Jornal Correio Braziliense

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Para Ministro do Desenvolvimento Agrário, MST precisa deixar de ter apenas uma 'llógica de conflitos'

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O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, reconhece que os problemas da pasta são maiores do que as soluções adotadas pelo governo. Mas, empolgado, entabula os números do programa de reforma agrária: crescimento de 35% na renda da agricultura familiar entre 2002 e 2007; aumento do número de propriedades no país, o que significa desconcentração de terra; pouco mais de 519 mil famílias inseridas em 3 mil assentamentos; e 43 milhões de hectares desapropriados em seis anos. Aos 52 anos e historicamente ligado aos movimentos pró-reforma agrária, o gaúcho Cassel é engenheiro civil e filiado ao PT desde a fundação do partido. Apesar de ser da corrente esquerdista petista Democracia Socialista, nos últimos anos se distanciou das ideias e métodos de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e suas dissidências radicais. Na semana passada, ele classificou de ;irresponsável; a ação de militantes do MST de Pernambuco que mataram quatro seguranças de duas fazendas ocupadas no estado, mas defendeu as ações dos sem-terra que ocuparam as propriedades da Agropecuária Santa Bárbara, do banqueiro Daniel Dantas, em uma ação política. Nesta entrevista ao Correio, ele alerta que os movimentos pró-reforma agrária precisam tratar da qualidade na produção agropecuária dos assentamentos e não somente promover invasões. ;A sociedade se cansou da lógica de conflitos, apenas;, critica Cassel. Procede a crítica dos movimentos sociais de que o governo desacelerou o programa de reforma agrária? Mais de 53% de todas as terras historicamente desapropriadas para a reforma agrária foram desapropriadas no atual governo. A crítica de alguns movimentos é de que o governo não adota uma política agrária antilatifundiária, de que estamos implantando o programa ocupando áreas públicas, adquirindo terras, mas não enfrentando o latifúndio, mesmo produtivo. Esse é o núcleo do pensamento do MST. Mas isso não faz parte do programa do PT nem do governo Lula. O documento ;Vida digna no campo;, de 2002, dizia que o país tem dimensões continentais, muita diversidade regional e que iríamos tratar de forma complementar duas agriculturas: uma empresarial, fundada no latifúndio, de mercado e escala, e outra familiar. Tanto que temos dois ministérios. Há seis anos eu tinha muita dúvida sobre a convivência desses dois modelos contraditórios. Acreditava que, desse jeito, as coisas iriam estourar. Mas a história tem mostrado que não é bem assim. O que vimos foi um grande investimento do governo nos últimos seis anos na agricultura familiar e também na patronal. Esse modelo tem dado resultados? Os resultados são efetivos. Em 2003, o Brasil estava em uma enorme vulnerabilidade econômica, à beira do precipício. Naquele momento, era fundamental a produção da agricultura patronal, que produziu muita soja e garantiu o superávit na balança comercial. Foi imprescindível para que atravessássemos um momento de enorme risco. O segundo momento foi no início do ano passado, quando houve a crise nos preços dos alimentos. No mundo todo, o preço médio da cesta básica de alimentos subiu 63%, mas o Brasil registrou menos que 20%. E foi a resposta rápida da agricultura familiar que conseguiu segurar os preços do leite, do pão, do feijão. Os dois modelos de agricultura estão muito estimulados pelos investimentos do governo. Hoje, a agricultura familiar já responde por 10% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso é muito relevante economicamente. Os dados do governo mostram um crescimento de assentamentos e a redução do número de famílias acampadas nas estradas à espera de terra. Por que, então, o governo recebe tantas críticas dos movimentos pró-reforma agrária? Em 2003 tínhamos uma enorme demanda por terra. Cerca de 300 mil famílias estavam acampadas em todo o país. Hoje temos 20 mil, se tanto. Há seis anos tínhamos o maior índice de desemprego já visto na história, com uma enorme desigualdade social e estagnação econômica. Hoje temos 500 mil famílias assentadas, o desemprego caiu e houve redução da desigualdade. Também cresceu o valor real do salário mínimo e criamos programas sociais como o bolsa-família. Podemos não responder às expectativas de todos, mas este setor está bem melhor do que em 2003. Então, as críticas do MST não têm razão? O MST está com dificuldade de se organizar frente a uma