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Lei Maria da Penha: álcool e drogas não são os vilões

Estudo sobre o perfil dos agressores de mulheres revela que 39% dos algozes apelam para a violência mesmo sem o consumo de substâncias psicoativas

[SAIBAMAIS]Apontados como combustíveis para empurrões, tapas, socos, facadas e até tiros, o álcool e as drogas parecem não ser fatores preponderantes no que diz respeito à violência doméstica. O perfil dos agressores de mulheres ; na maioria das vezes maridos ou companheiros das vítimas ; traçado pelo Ligue 180 mostra que a ingestão de substâncias psicoativas é costume de 54% dos homens que surram suas esposas e demais parentes dentro de casa. Apesar do percentual alto, 39% dos relatos apontam algozes que não fazem uso de nenhuma droga, lícita ou ilícita. O dado, para a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que comemorou ontem os três anos da Lei Maria da Penha, desmitifica a relação entre violência doméstica e vícios.

;Os números nos mostram que o álcool e as drogas agravam a situação de violência, sem dúvida. Mas que não são os causadores das agressões. Isso rompe com a ideia de que o agressor é um doente, alcoolizado, que precisa de tratamento nessa linha. O que defendemos, enquanto política pública, é a punição de quem agride;, afirma Pedro Costa Ferreira, coordenador do Ligue 180. Balanço apresentado ontem pela Secretaria de Políticas para as Mulheres mostra um aumento de 32% no número de atendimentos feitos pela central telefônica no primeiro semestre de 2009 em relação ao mesmo período do ano passado ; passando de 122.222 para 161.774. Parte significativa do total de atendimentos, 47,7%, refere-se à busca de informações sobre a Lei Maria da Penha.

A maioria das mulheres que entrou em contato com a central é negra (43%), tem entre 20 e 40 anos (67%), é casada (55%) e um terço cursou até o ensino médio. Ciente da lei que protege pessoas vítimas de violência doméstica, há dois meses Mariana (nome fictício) deixou a casa onde morava havia quatro anos com o marido e hoje está em um abrigo no Distrito Federal. ;De um ano e meio para cá, ele começou a ficar agressivo, dizia que eu estava com outra pessoa na rua, chegava a me ver nos lugares, me xingava com aquelas palavras horrorosas;, conta a mulher de 31 anos e mãe de quatro filhos. Certo dia, ela recebeu um tapa nas costas. ;Fiquei mesmo com medo de ele realmente cumprir o que vinha prometendo, de me bater, me furar. Foi quando decidi sair;, conta. Ao contrário de muitas histórias ouvidas por Mariana no abrigo onde está, o marido dela não toma álcool ou drogas. ;Ele não bebe nem fuma. Não sei porque ficou assim de um tempo para cá;, lamenta.

Autora de uma tese na Universidade de São Paulo (USP) sobre violência doméstica, a psicóloga Mírian Sagim explica que as substâncias psicoativas só servem de trampolim. ;Não têm relação direta com a agressão. Na verdade, só dão a coragem que o agressor muitas vezes precisa. Prova disso é que 40% dos homens que agridem o fazem quando estão sóbrios;, ressalta a especialista. Ela destaca, ainda, que na maioria das vezes o álcool acaba servindo de desculpa. ;O homem diz que a bebida é a responsável pela violência, não ele.;

Homens
Quase um por cento dos atendimentos feitos pelo Ligue 180 no primeiro semestre de 2009 foram realizados por homens. Em números absolutos, isso representa 1.567 contatos masculinos com a central. O interesse tem crescido na medida em que a Justiça aplica a Lei Maria da Penha, inspirada na condição vulnerável da mulher, a homens. Fato que ocorreu há menos de um mês em Crissiumal (RS). Uma decisão judicial determinou que um marido mantivesse distância de 50 metros da mulher. No dia seguinte, a medida passou a vigorar também em benefício do marido, impedindo que a mulher se aproximasse dele. O casal está em processo de separação, com relatos de confusões provocadas por ambos.

Telefone
Criada em 2005, a Central de Atendimento à Mulher Ligue 180 é um serviço gratuito e nacional que funciona 24 horas, todos os dias. Pelo telefone, são passadas orientações sobre os direitos das mulheres vítimas de qualquer tipo de violência, além de informar onde elas podem procurar ajuda.

Sociedade
Fruto de uma articulação da sociedade civil com forte participação da farmacêutica Maria da Penha Maia, que ficou paraplégica após ter recebido um tiro disparado pelo marido, a legislação pune com prisão a violência doméstica, crime que antes rendia, no máximo, pagamento de cestas básicas. Além disso, a lei criou medidas de proteção à mulher ameaçada.