Jornal Correio Braziliense

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Acesso livre a antiviral da gripe suína

Defensor público da União prepara ação para permitir que médicos prescrevam medicamentos contra a doença sem restrição do Ministério da Saúde

O defensor público da União no Rio de Janeiro André da Silva Ordacgy vai ajuizar amanhã uma ação civil pública em que busca liberar o acesso livre ao antiviral usado no tratamento da influenza A (H1N1). O Ministério da Saúde tem controlado há quatro meses a distribuição do Tamiflu (fosfato de oseltamivir) para pessoas que se encaixam no grupo de risco (1) ou nos casos graves de contaminação pelo vírus da chamada gripe suína. Depois de ter consultado especialistas, Ordacgy decidiu propor a ação por entender que não é "compatível com o estado de democrático" o monopólio do estado na liberação do medicamento. [SAIBAMAIS] "É necessário que esse medicamento esteja acessível em toda a rede pública de saúde e na rede privada também, por uma questão de vida ou morte", afirmou ontem Ordacgy ao Correio. "O número de óbitos tem crescido muito." Se julgada procedente, a ação terá validade em todo o país. O defensor público elenca três principais razões permitir que quaisquer médicos possam prescrever o Tamiflu em qualquer estágio da doença. O primeiro deles é que o remédio tem eficácia reduzida quando ministrado após as primeiras 48 horas de contaminação pelo vírus. Isso depõe contra o entendimento do Ministério da Saúde de que a medicação só pode ser passada para pacientes graves, cujas complicações se manifestam geralmente após esse período. Em segundo lugar, tanto os casos graves como os grupos de risco, segundo o defensor público, são as pessoas mais suscetíveis a desenvolver resistência ao medicamento. Não seria o caso das pessoas saudáveis, segundo Ordacgy. Por último, as pessoas que desenvolverem resistência podem usar outro medicamento, o Relenza, ou ser colocadas em quarentena para não contaminar outras. O Ministério da Saúde segue as recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para tratamento e prevenção da influenza A ao recolher das farmácias e controlar a distribuição do Tamiflu. O governo conta com 9,5 milhões de kits para tratamento da doença. Até o sábado, 76 pessoas morreram em decorrência de complicações do H1N1. Países como a Argentina, a Inglaterra e os Estados Unidos têm tido uma política mais flexível de acesso ao medicamento. Na Inglaterra, o remédio é prescrito preventivamente pela autoridade de saúde local a familiares do infectado. Nos EUA e na Argentina, podem ser comprados em farmácias. Duas cidades do Rio Grande do Sul atingidas pela doença, Foz do Iguaçu e Passo Fundo, quebraram a recomendação do Ministério da Saúde e estão prescrevendo o Tamiflu para casos suspeitos. Para o infectologista Edimilson Migowski, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), muitas das 76 mortes por gripe suína poderiam ter sido evitadas. "Se déssemos o remédio em até 48 horas, poderíamos modificar a evolução da doença para não levar a todos esses óbitos", avalia Migowski, um dos estudiosos consultados pelo defensor público. O médico sanitarista Pedro Tauil, da Universidade de Brasília (UnB), discorda da tentativa de se liberar a medicação do Tamiflu. "É um absurdo a interferência da Justiça", critica. Segundo Tauil, o Ministério da Saúde tem agido com prudência, porque, principalmente, não há em escala mundial medicamento para consumo em massa. Os laboratórios, diz, não dispõem de estoques do remédio. "Vejo que a liberalização desse medicamento pode resultar em mais malefícios do que benefícios", afirmou Tauil. (leia mais no ponto crítico) O médico sanitarista da UnB afirma que já foram registrados casos de resistência do vírus em países que adotaram uma política liberal de acesso ao medicamento, como Japão, Dinamarca e a Inglaterra. "Temos que discutir bem, pois o momento é de escassez (do medicamento). Precisamos trabalhar com prioridades", destacou. O temor da gripe suína fez cinco estados adiarem a volta às aulas dos estudantes da rede pública, marcada para hoje. Minas Gerais e Paraná começam o semestre letivo na próxima segunda. Os alunos de São Paulo e do Rio Grande do Sul retornam apenas daqui a duas semanas. 