nova realidade. Hoje, o principal desafio de qualquer entidade ou partido político é ser contemporâneo, andar com o pé na realidade. O MST perdeu isso e tem dificuldade de avaliar os avanços da reforma agrária e propor alternativas à política fundiária. Atualmente, o grande desafio nosso é a produção nos assentamentos. Fala-se muito no isolamento social do MST. Isso tem uma explicação: a sociedade, de alguma forma, se cansou de uma lógica de conflito, apenas. Não sou preconceituoso e sei que os movimentos sociais têm o seu papel e de vez em quando ocupam mesmo uma área, fazem luta política. Mas a sociedade quer uma relação mais produtiva com os assentamentos. Os assentamentos têm condição de responder a essa expectativa da sociedade? Eles têm realidades muito diversas. São diferentes um assentamento no Rio Grande do Sul ou no Paraná e outro no sul do Pará. No Sul, é muito fácil, porque tem estrada, energia, assistência técnica forte e centro consumidor próximo. Com crédito do governo e a primeira colheita, o assentamento ganha dinâmica própria e ajuda o desenvolvimento das famílias. Na Amazônia, é diferente. Tem assentamento distante 800km de cidades, e o acesso é por estrada de chão. O governo herdou muitos assentamentos no Norte em situação precária. Os dados de pesquisas da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ), da UnB e os dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) mostram que, em todas as regiões, os assentamentos produzem, no mínimo, igual à média da agricultura da região. Os assentamentos produzem, mas podem fazer mais. Esse é o desafio do movimento dos sem-terra, avançar para construir uma outra estrutura fundiária e produzir cada vez mais e com qualidade. Os movimentos sociais apontam uma reconcentração de terra. A crítica procede? Em agosto deste ano vão sair os dados do censo agrário com base em dados de 2006. Os números prévios mostram que, desde 1996, houve um aumento de 300 mil proprietários no período, passando de 4,9 milhões para 5,2 milhões de títulos rurais. Isso mostra que, aos poucos, nós estamos desconcentrando a terra no Brasil. Eu ainda acho um ritmo lento. Mas o país tem que estar maduro para isso. O Congresso tem que mudar a legislação para simplificar o rito para a reforma agrária. Precisamos assentar de 80 a 100 mil famílias por ano e cada vez mais equilibrar o foco do Incra para a produção nos assentamentos. Espero chegar a um ponto que não seja necessário um programa permanente de reforma agrária, mas isso só ocorrerá com a criação de mecanismos legais que impeçam a reconcentração de terra. A reforma agrária é uma bandeira política? Não deve ser. É uma bandeira econômica e social. Está vinculada à geração de emprego e renda. Fazemos reforma agrária porque o país precisa ter segurança e soberania alimentar. Sabemos que, se tivermos uma agricultura baseada exclusivamente no latifúndio, teremos a monocultura, que é uma característica desse segmento. As grandes fazendas vão produzir muita soja e muita cana. Tudo bem, essa produção é importante. Mas alguém tem que produzir leite, frango, carne, milho, frutas e hortigranjeiros. E quem faz isso é a agricultura familiar. Quando discutimos o modelo de desenvolvimento do país, procuramos saber qual é o meio rural que queremos para o futuro. Podemos escolher um meio rural com grandes extensões de terras cultivadas por máquinas, com paisagem homogênea de soja ou cana. Mas eu desejo um meio rural com gente, com minifúndios de 20 ou 30 hectares, escola, hospital e a comunidade produzindo alimento. O ano passado foi mais tranquilo com relação aos conflitos agrários. Por que este ano começou mais turbulento? O senhor teme a radicalização do movimento pró-reforma agrária? Não temo. Teve uma sacudida agora em função das quatro mortes em Pernambuco. Mas, desde 2004, tem caído o número de assassinatos. Em 2003, foram 43 e, no ano passado, nenhum. Depois dessas mortes em Pernambuco, voltaremos ao padrão normal dos últimos anos. Não é esse o ambiente entre os movimentos sociais. No caso do Pontal do Paranapanema, é preciso uma solução urgente para evitar o conflito do grupo ligado a José Rainha com o instituto de terras de São Paulo. A ocupação das terras do Daniel Dantas no Pará estava caindo de maduro. Tinha uma denúncia, a fazenda estava um pouco abandonada e terminou havendo a invasão. Tem que verificar se a área é mesmo pública e se o vendedor e o comprador têm o documento ou não. Lá é uma amostra do Brasil arcaico, que envolve golpes e falsos registros em cartório. » Áudio: ouça parte da entrevista