A menos de quatro meses para o fim do ano, o governo federal investiu R$ 10,7 milhões do orçamento do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) de 2008. O montante representa apenas 5% dos R$ 205 milhões previstos. Nem a CPI finalizada há cerca de dois meses na Câmara dos Deputados ; que fez uma radiografia do sistema carcerário no Brasil, revelando casos de presos dormindo com porcos e comida servida dentro de sacos plásticos ; sensibilizou o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão ligado ao Ministério da Justiça (MJ) que cuida do assunto. Mesmo incluídos R$ 27,7 milhões referentes a restos a pagar (dívidas de anos anteriores, para as quais havia dinheiro reservado do respectivo orçamento, honradas no exercício atual), a execução do Funpen não chega a 20%.
Levantamento da organização não-governamental Contas Abertas feito com dados do Sistema de Administração Financeira do governo federal (Siafi) mostra que o maior gasto do Funpen foi com a ação denominada Serviço Penitenciário Federal. Até 11 de setembro, haviam sido repassados, por meio dessa rubrica, R$ 5,3 milhões ; metade do total investido no Funpen. Esse dinheiro é usado basicamente para a manutenção do sistema carcerário federal, que compreende o pagamento de água, luz, energia elétrica, munição e até pessoal administrativo terceirizado. Ou seja, não se trata de abertura de vagas ou melhoria das unidades que já existem.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Justiça informou que o cronograma de execução do Funpen está dentro da normalidade. ;Historicamente, os recursos do fundo são executados nos últimos meses do ano;, afirma o órgão, em nota. Para o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública e consultor na área, o desleixo repetido deveria servir para inspirar mudanças. ;O fato de anualmente isso ocorrer não justifica uma execução tão baixa. Esses recursos, que já não são grande coisa, precisam ser aplicados nessas masmorras penitenciárias que o Brasil criou;, destaca.
Os valores empenhados (reservados para determinada aplicação no futuro) do Funpen, que até agora somam R$ 74,1 milhões, ou 36% do orçamento total previsto, também não convencem especialistas da área. O Ministério da Justiça defende que os empenhos sejam considerados investimentos, ;já que o recurso fica reservado para uma determinada ação;.
Entretanto, o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, explica que o empenho é uma ;mera reserva de dinheiro para liquidar uma conta;. ;O reconhecimento de que o serviço foi prestado ou a obra concluída é quando o governo paga, efetivamente, por aquilo. Veja que há empenhos de 2005 que até hoje não foram quitados;, diz.
Execução pífia
A única ação dentro do Funpen que teve 100% de execução, ou seja, tudo que estava disponível foi aplicado, é denominada Contribuição ao Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). Trata-se de um repasse anual ; que neste exercício foi de R$ 30 milhões ; para o órgão, que trabalha internacionalmente na questão de direitos humanos, justiça e desenvolvimento social.
Do outro lado, há os programas mais diretamente ligados às dificuldades do sistema penitenciário brasileiro que estão com execução pífia. Um deles é o Apoio à Reforma de Estabelecimentos Penais Estaduais, que empenhou R$ 5,6 milhões, mas não executou nada. Nem de restos a pagar houve repasse por meio dessa rubrica específica.
Não bastassem as dificuldades de investimento, o governo contingenciou R$ 22 milhões do Funpen este ano. ;Há tempos defendemos que a segurança pública seja uma área prioritária, na qual não possa haver cortes. Mas isso nunca foi levado a sério;, destaca Ignácio Cano, especialista do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Castello Branco lembra que o orçamento de 2008 só foi aprovado pelo Congresso Nacional em março. ;Antes disso, o gestor não pode mesmo liberar verba, é compreensível que haja um atraso. Mas não podemos deixar de avaliar como muito baixa a execução do Funpen, até mesmo considerando os restos a pagar;, diz o economista do Contas Abertas.
Projeto segue parado
Alardeado como projeto prioritário em 2008, a construção de presídios temáticos (para jovens de até 29 anos e mulheres) deverá ficar para o ano que vem. É que dos R$ 73,9 milhões empenhados (reservados para determinada aplicação no futuro), de um orçamento total de R$ 105 milhões destinados à ação, nenhum centavo foi pago ainda. Até agora, está prevista a construção de sete penitenciárias, muito menos que as 44 unidades mencionadas pelo secretário executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, em entrevista ao Correio no início do ano. O acerto com os sete estados que receberão as unidades permanece em estágio inicial.
Nota do próprio Ministério da Justiça explica que ;a liberação (dos recursos) depende do cumprimento de procedimentos legais com os estados que irão receber os presídios, como liberação dos terrenos;. E afirma que ;o que está previsto ; e a informação está em todo o material de divulgação do Pronasci ; é a abertura, até 2011, de 41 mil vagas no sistema penitenciário por meio dos estabelecimentos especiais para jovens adultos e mulheres;.
;Se temos esse ritmo de investimento em meados de setembro, fica claro que a questão penitenciária não é prioridade. Porque se você dá prioridade para um programa, o dinheiro sai, os projetos aparecem;, diz José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Segundo ele, os riscos de gastar mal, ao liberar a maioria dos recursos no fiml do ano, prática admitida pelo Ministério da Justiça e costume em praticamente toda a Esplanada dos Ministérios, são altos. ;Principalmente se o repasse for para contratar serviços como treinamento. É o tipo de coisa que não se deve fazer apressadamente;, destaca o coronel.
Embora considerado linha-dura nas opiniões sobre segurança pública, Silva Filho é um crítico do atual sistema carcerário, que amarga déficit de 160 mil vagas. ;Acho que tem que prender mesmo, mas é preciso dar as mínimas condições para o preso sair melhor (da prisão). Nem digo ressocializado, porque isso é bobagem, mas que saia representando menos risco para a sociedade. Se a prisão fosse um curral, o ministério público dos animais já teria pedido para tirá-los dali, mas como é gente, deixa para lá.;