Jornal Correio Braziliense

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Interesses na infância não têm relação com orientação sexual no futuro

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Recife ; Era uma vez uma menina que brincava com carrinhos e um menino que dançava balé. Duas histórias reais, de gente com muita vontade própria, que resolveu seguir o próprio caminho. Uma troca de papéis, pensariam alguns. Apenas um desejo infantil que precisa ser respeitado, diriam outros. Afinal, esse tipo de comportamento infantil define a escolha sexual no futuro ou uma coisa não tem relação com a outra? Preocupados, pais procuram com freqüência consultórios de psicologia em busca de uma explicação para as escolhas dos pequenos. Querem entender por que um menino demonstra o que se convencionou chamar de feminilidade e a menina, por sua vez, apresenta um jeito considerado masculinizado pela sociedade. Alguns, mais exaltados, chegam a exigir dos especialistas a cura para o suposto mal que acomete os filhos. Autor do livro Menino brinca de boneca?, o sexólogo Marcos Ribeiro é referência nacional sobre o assunto. Ele é taxativo em dizer que não existe homossexualidade na infância. ;Nessa fase, a sexualidade está em construção. Não podemos afirmar ainda se a criança será hétero, homo ou bissexual;, destaca. Segundo Ribeiro, é mais comum que a escolha sexual comece a ser definida na adolescência, entre os 12 e 13 anos. ;O corpo começa a mudar e a sexualidade se torna mais presente;, completa. Para o mestre em psicologia Carlos Brito, professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), o que existe é uma confusão na cabeça dos pais da criança. ;Tenho casos de pais que chegam ao meu consultório já com o diagnóstico do filho de apenas 5 anos. Não tem sentido falar em homossexualidade na infância. Até os 7 anos, a criança não tem um objeto de desejo sexual, muito embora sementes germinem nesse sentido. O que vemos é uma questão de gênero;, ressalta. O processo de construção do gênero masculino ou feminino começa na infância para se consolidar na adolescência e vem antes da identificação sexual. ;Algumas crianças apresentam confusão em relação à construção do seu papel de menino e menina. Há garotos, por exemplo, que se identificam mais com o universo feminino, alguns até de forma acentuada. São construções culturais, na realidade, que não têm relação com a opção sexual;, esclarece Brito. A experiência clínica de professor da Unicap mostra que, na grande maioria das vezes, os casos em que a criança fica confusa na construção do gênero estão relacionadas com pais que não se apresentam como figuras nas quais os filhos querem se espelhar. ;Muitas vezes, trata-se de um pai ausente, que não se oferece como modelo, e o menino pode se identificar mais com a figura da mãe;, completa. Preconceito E por que não pensar que meninos exercitam sua paternidade ao brincarem de boneca assim como a menina exerceu sua maternidade durante anos? ;Ter maneirismos corporais de menina não significa dizer que o garoto está escolhendo sua identidade sexual;, garante o psicólogo Tony Lima. O difícil é enfrentar o preconceito. Alexander José Kaden, 11 anos, apaixonou-se pelo balé clássico quando tinha apenas 2 anos, depois de assistir a um videoclipe. Aos 7 anos, depois de ter passado pelo judô, começou a ter aulas de dança. Na escola, foi vítima de empurrões, foi cuspido no rosto e teve até a roupa rasgada. ;Achei que essa vontade de fazer balé ia passar. Um dia uma professora o viu dançando na escola e logo ligou para mim, elogiando os passos que mais pareciam de um menino que já dançava há muito tempo;, lembra a mãe, Roseli Kaden. Hoje, além de dançarino, Alexander é modelo e já ganha o próprio dinheiro. Segundo o psicólogo Tony Lima, as famílias reproduzem os hábitos e determinam até as brincadeiras certas ou erradas para as crianças. Os meninos, em geral, brincam ao ar livre, com bicicleta, pipa ou skate. As meninas de casinha. ;É válido lembrar que ao longo dos anos os papéis sociais mudaram. Hoje a mulher também sai para trabalhar e muitas vezes o homem fica em casa, tomando conta dos filhos;, lembra. Cláudia Roberta Tigre tem duas filhas, de 15 e 10 anos. A mais velha é o símbolo da vaidade feminina: adora a cor rosa, o balé e integra uma equipe de nado sincronizado. A mais nova, Juliana, gosta de aventuras radicais. Skate, judô e bicicleta são algumas de suas preferências. Quando pequena, preferia os carrinhos de controle remoto às bonecas. ;Minhas filhas são bem diferentes. O que acho errado mesmo é criar um filho castrado. Cheguei a pensar que estava tomando decisões erradas e resolvi agir com o coração;, explica. Ponto para a felicidade de Juliana, hoje considerada uma filha bastante resolvida e independente. ;Ela já ganhou campeonato de judô. O pior é que nem eu nem o pai somos assim, tão corajosos. E ela agora quer fazer rapel;, brinca a mãe.