1 - GRUPO DE RISCO Considera-se grupo de risco idosos com mais de 60 anos, crianças até dois anos, gestantes e lactantes, hipertensos e diabéticos. As pessoas com deficiência respiratória, cardiopatia e que apresentam doenças que abaixam a resistência do organismo, como o HIV, também se enquadram. Ouça entrevista com André Ordacgy Morte investigada A adolescente Jacqueline Ruas, de 15 anos, sofreu uma parada cardiorrespiratória e morreu ontem no voo 759 da Copa Airlines, que voltava dos Estados Unidos. A causa da morte, segundo o Instituto de Medicina Legal (IML), foi uma pneumonia. A Polícia Federal vai investigar as circunstâncias do episódio, o que poderá esclarecer se a infecção da garota está relacionada com a gripe suína. Na bagagem de Jacqueline havia uma caixa do remédio Tamiflu, usado no tratamento da doença. A adolescente havia viajado em uma excursão de 12 dias para a Disney com outras 30 pessoas. O avião em que estava fez uma conexão no Panamá e chegou ao aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, às 5h44. Ela já estava morta. Um dos médicos que atendeu a garota diz que foi chamado por comissários por volta das 4h30. Ao socorrê-la, ela tinha sofrido parada cardiorrespiratória havia mais de meia hora. À polícia, funcionários da companhia de turismo responsáveis pela viagem afirmaram que dois exames nos Estados Unidos - um realizado pelo médico do hotel onde se hospedou e segundo, num hospital daquele país - descartaram contaminação pelo vírus A (H1N1), causador da gripe suína. O atestado de óbito elaborado pelo Instituto Médico Legal de Guarulhos aponta que a menina morreu de choque septicêmico e uma broncopneumonia - o que não descarta ou confirma contaminação pelo vírus A(H1N1). O laudo necrológico que ajudará a esclarecer a morte deverá ficar pronto em 30 dias. "Ela teve gripe e mal estar em Orlando. Fez o teste e deu negativo. Foi liberada para viajar", diz Filipe Fortunato, diretor da agência Tia Augusta, organizadora da excursão na qual estava Jacqueline. Segundo o delegado Cristian Lanfredi, não foi encontrada guia médica ou exame com a garota. Remédios Além do Tamiflu, a bagagem de Jacqueline tinha azitromicina (antibiótico), Eno (sal de frutas), os analgésicos e antitérmicos Motrin e Tylenol e os xaropes para tosse Wal-Tussin e Hydromet. "Ela nunca foi de tomar remédio. A família só sabia que ela estava tomando Tamiflu para prevenção, conforme o hospital americano pediu", conta a tia da adolescente Magda da Paz Santos, de 39 anos. Na quarta-feira (29/7), a garota foi internada no Hospital Celebration, em Orlando, e liberada seis horas depois. Ontem, o hospital não se manifestou. No mesmo dia, telefonou aos pais, contou o fato e relatou que não estava passando bem, tendo tido febre, dor de cabeça e dores no corpo, segundo Magda. O voo saiu dos Estados Unidos às 14h30 (hora local) de sábado e fez escala no Panamá. Na madrugada de ontem, dois médicos que estavam no voo foram acionados pelos comissários de bordo para atender a passageira. A Copa diz que os dois profissionais "aplicaram na passageira os primeiros socorros". A Secretaria de Segurança Pública informou que Jacqueline morreu às 5h43, pouco antes de o avião pousar em Guarulhos. Ponto crítico O senhor concorda com a ação para liberar o remédio de combate à nova gripe? SIM # Edimilson Migowski A Organização Mundial de Saúde afirma que é impossível predizer quem não é grupo de risco na nova gripe. Por isso, é melhor já medicar a partir da primeira suspeita. Afinal o remédio serve tanto para a gripe comum como para a nova gripe. O Ministério da Saúde não pode punir o médico que deseja prescrever ao paciente o medicamento. É uma arbitrariedade. O ministério vem se valendo de um estudo de que o uso indiscriminado do remédio pode gerar resistências do vírus. O caso do Influenza H1N1, contudo, é diferente de outros vírus, como o do HIV. É um vírus cuja infecção tem começo, meio e fim. Em 10 dias, no máximo, o organismo neutraliza o vírus, basta que a pessoa seja medicada, fique em quarentena e não contamine ninguém. Não existe essa história de portador do Influenza. Infectologista da UFRJ NÃO # Pedro Tauil O Ministério da Saúde tem garantido à população o medicamento para quem precise. E quem precisa? Quem tem a doença ou faz parte de um grupo de risco. Por que não se pode liberar? Porque se liberar a distribuição do remédio vai levar, sem dúvida, ao aparecimento da resistência ao vírus. Para outras gripes, ninguém usa. É uma reserva que temos, até porque a nova gripe tem características de gravidade que antes não havia. O Ministério da Saúde está agindo com prudência. É um absurdo a interferência da Justiça. Vejo que a liberalização desse medicamento pode resultar em mais malefícios do que benefícios. O laboratório do medicamento disse que não tem remédio para fornecer mais. Há relatos no mundo de resistência. Precisamos trabalhar com prioridades Médico sanitarista da UnB