Jornal Correio Braziliense

Brasil

Massacre dos agricultores sem-terra em Eldorado dos Carajás permanece impune

Oficiais que lideraram matança de sem-terra em 1996 estão em liberdade. PMs ganharam promoções

Treze anos depois, a Justiça ainda se debate em um emaranhado de recursos dos acusados pelo massacre de 22 agricultores sem-terra em Eldorado dos Carajás, sul do Pará, em 17 de abril de 1996. Os camponeses foram assassinados com tiros de revólver, fuzil e metralhadoras por cerca de 200 soldados e oficiais da Polícia Militar escalados para desobstruir a PA-150. A rodovia estava bloqueada pelos trabalhadores, que protestavam contra o atraso no programa de reforma agrária do governo. Na hora do conflito, 19 homens tombaram. Outros três morreram poucos dias depois de baleados. Vários pedidos de habeas corpus e um recurso especial impetrados pelos advogados de defesa dos réus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), alegando vício formal na acusação, deixaram impunes até hoje o coronel José Mário Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira, responsabilizados pela matança juntamente com outros 153 soldados e um capitão envolvidos na ação. Condenados pelo tribunal do júri a penas de 228 e 154 anos, respectivamente, Pantoja e Oliveira permanecem livres. Os dois estão aposentados e tecnicamente não podem ser considerados condenados, já que o processo ainda não transitou em julgado ; restam recursos nos tribunais superiores. Todos os soldados foram absolvidos e, no ano passado, vários foram promovidos a cabo. ;É uma situação extremamente grave em se tratando do crime que foi cometido. Nós temos que tirar isso a limpo, não podemos deixar o caso parado;, afirma o subprocurador federal Eugênio Aragão. Ele não esconde que considera a matança dos camponeses um ataque da PM contra a população. O conflito também deixou outros 70 sem-terra com graves mutilações. Desde ontem, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está realizando manifestações e organizando acampamentos de camponeses no local da chacina e em Belém. O objetivo é lembrar os mártires pela reforma agrária. As famílias dos mortos e feridos foram indenizadas pelo atual governo do estado. ;Estamos esperando durante mais tempo o julgamento dos recursos impetrados pelos réus do que o prazo gasto no júri popular que condenou os oficiais;, protesta o advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Demora A pedido da ministra Laurita Hilário Vaz, encarregada de julgar os recursos dos réus no STJ, em maio de 2006 o procurador Aragão emitiu parecer contestando a alegação da defesa dos réus de que haveria erro formal no julgamento dos oficiais. O procurador estranha que o processo tenha ficado fora do gabinete da ministra durante oito meses, entre julho de 2008 e 25 de março deste ano. Os autos estavam em poder dos advogados dos réus. Em julho de 2007, os assistentes da acusação solicitaram formalmente que o STJ julgasse o processo, que já acumula 48 volumes e mais de 10 mil páginas. A ministra não se pronunciou sobre o processo e nem há previsão de definição. A matança na estrada que liga as cidades de Marabá e Redenção, no ponto conhecido como ;Curva do S; ; nome dado pela característica do perigoso trecho da rodovia que corta o Pará de norte a sul ;, teve repercussão internacional. Na ocasião, aproximadamente mil famílias de sem-terra estavam acampados na Fazenda Macaxeira, um latifúndio de pecuária improdutivo, e resolveram fazer uma passeata pela rodovia. O grupo terminou decidindo ir de ônibus até Belém para tentar uma audiência com o então governador Almir Gabriel (PSDB), mas foi cercado e impedido pela ação da polícia. A propriedade terminou desapropriada pelo governo estadual e hoje abriga o Assentamento 17 de abril. Atacados com tiros, os sem-terra se defenderam atirando paus, pedras e ferramentas nos policiais. De acordo com a perícia feita na ocasião, muitos trabalhadores foram mortos à queima-roupa, com tiros no tórax ou na cabeça. Alguns chegaram a ser chacinados a golpes de foice e de facão, quando já estavam feridos ou imobilizados. Não há relatos de mulheres e crianças assassinadas, o que seria mais um sinal de premeditação na ação dos policiais. Invasões