Jornal Correio Braziliense

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Estudo: mães adolescentes se ressentem da redução da vida social

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Ao entrar na adolescência, a vida de Poliana Gomes de Galvão, hoje com 19 anos, era só diversão. A prioridade na agenda eram festas, boates e encontros com os amigos. Estudo vinha em segundo plano. Trabalho, nem pensar. Até que, aos 16 anos, a badalada rotina deu uma reviravolta. Uma gravidez inesperada provocou a mudança radical. Primeiro, a jovem abandonou uma das atividades que mais gostava, o teatro. Em seguida, parou de estudar. Depois que Stefane, hoje com 1 ano e 9 meses, nasceu, a jovem deixou o bebê com a mãe e saiu em busca de emprego. Arrependimento? Nenhum. ;Perdi a liberdade, mas ganhei a felicidade;, resume. Com a filha mais nova no colo, Stela, de um mês e meio, Poliana se diz realizada como mãe. ;Não dá para explicar o carinho que se sente;, descreve. Nem tudo, porém, são flores. ;Tentei tirar minha filha e cheguei a pensar em dá-la para adoção. Sinto falta de poder curtir como antigamente;, confessa. Poliana é apenas uma entre as centenas de jovens que todos os dias se deparam com a novidade de ser mãe e acabam por tomar consciência das limitações provocadas pela maternidade. Há dois meses, ela conseguiu emprego em uma organização não-governamental que trabalha com a capacitação de adolescentes e, melhor, conheceu experiências de outras 40 meninas do Distrito Federal que convivem com as mesmas alegrias e frustrações. ;Adiei a minha graduação e a minha vida social ficou mais difícil;, conta a educadora social do Projeto Giração, Rosilda Flor de Freitas, 23 anos. Moradora de Samambaia Norte, Flor foi mãe pela primeira vez aos 16 anos, em um momento no qual era presidente da Associação de Pais e Mestres (Apam) da escola onde fazia a 6ª série e estava à frente do projeto de criação do grêmio estudantil. ;Com muito custo, terminei o ensino médio. É preciso escolher entre pagar faculdade ou comprar fraldas;, conta. Apesar de ter adiado tudo o que sempre quis fazer, Flor, mãe de uma menina de 7 anos e outra de 4, se diz orgulhosa da cumplicidade que tem com as filhas. Um estudo apresentado na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) mostra que 80% das mulheres que se tornam mães muito cedo não reclamam dos filhos, mas de perderem a vida social que tinham antes. As queixas mais comuns são a perda de contato com os amigos, a falta das ;baladas; e o abandono dos namorados. ;A bronca das outras 20% que têm dificuldade de lidar com a maternidade é sobre como alimentar e dar banho;, exemplifica a enfermeira Suzete Bergamaschi. Ao pesquisar como andavam as obrigações maternais de 15 jovens entre 16 e 17 anos, um mês depois de terem deixado o Hospital Universitário da USP, Suzete descobriu que os procedimentos ensinados na maternidade às mães de primeira viagem eram colocados em prática sem problemas. ;A constatação acabou mudando o foco da minha dissertação de mestrado;, explica. Surpresa A princípio, a autora da dissertação A vivência da puérpera adolescente com o recém-nascido no domicílio queria saber se as mães adolescentes seguiam em casa as orientações dadas durante os três dias que passavam internadas. A enfermeira acabou descobrindo que os cuidados com um bebê incomodavam menos as jovens. ;A mudança brusca de vida apareceu muito mais forte;, acrescenta. Segundo Suzete, as meninas reclamavam das transformações no corpo, que passaram a limitar o uso das roupas anteriores à gravidez. Também protestavam contra os pais das crianças, que mantiveram uma vida ;normal;. ;Os namorados continuavam saindo para dançar e beber e elas ficavam cuidando do filho;, diz. De acordo com a enfermeira, mesmo as que tiveram oportunidade de deixar a criança aos cuidados de