O Brasil pode começar a fabricar no próximo semestre um dos principais medicamentos usados no combate à Aids. O laboratório Farmanguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aguarda apenas a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para começar a produzir o genérico do antiretroviral Efavirenz, do laboratório Merck Sharp & Dohme. A quebra de patente deve beneficiar 80 mil brasileiros que usam o medicamento. Atualmente, o país importa uma versão genérica da Índia por 45 centavos de dólar o comprimido.
Ao anunciar ontem a fabricação da droga, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse que a iniciativa proporcionará ao país um poder maior de negociação com os laboratórios farmacêuticos internacionais.
Atualmente, o país importa sete dos 18 remédios que compõem o coquetel anti-HIV. Esses produtos também são objeto de negociação com os fabricantes em relação ao preço. A intenção do governo é discutir com os laboratórios a possibilidade de os princípios ativos serem produzidos no Brasil. ;Pela primeira vez conseguimos desenvolver o princípio ativo de um medicamento que era protegido por patente. Isso pode ser a base para futuras iniciativas inovadoras. O governo está colocando uma nova agenda estratégica para a produção desses produtos;, observou.
O Tenofovir é o remédio para o tratamento dos portadores de HIV que mais custa ao governo brasileiro. Representa 15% do total de gastos com medicamentos importados. Cerca de 32 mil pacientes usam do remédio, cuja patente está sob análise de reconhecimento pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Para o ministro, a iniciativa do Farmanguinhos é uma demonstração da capacidade brasileira de atender as 200 mil pessoas que convivem com a Aids hoje no país. Na prática, a iniciativa reduzirá a dependência do Brasil de medicamentos importados. Segundo ele, há prioridade na análise do registro por parte da Anvisa. ;Considerando que o medicamento é um produto de estratégia de saúde pública;, completa.
A fabricação da droga se tornou possível graças ao licenciamento compulsório decretado em 2007 pelo governo brasileiro, depois de sucessivas negociações de redução de preço com a Merck Sharp & Dohme (veja memória). Para que a Anvisa conceda o registro, o laboratório Farmanguinhos precisa provar que o medicamento é bio-equivalente ao Efavirenz ; ou seja, produz o mesmo efeito que o original. Segundo o Ministério da Saúde, 18 pessoas participaram dos testes com o medicamento brasileiro. O Farmanguinhos firmou parceria com empresas privadas do Rio e de São Paulo para conseguir produzir a quantidade necessária. O Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (Lafepe) também fará parte do consórcio de fabricação.
Custos não divulgados
O presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Gabriel Tannus, diz que o setor considera ;normal; o processo de registro de um genérico do Enfavirenz, mas reclama da falta de clareza do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, sobre o quanto o país vai lucrar. No anúncio feito ontem, o ministro não revelou os custos de fabricação e disse apenas que a versão brasileira será um pouco mais cara que a indiana. Porém, o país ganhará poder de negociação internacional.
;O ministro mencionou que sairá mais caro do que o genérico indiano, mas não falou o quão mais caro. Se o problema é fabricação local, a Merck anunciou há 30 dias que poderia produzir o Enfavirenz a um preço competitivo;, ressalta Tannus. Segundo o representante do setor, o laboratório também não informou qual seria o preço.
Segundo Temporão, sempre que algum medicamento importado possa colocar em risco o equilíbrio financeiro e econômico do Programa Nacional de DST e Aids e o acesso dos brasileiros a tratamentos, o governo vai usar ;todas as armas que tem do ponto de vista legal;. ;Respeitando os tratados internacionais;, destacou. A substituição de importação de medicamentos essenciais para a saúde pública é uma das metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Saúde.
Memória - Economia de US$ 30 mi
O licenciamento compulsório do Efavirenz foi decretado pelo governo brasileiro em 2007, depois de o Ministério da Saúde (MS) tentar negociar com a Merck Sharp & Dohme, detentora da patente do medicamento, uma redução no preço da droga. O Brasil, que pagava ao laboratório US$ 1,59 por cada comprimido de 600mg, propôs que o preço cobrado fosse o mesmo pago pela Tailândia ; US$ 0,65 por unidade.
A empresa não aceitou a equiparação e propôs uma redução de apenas 2% no preço. Com isso, o governo brasileiro decretou o licenciamento compulsório e passou a comprar uma versão genérica da Índia, o que, segundo o governo, representou uma economia de US$ 30 milhões por ano ; incluídos no cálculo o pagamento dos royalties à Merck e todos os gastos de transporte. A expectativa do MS é que o preço do produto brasileiro permaneça nesse patamar.
O licenciamento é uma autorização outorgada pelo Estado para que terceiros possam explorar a patente sem o consentimento do titular, apenas para atender o mercado interno. No Brasil, o licenciamento compulsório está previsto na Lei de Propriedade Industrial Brasileira e serve para combater situações de abuso do poder econômico, exercício abusivo dos direitos, comercialização insatisfatória, emergência nacional e interesse público.