A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) é um marco na jurisprudência, sinalizando que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios devem ser demarcadas, em área contínua, envolvendo a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas naturais no solo, nos rios e nos lagos de mais de um grupo étnico. Esta decisão homenageia os fundamentos da República, na perspectiva de um Estado pluriétnico e pluricultural, onde a diversidade étnica é valorizada na formação da cidadania.
Terras indígenas localizadas na faixa de fronteira também não representam, como jamais representaram, qualquer risco à soberania do país, porque são bens da União e porque havendo interesse da soberania, após deliberação do Congresso Nacional, as comunidades indígenas poderão ser removidas de suas terras, assegurado o retorno tão logo cesse o motivo. E como cidadãos brasileiros, os índios contribuem para o desenvolvimento econômico e social do país e das unidades da federação.
No entendimento da expressiva maioria dos Ministros do STF, a demarcação contestada respeitou o devido processo legal, comprovando que a área demarcada é tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas Macuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona.
Diante dos questionamentos que o debate judicial proporcionou, com intensa repercussão, compreende-se que o STF - sensível à adoção de fórmulas judiciais de superação de conflitos semelhantes -, tenha se sentido desafiado a balizar aspectos decorrentes do caso específico.
Melhor seria que parâmetros normativos já existissem. Mas quando a tramitação de proposições, como as que dispõem sobre "Estatuto dos Povos Indígenas" encontra-se paralisada há 14 anos, na Câmara dos Deputados, abre-se espaço que a nova tendência do STF tende a ocupar.
É nesse contexto de disputas que se projetam nos três poderes da República que as 19 condições adotadas pelo STF podem ser compreendidas. Algumas reproduzem normas constitucionais já em vigor e outras formulam diretrizes para o procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas e para a interpretação do usufruto exclusivo a que os índios têm direito. Cerca de um terço das condições aprovadas merecerão atenção dos operadores jurídicos, pois repercutem em ações de órgãos da administração pública. Essas condições refletem ainda aspectos tensos relacionados às disputas fundiárias e à conciliação de direitos indígenas com interesses estatais (como defesa nacional e obras públicas).
Paulo Machado Guimarães é assessor jurídico do Cimi e advogado de comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol na PET 3388/STF