Jornal Correio Braziliense

Brasil

Desafios do milênio: Obetivo 8 - todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento

Oitavo ODM busca diminuir diferenças entre ricos e pobres. Para especialistas, país precisa investir no acesso à informação e na oferta de emprego para os jovens

Quando, há nove anos, 191 chefes de Estado assinaram o documento que estabelecia os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), na sede das Nações Unidas, em Genebra, eles se comprometeram a melhorar indicadores de pobreza, educação, saúde, meio ambiente, habitação e igualdade em seus países. A última das metas, porém, se tratava de um chamado para além das fronteiras: o estabelecimento de uma parceria mundial para o desenvolvimento. A ideia do oitavo ODM, único não mensurável e tema da última reportagem da série, era fazer com que países desenvolvidos ajudassem a diminuir o abismo que existe entre eles e as nações mais pobres. Como não se encaixa em nenhum dos dois casos, o Brasil desempenha um papel intermediário, com uma atuação mais concentrada na Cooperação Sul-Sul (entre países em desenvolvimento). ;Quando o governo federal se engaja em trabalhos de cooperação técnica em inúmeras áreas com outros países, nós trabalhamos na direção do objetivo 8. Sobretudo, com nossos vizinhos. O Brasil, como grande nação que é, tem obrigações com a humanidade;, afirma o secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Márcio Fávilla. As parcerias brasileiras ocorrem principalmente na área de cooperação técnica com países da América do Sul, da África e de língua portuguesa. Na última quarta-feira, por exemplo, teve início no Timor Leste o segundo módulo de um curso de agricultura ministrado por um professor do câmpus de Crato do Instituto Federal do Ceará. O país também se destaca na atuação no Haiti, onde, desde 2004, lidera a força militar na missão de paz. A cooperação em busca do desenvolvimento, porém, deve começar dentro de casa, acredita Luciana Brenner, coordenadora do Observatório Regional de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis). A instituição é uma das responsáveis pelo desenvolvimento do Portal ODM, lançado neste mês para ajudar a monitorar o alcance das metas. Para medir os esforços brasileiros no objetivo 8, os estatísticos incluíram dados sobre acesso à informação e nível de trabalho dos jovens. ;O desenvolvimento se dá por meio das redes. Quanto ao jovem, ele é o futuro e, se existe uma boa taxa de emprego, eles terão a oportunidade de se desenvolver;, explica Luciana. Desvantagem Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), lançado em outubro passado, mostrou que, quanto à oportunidade no mercado, os jovens ainda estão em desvantagem. Entre 1986 e 2006, os brasileiros de 15 a 24 anos ocuparam somente 7,8% dos 14,7 milhões de postos gerados no período. Dos que estavam ocupados, 60,5% encontravam-se na informalidade. Moradora de Planaltina de Goiás, Luana Rocha de Brito, 19 anos, está concluindo o ensino médio e tem três cursos profissionalizantes: atendente de farmácia, secretariado médico e gerente de produção. Porém, não consegue emprego em nenhuma das áreas. Até o ano passado, ela trabalhava como arrematadeira de roupas, mas foi demitida. Na segunda-feira passada, acordou cedo para tentar uma vaga de auxiliar de produção de confecção, anunciada no Sistema Nacional de Emprego (Sine). Chegou ao Setor Bancário Sul às 9h, sem expectativa de ser atendida rapidamente. Luana pegou a senha 111 e, às 10h30, ainda chamavam o número 50. Assim como ela, havia dezenas de jovens com a carteira de trabalho na mão, aguardando uma oportunidade. ;Mesmo com experiência, com os cursos e sabendo informática, está muito difícil. Já distribuí mais de 100 currículos;, contou. No quesito acesso à informação, o país também precisa acelerar, de acordo com as estatísticas do Portal ODM. Embora mais de 30 milhões de brasileiros tenham acesso à internet, a