As cinco auto-escolas e centro de formação de condutores (CFCs) que lideram o ranking paulistano de emissão de carteiras com o menor número de impressões digitais fizeram juntas 7.537 CNHs com os dados biométricos de apenas 61 dedos. O fenômeno é explicado pelos donos das empresas, que alegam inocência, como uma falha no sistema de registro da Companhia de Processamento de Dados do Estado (Prodesp). É por isso que o número de carteiras expedidas seria imensamente maior que o de digitais colhidas dos candidatos.
O Centro de Formação de Condutores Conceição & Sales, no Itaim Paulista, zona leste, foi o "campeão" de produtividade: com sete digitais, deu entrada em 2.333 pedidos de habilitação no Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Entre donos dos cinco CFCs e auto-escolas que mais emitiram CNHs com uma mesma biometria, apenas dois disseram ter sido convocado pelo Detran para prestar esclarecimentos.
As investigações sobre as supostas fraudes tiveram início em 2 de junho. "Tivemos problema com o servidor", justificou Regina Sales, dona do CFC Conceição & Sales, que figura como primeiro do ranking de carteiras emitidas com uma mesma digital - foram 2.168 no ano passado, conforme levantamento da Prodesp. "Você põe uma digital e aparece o nome de outro candidato. Está uma bagunça." Há três semanas, Regina esteve no Detran e disse ter reiterado aos policiais que panes desse tipo são recorrentes. "Me comprometi inclusive a levar testemunhas, se for o caso." Questionada sobre a fraude do "dedo de silicone", ela respondeu: "Jamais fiz isso. Desconheço essa prática no nosso CFC."
Carlos Alberto dos Santos, sócio da auto-escola R5, foi outro que se apresentou ao Detran. "Existe erro por parte do G Four (provedor credenciado pela Prodesp). Se fizerem um levantamento, vão ver que os CPFs não são de nenhum funcionário ou aluno meu", disse. "Seria burrice da minha parte usar essa história de ;dedo de silicone;. Eu não faço isso."
A alegação de falha no sistema da Prodesp, no entanto, é desconsiderada pelo técnico da empresa ouvido pelo Detran. Segundo o analista de informática Jarbas Nitoli, de 46 anos, o levantamento da Prodesp cruzou números de CPFs com dados das biometrias colhidas e constatou que havia vários CPFs com uma mesma biometria. Segundo ele, só o médico cadastrado pelo Detran tem acesso para efetuar o cadastramento inicial do candidato a motorista. Há sete empresas contratadas para transmitir biometrias online à Prodesp. Depois do médico, a biometria do candidato é colhida no psicólogo, onde ela deve coincidir com a do médico. Em seguida, o candidato vai a um CFC fazer aulas teóricas e práticas. Em toda aula, ele tem de pôr o dedo no leitor ótico como forma de controlar presença. Segundo ele, o aparelho de coleta de digitais também lê "dedos de silicone".
Outros dois donos de CFCs procurados pela "Agência Estado" disseram desconhecer o caso. "O aluno vem aqui e coloca a digital dele. Deve ter sido alguma coisa no sistema, mas não sei do que se trata", disse Juscelino Alves Mendes, sócio do CFC A. Mendes. "Isso é novidade para mim", afirmou o dono da Sorriso & Sorriso SC Ltda., Antônio Roberto Sorriso Filho. "Não posso me adiantar em nada antes de me informar com o Detran." A Sorriso & Sorriso, no Sumaré, zona oeste, teria feito 3.148 carteiras com 23 impressões digitais. Já a CFC A.Mendes teria usado 17 digitais para fazer 1.179 CNHs.
A Auto-Escola Borba Gato informou desconhecer a apuração "Como é que a Prodesp aceita uma mesma digital para várias carteiras? Tem de perguntar para eles", disse o gerente Rafael Lima. "O Detran já esteve aqui atrás de ;dedos de silicone; e não encontrou nada."
Ferraz de Vasconcelos
Deflagrada na madrugada do dia 3 de junho, a Operação Carta Branca levou para a prisão 19 pessoas, entre policiais, despachantes, médicos, psicólogos, proprietários e funcionários de 17 auto-escolas e CFCs de 11 cidades da Grande São Paulo. O esquema de venda e fraude de CNHs foi descoberto por promotores do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) de Guarulhos e policiais rodoviários federais após um ano de investigações.
O QG da organização chefiada por delegados e investigadores era a Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Ferraz de Vasconcelos. Dali, a quadrilha comercializou carteiras em pelo menos sete Estados. Só a falsificação de um lote de 1.305 CNHs teria rendido R$ 2,3 milhões. Toda vez que algum problema acontecia, o grupo recorria a seus contatos no Detran ou na política.
O escândalo derrubou três delegados da Corregedoria do Detran. O assessor Carlos Alberto de Carvalho Thadeo, chefe de gabinete do então deputado estadual Campos Machado (candidato a vice-prefeito na chapa de Geraldo Alckmin), também deixou o cargo após a divulgação de conversas dele com um dos acusados de chefiar o esquema.
Em 15 de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, mandou soltar 18 acusados de integrar a máfia das carteiras. Dois dias depois, o Gaeco prendeu outros dez suspeitos, entre eles o ex-delegado seccional de Mogi das Cruzes Carlos José Ramos da Silva, o Casé.