Dezesseis meses depois da tragédia do vôo 3054 da TAM no Aeroporto de Congonhas, que resultou na morte de 199 pessoas e se tornou o maior acidente aéreo da história do país, os responsáveis começam a ser apontados. Com base nas próprias investigações e no relatório pericial do Instituto de Criminalística (IC) de São Paulo, o promotor Mário Luiz Sarrubbo anunciou ontem que poderá indicar até 10 responsáveis à 1ª Vara Criminal de Jabaquara. Os nomes não foram divulgados, mas é certo que a cúpula da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) da época, incluindo a então diretora, Denise Abreu, será responsabilizada. O promotor também citará a Infraero, a TAM e a Airbus no documento. “Na nossa opinião, o fabricante também tem uma parcela de responsabilidade”, afirma Sarrubbo. O laudo, assinado pelo perito Antonio de Carvalho Nogueira Neto, será entregue na segunda-feira ao delegado Antônio Carlos Menezes de Barbosa, que conduziu as investigações e está concluindo o inquérito. Embora tenha acompanhado o caso desde o início, provavelmente Sarrubbo não poderá oferecer denúncia, porque o caso deverá ficar a cargo do Ministério Público Federal, e não do estadual. Isso porque o inquérito criminal poderá enquadrar os responsáveis no Artigo nº 261 do Código Penal, que define o crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo. Ainda assim, o promotor vai elaborar um documento atribuindo individualmente as responsabilidades. O juiz do Fórum de Jabaquara poderá, então, enviar o relatório à Justiça Federal. Vítimas O documento do IC inocenta os pilotos Hernique Stefanini di Sacco e Keiber Lima, que morreram na tragédia. Para o perito Nogueira Neto, a posição dos manetes (dispositivo que acelera o motor do avião) estava errada, mas não por culpa dos profissionais, e sim da Airbus, que não tornou obrigatória a instalação de avisos sonoros na cabine caso o manuseio estivesse incorreto. “Eles são vítimas. A Airbus já teve dois acidentes anteriores com as mesmas características. Nos dois casos, o freio travou. A Airbus sabia que poderia acontecer de novo, mas, em vez de tornar o equipamento obrigatório, fez apenas um relatório, dizendo que a instalação era desejável”, diz Arquelau Xavier, vice-presidente da Comissão de Parentes das Vítimas da TAM. A Anac e a Infraero também aparecem no laudo de 700 páginas. A agência reguladora é citada por não estabelecer normas de segurança de vôo para o aeroporto, contrariando recomendações do Ministério Público Federal. Já a Infraero teria medido somente de forma visual o coeficiente de atrito da pista antes do pouso do avião. O procedimento deveria ter sido feito por meio de um equipamento próprio para isso, segundo a Organização de Aviação Civil Internacional. Procuradas pelo Correio, a Anac, a TAM e a Infraero não se manifestaram, já que, por enquanto, só tomaram conhecimento do laudo pela mídia. Durante um evento sobre aviação civil, o superintendente de infra-estrutura aeroportuária da Anac, Anderson Ribeiro Correia, disse que “as regulamentações da agência foram seguidas por Congonhas antes do acidente. Os critérios da pista foram atendidos”. A assessoria de imprensa de Denise Abreu divulgou nota afirmando que apenas uma das partes do inquérito foi concluída e que, portanto, não é possível responsabilizar a ex-diretora da Anac. No mesmo texto, o advogado de Denise, Roberto Podval, a defende. “Não há qualquer nexo ou ligação de causa e efeito entre o trágico acidente e a atuação de Denise Abreu no colegiado que dirigia a Anac”, argumenta. Ouça podcast com Arquelau Xavier, vice-presidente da Comissão de Parentes das Vítimas da TAM
Memória Tragédia acirrou crise Eram 18h51 de 17 de julho de 2007. O avião Airbus A320 acabava de pousar na pista 35L do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Segundos depois, uma grande explosão acabou com a vida de 187 pessoas a bordo do vôo 3054, que havia saído do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Quando deveria frear, o avião curvou para a esquerda e saiu da pista. Cruzou a Avenida Washington Luís, atingiu parte de um posto de gasolina e chocou-se com um prédio da TAM Express. Além dos tripulantes, morreram 11 trabalhadores da TAM Express e um taxista que estava perto do posto de gasolina. Entre as vítimas, estava o deputado federal Júlio Redecker (PSDB-RS) e o diretor regional do SBT no Rio Grande do Sul, João Roberto Brito. Diversas razões foram apontadas por especialistas e trabalhadores do setor aéreo para a tragédia. Uma delas foi a ausência de ranhuras na pista que criariam maior atrito no momento do pouso. Também se falou em erro humano, falha mecânica e aquaplanagem. Esses últimos três motivos foram descartados pelo laudo do Instituto de Criminalística de São Paulo. O acidente com o avião da TAM acirrou a crise aérea, deflagrada com a queda, menos de um ano antes, de uma aeronave da Gol. O então ministro da Defesa, Waldir Pires, foi substituído por Nelson Jobim, e toda a alta cúpula da Anac caiu, incluindo a ex-diretora Denise Abreu. Elogio dos familiares Os dados divulgados a respeito do laudo sobre o acidente com o Airbus da TAM no aeroporto de Congonhas foi bem recebido pelos membros da Associação dos Familiares das Vítimas do Acidente da TAM (Afavitam). O presidente da entidade, Dário Scott, que mora em São Leopoldo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, disse que o provável indiciamento de 10 pessoas, entre elas ex-integrantes da cúpula da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), era o que estava dentro de suas previsões: “Era tudo o que nós (parentes das vítimas) esperávamos. Agora, precisamos saber dos detalhes do inquérito que o delegado Antônio Carlos Barbosa vai enviar ao secretário de Segurança Pública”. Scott, pai de Thaís, que tinha 14 anos na época do acidente, concorda com o promotor Mário Luiz Sarrubo, que afirmou que a tragédia não se deu por fatos isolados: “Aconteceram erros de todos os lados e toda a sociedade brasileira finalmente saberá o que realmente ocorreu”. “Cheiro de pizza” Já o primeiro secretário da entidade, Christoph Haddad, pai de Rebeca, também de 14 anos, foi mais enfático: “Foram 16 meses de angústia e espera. Sei que a lista com os nomes dos indiciados está sob sigilo. Mas chega de enrolação e desse quase eterno ‘cheiro de pizza’. Que os culpados sejam punidos”. Os dois dirigentes da associação afirmam que apontar erros dos pilotos Kleiber Lima e Henrique Stefaninni di Sacco por estresse não é correto: “Se estavam estressados é por culpa exclusiva da TAM, que não dava boas condições de trabalho a eles e os ameaçava de demissão em caso de reclamação”, apontou. Os parentes das vítimas discutirão detalhes do inquérito policial na próxima reunião da Afavitam, neste fim de semana, em São Paulo.