Brasil

Prescreve o processo sobre a morte de Jorge e Maria Cecília Bouchabki

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postado em 26/12/2008 10:12
O passado terá que finalmente ser enterrado na vida das famílias Delmanto e Bouchabki. Um dos crimes de maior repercussão já registrados pela mídia no país foi encerrado em definitivo, na véspera de Natal, sem nunca ter sido, de fato, solucionado. O assassinato do casal Jorge Toufic Bouchabki e Maria Cecília Delmanto Bouchabki, ou, simplesmente, o Crime da Rua Cuba, como tornou-se famoso na crônica policial, completou 20 anos e, por força da legislação, a partir desta data o processo não pode mais ser reaberto. A tragédia familiar, cercada de mistério até hoje, que atingiu a casa de número 109 da Rua Cuba, no Jardim Europa, um dos endereços mais sofisticados de São Paulo, não terá culpados. Há 10 anos, já havia sido prescrita a possibilidade de tentar responsabilizar o filho mais velho do casal, Jorge Delmanto Bouchabki, o Jorginho, por suposta autoria ou participação no crime. Ele tinha 18 anos quando os pais foram encontrados mortos com tiros à queima-roupa na cama do quarto, na madrugada de 24 de dezembro de 1988. Denunciado pelo Ministério Público Estadual (MPE) sob acusação de duplo homicídio qualificado, Jorginho não foi a julgamento. A Justiça concluiu que não havia indícios de autoria, proferiu sentença de impronúncia e o processo foi arquivado. O MPE tentou reabri-lo em 1998, mas o trâmite jurídico foi atropelado pelo prazo prescricional para a culpabilidade de Jorginho. Como tinha menos de 21 anos na época da morte dos pais, ele só poderia ser responsabilizado até 10 anos depois dos fatos ; metade do prazo previsto para a prescrição do crime. Com as duas prescrições, ele e toda a sua família só querem ser esquecidos pela imprensa para poderem viver em paz depois de um pesadelo tão longo. Irritação Jorginho tornou-se o advogado Jorge Delmanto Bouchabki. Aos 38 anos, mantém escritório na Zona Norte da capital paulista. Embora tenha sido veemente ao repetir que não quer dar entrevistas sobre o assunto, ele conversou por telefone com a reportagem do Correio, foi gentil e atencioso ao explicar seus motivos. Segundo ele, não há "nada a ser dito, nada a ser feito". Jorginho demonstrou irritação e aborrecimento com a postura da mídia ao longo dos anos. Lembrou que processa quem veicula informações deturpadas, inverídicas e pejorativas sobre a história. E sustentou não haver motivo para a imprensa ainda falar no caso, que é particular e foi doloroso para a família. O caso da Rua Cuba colocou no foco das atenções os Bouchabki e, principalmente, os Delmanto, uma das mais tradicionais famílias de advogados e juristas do país. Jorginho é neto de Dante e sobrinho de Roberto Delmanto, dois dos mais respeitados criminalistas de São Paulo. Na época do crime, o ambiente jurídico agitou-se ao redor do caso, transformado em coqueluche . O mistério em torno da morte do casal movimentou a sociedade e versões sobre os assassinatos surgiam dos corredores dos tribunais às esquinas. A fachada da casa foi transformada em macabro "ponto turístico" no Natal de 1988, e a discussão sobre quem havia matado o casal ocorria como numa charada de novela das nove. Os fatos em torno do crime estimulavam, em certa medida, esse tipo de comportamento. Jorge e Maria Cecília viviam em aparente harmonia com os três filhos: Jorginho, que acabara de passar no vestibular para direito; Marcelo, então com 14 anos; e Graziella, 10. O casal foi morto durante a madrugada da véspera do Natal e seus corpos só foram descobertos no início da tarde. Estavam arrumados na cama e cobertos com um lençol a - perícia confirmou que a cena foi modificada. A porta do quarto foi encontrada trancada. Sem arrombamento Ninguém ouviu os tiros. Nenhuma arma foi achada. Investigações concluíram que ninguém entrou ou saiu da casa, na qual estavam apenas uma cachorra, os três filhos do casal e duas empregadas, que, na época, disseram não ter visto nem ouvido algo estranho. Apesar da falta de provas iniciais e da dificuldade e complexidade do caso, as duas teorias consideradas mais fortes ficaram sendo a do duplo homicídio, supostamente praticado pelo filho mais velho do casal, ou a do homicídio seguido de suicídio. Polícia e Justiça acabaram não conseguindo provar nem uma coisa nem outra e, portanto, ninguém pôde ser acusado de nada. A repercussão do crime deu visibilidade a alguns nomes profissionalmente consagrados hoje. O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias foi o advogado que defendeu Jorginho na ação proposta pelo MPE por meio do então promotor do caso, o atual secretário de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey Filho. O delegado responsável pelo inquérito foi José Augusto Veloso Sampaio, figura de destaque no Departamento de Homicídios paulista que, depois do resultado do episódio, foi transferido para Peruíbe, no litoral do estado, onde se aposentou. A reportagem tentou falar com os três. Marrey se recusa a falar, Sampaio não retornou as ligações e funcionários do escritório de Dias informaram que ele se recupera de uma cirurgia. MPE quis reabertura Em novembro de 1998, os promotores Carlos Roberto Talarico, Eliana Passarelli e Maria Amélia Pereira solicitaram a reabertura das investigações sobre o Crime da Rua Cuba em nome do Ministério Público paulista. Foram mais de seis meses de trabalho sobre o inquérito e os autos, checando detalhes e tomando depoimentos. E foi com base em um novo depoimento, de Olinda Oliveira da Silva, uma das duas empregadas que trabalhavam na residência dos Delmanto Bouchabki, que os promotores pediram o desarquivamento do processo. Dez anos depois do crime, a empregada contou que, na véspera da morte do casal, teria havido um desentendimento entre Jorginho e sua mãe, Maria Cecília, por causa do namoro dele com uma estudante. Segundo Olinda, a discussão teria sido encerrada quando a mãe bateu com um taco de sinuca nas costas do filho. Ele teria reagido dizendo que ela se arrependeria do ato. A versão não constou do depoimento dado pela empregada em 1988 à polícia. Ela informou aos promotores que, na época do crime, teria sido pressionada a não comentar nada. Mais uma vez, a prova apontava na direção de Jorginho como principal suspeito do crime. No entanto, a Justiça não aceitou a prova como nova e produzida por fonte nova. Os promotores recorreram, entrando com um mandado de segurança, mas não conseguiram medida liminar. Direito Quando o mérito entraria em julgamento, o prazo prescricional para a culpabilidade de Jorginho já havia terminado. "Fizemos o que estava ao nosso alcance, mas infelizmente fomos fulminados pela data da prescrição", lembra o promotor Talarico. Ele considera que o MPE fez tudo o que estava a seu alcance para elucidar o caso. E defende o direito à prescrição nos moldes em que vigora no Brasil. "Há vários motivos que fundamentam serem os tempos de prescrição corretos e necessários", afirma. O mesmo diz o professor doutor de processo penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Maurício de Moraes, membro do conselho consultivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). "Se temos 20 anos para dar soluções e respostas à sociedade, é um prazo mais do que suficiente. E se as respostas não vêm, não há que se discutir prescrição, mas a ineficiência do Estado, das instituições responsáveis em cumprir os papéis que lhe são atribuídos pela sociedade", pondera.

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