postado em 18/04/2009 08:52
Lideranças das nações Yawalapiti, de Mato Grosso, e Kayapó, do Pará, denunciaram ontem à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados a adoção ilegal de crianças indígenas por duas organizações evangélicas ; a brasileira Atini Voz Pela Vida e a americana Jovens Com Um Ideal (Jocum). Segundo os caciques, as duas entidades sequestram crianças com a desculpa de que estão evitando o infanticídio. No documento, endereçado aos deputados Luiz Couto (PT-PB), presidente da comissão, e Janete Pietá (PT-SP), relatora do projeto de lei prevendo a prisão dos pais que mantiverem a tradição de sacrificar crianças que nascem com deficiências físicas e mentais, representantes das duas tribos acusam a Atini e a Jocum de difamarem os índios brasileiros e suas tradições utilizando a internet e os meios de comunicação para anunciar a prática de infanticídio.
A direção da Atini nega a prática de sequestro e afirma que existem quatro crianças na sede da Atini em Brasília, acompanhadas pelos pais. Segundo a conselheira Damares Alves, elas estariam em tratamento médico.
Os caciques das duas etnias solicitam formalmente a suspensão da tramitação do projeto de lei que criminaliza várias tradições indígenas. Apresentado pelo deputado Henrique Afonso (PT-AC), o projeto prevê a prisão de um a seis meses de indígenas que mantiverem a tradição ou de qualquer outra pessoa que souber do fato e não denunciar à polícia. A punição, portanto, se estenderá a funcionários públicos ou instituições não governamentais que trabalham na assistência aos indígenas. Pela proposta, quem souber de sacrifícios de crianças indígenas e não denunciar à polícia, poderá ser processado por omissão de socorro.
A lei proposta por Henrique Afonso admite a retirada provisória da criança e dos pais que discordarem da prática das aldeias e sua transferência para abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais. ;A proposta de lei assustou a comunidade indígena, que não quer submeter suas tradições a ações da Polícia Federal;, protestou o índio Anuiá, líder da comunidade Yawalapiti, que fica no Alto Xingu. Ele garantiu que o sacrifício de crianças indígenas doentes foi abandonado em quase todas as aldeias do país.
Segundo um dos mais importantes líderes indígenas, o cacique Aritana, há dezenas de casos de desaparecimento de crianças indígenas adotadas informalmente por militantes das entidades evangélicas Atini e Jocum com a desculpa de estarem impedindo o infanticídio. No documento entregue à comissão de Direitos Humanos, os indígenas também solicitam que todas as comunidades sejam consultadas. As duas instituições são as patrocinadoras do projeto de lei encampado pelo deputado, que é evangélico.
Discordância
O relatório elaborado pela deputada Janete Pietá, que será votado ainda no primeiro semestre pela Comissão da Direitos Humanos, não acata a proposta de Henrique Afonso de criminalizar os pais pelo sacrifício de crianças com deficiências físicas ou mentais. A parlamentar considera a proposta de punição ;um equívoco;, e sugere a criação de um conselho tutelar indígena para tratar dessas situações. ;Tais órgãos teriam as atribuições de tratar, respectivamente, da discussão de questões culturais próprias dos grupos indígenas, elaborando campanhas de conscientização destinadas a promover mudanças entre esses grupos, e a promoção de medidas voltadas para o bem estar das crianças e adolescentes indígenas;, escreveu Pietá em seu relatório.
Na campanha contra o infanticídio, as organizações Atini e Jocum produziram o documentário de ficção Hakani, veiculado no site YouTube, que conta a história de uma menina da etnia Suruwahá que nasceu com síndrome de Down e foi salva pelo irmão mais velho. A menina, hoje adolescente e vivendo em Brasília, foi adotada pelo casal de linguistas Marcia e Edison Suzuki, dirigentes da Atini. O filme provocou polêmica e protestos da Fundação Nacional do Índio (Funai), que considerou a campanha uma interferência externa nas tradições dos Suruwahá.