no prédio, Laerte Dorneles Meliga responsabilizou a PMDF. ;São eles (os policiais) que têm inteligência para saber se é necessário ou não aumento da força, não eu;, frisou. Já Damasceno disse que os integrantes do MST são imprevisíveis e não cumprem as negociações prévias com a polícia. ;Se eles combinam um horário com a gente, chegam mais cedo e mudam o itinerário. Isso dificulta;, exemplifica.



Protestos e invasões

2004
A sede do Incra em Dourados, localizada a 225 quilômetros de Campo Grande (MS), foi tomada por um grupo do MST no dia 1; de março. Os trabalhadores rurais optaram pela invasão depois da demora do governo em desapropriar duas fazendas no estado.

2005
Um grupo de sem-terra pertencente ao Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) invadiu a sede do Ministério da Fazenda, em Brasília, para protestar contra o corte no Orçamento do governo federal de recursos destinados aos assentamentos.
A manifestação ocorreu em 14 de abril.

2006
No dia 24 de novembro, pelo menos 60 sem-terra invadiram o edifício da Gerência Regional de Patrimônio da União (GRTU), em Brasília. Eles pediam a desapropriação da Fazenda Chapadinha, perto da cidade de Sobradinho 2, no Distrito Federal.

2007
Com o objetivo de cobrar uma audiência com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, um grupo do MST invadiu,
no dia 24 de setembro, prédios públicos em 10 estados.

2008
Em 17 de abril, um dia antes do 12; aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), integrantes do MST realizaram 53 atos em 15 estados e no Distrito Federal.


Pausa na tensão
Desde segunda-feira, pelo menos 3 mil trabalhadores sem-terra desembarcaram em Brasília para participar da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, que ocorre simultaneamente nas cinco regiões do país. Além da ocupação da sede do Ministério da Fazenda, em Brasília, os militantes do MST invadiram instalações da Fazenda e edifícios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 12 estados. Na capital federal, a invasão da entrada da sede durou cerca de oito horas.

Mesmo com o mandado de segurança ; o que obrigaria a retirada imediata da sede da pasta ;, os sem-terra só deixaram as instalações internas do ministério depois de o governo confirmar uma reunião interministerial hoje, às 11h, para discutir a pauta de reivindicações do movimento. A saída do MST da sede da Fazenda estava condicionada à confirmação desse encontro.

Em cima de um carro de som, João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, afirmou que, ;se houver traição, estaremos de volta;. O aviso é quase garantia de que haverá novas ocupações em Brasília, pois os militantes devem permanecer na cidade até o próximo dia 21. ;Caso o governo não cumpra a promessa, podemos invadir outros prédios. Aguardamos há mais de sete anos que as nossas reivindicações sejam cumpridas.;

Reivindicações
Entoando o grito de guerra ;um, dois, três, quatro, cinco, mil ou faz reforma agrária ou paramos o Brasil;, os trabalhadores cobraram o assentamento de 90 mil famílias do MST que vivem em acampamentos, infraestrutura para 45 mil grupos familiares e a atualização dos índices de produtividade, intactos desde 1985. Ao lado de outros movimentos sociais, os sem-terra participam nesta sexta-feira da Jornada Unificada contra a Crise. (RC)