maior parte de pessoas conectadas à rede ainda se concentra no Sudeste (55%). As regiões Centro-Oeste e Norte apresentam as piores taxas: 8% e 4%, respectivamente. Nas escolas, o contato com a informação é pequeno e desigual. No Distrito Federal, 85,12% dos estabelecimentos de ensino fundamental possuem computadores com acesso à internet. No Maranhão, o percentual cai para 2,22%. Com relação a laboratórios de informática, Mato Grosso do Sul tem o maior índice de colégios da 1ª à 8ª série com o serviço: 50,69%. Novamente, o Maranhão é o estado com a pior cobertura: 2,22%. Não é preciso, porém, ir tão longe para constatar a exclusão do mundo digital. Em Planaltina, na Escola Classe 7, nem sequer a lousa branca chegou às salas de aula. Os professores ainda usam os velhos quadros verdes para passar a lição. O laboratório de informática é um sonho antigo, conta a vice-diretora, Sandra Neuza. ;Até conseguimos uma parceria com o Banco Real, que se comprometeu a doar os equipamentos. Mas nosso problema é físico. Não temos salas suficientes;, lamenta. A escola atende 700 crianças da zona rural de Planaltina e da comunidade carente de Arapoanga. A supervisora pedagógica, Rosane Secundo, diz que os alunos e professores ficam frustrados com a falta de acesso às novas tecnologias. ;Eles veem nos livros textos que falam de internet, de e-mail, e querem olhar de perto. Os livros de redação ensinam como escrever uma carta, um bilhete, um e-mail. E eles nem sabem como é. Ficamos só com a carta e o bilhete;, diz. Filho de um pedreiro e uma cozinheira, Wesley Teixeira da Silva, 9 anos, aluno da 3ª série, diz que nunca chegou perto de um computador. ;Deve ser legal. Dá para fazer muita coisa, jogar, fazer o dever de casa;, imagina. O menino, porém, nem sabe o que é internet. ;Eu pedi para o meu pai me dar um computador, mas ele disse que é muito caro.;
Renda para ribeirinhos Capacidade técnica, percepção dos problemas da região e uma boa dose de idealismo. Com essa combinação, o professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Nicolau Priante Filho, doutor em engenharia mecânica, reergueu uma cooperativa de artesãos e pescadores fadada ao fracasso e a transformou num instrumento de geração de renda para as comunidades ribeirinhas de Pai André e Bom Sucesso. Priante diz que a inspiração para o projeto surgiu de uma constatação prática. Depois de muitos anos pesquisando alternativas para pessoas de baixa renda, ele percebeu que os instrumentos com os quais a população trabalhava não eram utilizados pelos beneficiários com todo seu potencial. Problemas operacionais, culturais e de logística inviabilizavam o sucesso das tentativas de implementar ações que tirassem os ribeirinhos da pobreza. ;São pessoas sem status social nem acadêmico. Nossa sociedade protege quem tem uma posição privilegiada e não considera a estrutura da inclusão;, justifica. Em vez de pensar na criação de uma nova cooperativa, o pesquisador resolveu apostar na Coorimbatá, que já existia, mas não funcionava como deveria. Ele entrou não só com a experiência e a técnica, mas com dinheiro do próprio bolso. ;Fomos tidos como malucos;, brinca. Nada do que é produzido ou comercializado pelos artesãos e pescadores vai para o bolso de Priante. Em compensação, se houver prejuízos, ele terá de arcar com as perdas. Coisa que, até agora, não aconteceu. Já na primeira tentativa de oferecer os pescados à maior rede de supermercados da região, a resposta foi positiva. ;Tem gente que morre sem conseguir uma resposta. E já conseguimos na primeira vez;, comemora Priante. Juntando a experiência dos pesquisadores cooperados e o trabalho da população, a cooperativa foi adiante e, em 2007, venceu o Prêmio ODM Brasil, da Presidência da República, por estar em consonância com o objetivo 8. ;Quantas pessoas propõem alternativas que não vão para frente? Eu, sinceramente, não esperava ver o resultado em vida;, comemora o pesquisador. (PO)