terceiros para poder sair se diziam insatisfeitas. ;Não se divertiam como antes. Há a preocupação com o bebê;, observa. ;A sociedade adultocêntrica exige do homem ser apenas provedor da família;, afirma o especialista Jorge Lyra. Segundo Lyra, a visão de gravidez na adolescência associada a termos como ;precoce, prematuro e indesejável; piora a situação. Coordenador da ONG Instituto Papai, em Recife (PE), voltada para meninos que se tornam pais na adolescência, ele tenta reverter esse estigma. ;Tentamos promover uma revisão do modelo machista e dos processos de socialização masculina, incentivando a participação masculina nos campos da saúde, sexualidade e reprodução;, ressalta. Meninas de baixa renda sofrem mais A mudança na vida social das jovens mães é mais acentuada entre as meninas de baixa renda. Para elas, a solidão e o sentimento de falta de liberdade pesam mais porque nem sempre têm com quem deixar os filhos para estudar ou se divertir. Muitas vezes não podem contar com a família para ajudar na criação do bebê e são obrigadas a trabalhar. É o caso da piauiense Tamila Pereira Maciel, 16 anos. A gravidez aos 15 dificultou a vida da estudante. ;Tive de ter responsabilidade e atrasei bem o estudo. Estou na 3ª série do ensino fundamental depois de parar e recomeçar várias vezes;, diz. Tamila faz parte de uma legião de 800 mil brasileiras de 15 a 19 anos que já tiveram um filho. Ao fazer o cruzamento de dados registrados entre 2002 a 2006, a cientista política Natália Fontoura, técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), constatou que a renda de metade delas é de meio salário mínimo. ;Elas pagam o pato. Isso tem muito a ver com os padrões sociais atribuídos a homens e mulheres;, afirma. As diferentes conseqüências da gravidez na vivência dos adolescentes foram objeto de estudo da antropóloga Maria Luiza Heilborn. De acordo com a especialista, as meninas são maioria entre aqueles que pararam de estudar, temporariamente ou não, além de sofrerem diminuição do convívio com os amigos quando se trata de gravidez na juventude. A realidade das meninas foi levantada por Luiza a partir de pesquisa domiciliar realizada em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador e resultou no livro O aprendizado da sexualidade: reprodução e trajetórias sociais de jovens no Brasil. Por meio de perguntas como ;o que aconteceu na sua vida depois da gravidez?;, a antropóloga diagnosticou as principais queixas das jovens mães. ;O filho é geralmente bem-vindo, mas, enquanto as mães ficam reclusas, os pais não deixam de ver os amigos e sair;, conta. Foram ouvidos 623 mulheres e 451 homens, com idade entre 20 e 24 anos. Luiza constatou, inclusive, que os rapazes não sentem perda de vida social. ;Casados ou não, eles reclamam mais do controle das parceiras sobre a liberdade de antes;, afirma. Segundo a especialista, apesar do comprometimento menor que o das meninas, eles também experimentam o sentimento de realização. ;É comum falarem: agora sou um homem;, observa. A maternidade também realiza os jovens de classe média, mas a valorização de ser pai e mãe é vista como algo menor. Além disso, eles têm mais chance de partilhar a responsabilidade com a família. ;Eles se sentem tocados com a novidade (gravidez), mas casar não é a prioridade. Diferentemente dos meninos de camada popular, que buscam morar com a parceira;, diz. De acordo com Luiza, os precoces avós de classe média incentivam os filhos a não abandonar os estudos e não dão força para uma união. ;As meninas não ficam responsáveis em tempo integral pelo bebê. Contam com mãe, avó e, em alguns casos, até com babá;, ressalta. Para a pesquisadora, a sociedade avalia mal a gravidez na adolescência. ;Acham que as meninas vão se arrepender. Às vezes o filho substitui a ausência dos pais, do amor que o filho sempre sonhou;, lembra.