pelo país No mês escolhido como símbolo da luta pró-reforma agrária, as organizações de camponeses mantiveram uma agenda de invasões de fazendas, indústrias e até instituições públicas como principal instrumento de reivindicação pela terra. Em Salvador, cerca de duas mil pessoas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupam, há dois dias, a sede da Secretaria de Agricultura da Bahia. Outras 1,5 mil famílias cortaram dois hectares de eucalipto e preparam a terra para plantar milho e feijão em uma área utilizada pela Veracel Celulose, no município de Eunápolis, sul do estado. Em Pernambuco, cerca de 180 pessoas ocuparam o Engenho General que pertence à falida Usina Tiúma, no município de São Lourenço da Mata. Reivindicam serem assentados na antiga fazenda. Em Bonfim, município a 125km de Boa Vista, capital de Roraima, 70 famílias organizadas pelo MST ocuparam a Fazenda Autarraia, com 5 mil hectares. Os camponeses pedem a criação de um projeto de assentamento na área. (LR) Cronologia 17 de abril de 1996 Por ordem do então governador Almir Gabriel, a PM do Pará tenta desobstruir a PA-150, a rodovia que liga o sul do estado a Belém, ocupada por manifestantes sem-terra. Sob o comando do coronel Pantoja, os policiais cercam os camponeses e começam a atirar, matando 19 pessoas, ferindo centenas e deixando 69 mutilados. Junho de 1996 Começa o maior processo em número de réus da história criminal brasileira, envolvendo 155 policiais militares. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com 48 volumes e mais de 10 mil páginas. 16 de agosto de 1999 No primeiro júri, que demora três dias, os 155 policiais são absolvidos, inclusive os oficiais que comandaram a tropa ; coronel Mário Colares Pantoja, major José Maria Pereira de Oliveira e o capitão Raimundo José Almendra Lameira. Abril de 2000 O TJ do Pará anula o primeiro julgamento. Outubro de 2000 O segundo julgamento dos réus confirma a anulação do primeiro júri, presidido pelo juiz Ronaldo Valle, que solicitou afastamento do caso. Dos 18 juízes criminais da comarca de Belém, 17 comunicaram ao Tribunal que não aceitariam presidir o julgamento. Alguns alegaram simpatia pelos PMs e aversão aos trabalhadores rurais. Abril de 2001 A nova juíza designada para o caso, Eva do Amaral Coelho, marca 18 de junho de 2001 como a data do novo julgamento dos três oficiais. O júri é cancelado depois de um protesto do MST denunciando a retirada de um parecer técnico elaborado pela Unicamp que mostrava imagens comprovando serem os policiais os responsáveis pelos primeiros disparos no conflito. 14 de maio a 10 de junho de 2002 Depois de cinco sessões, durante a retomada do julgamento, 141 soldados e um oficial da PM são absolvidos. São condenados o coronel Pantoja e o major Oliveira, que passam a recorrer da decisão em liberdade. Com medo dos condenados soltos, as testemunhas de acusação não comparecem mais ao julgamento. As testemunhas Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares alegam ter recebido ameaças de morte. Novembro de 2004 A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça julga numa só sessão todos os recursos da defesa e da acusação e mantém a decisão dos dois julgamentos anteriores, absolvendo os 142 policiais militares e condenando o coronel Pantoja a 228 anos de prisão e o major Oliveira a 154 anos de cadeia. 22 de setembro de 2005 O coronel Pantoja é libertado por decisão do Supremo Tribunal Federal. 13 de outubro de 2005 O major Oliveira é posto em liberdade por decisão do STF. Março de 2006 Recurso especial é apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, posteriormente, recurso extraordinário é apresentado ao Supremo. Abril de 2007 A governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, assina decreto que concede indenização e pensões especiais a 22 famílias de trabalhadores sem-terra vítimas da chacina. Setembro de 2008 A governadora começa a promover a cabo os soldados que participaram do massacre, apesar do recurso no Superior Tribunal de Justiça que pede as condenações dos PMs. Abril de 2009 O STJ não tem data para julgar o recurso especial impetrado pela promotoria do caso. O coronel Pantoja e o major Oliveira ainda respondem ao processo em liberdade .