O médico Paulo César Ramos, preso na semana passada, no interior de São Paulo, acusado de fazer parte de um grupo que manipularia ordens judiciais para obrigar a Secretaria de Estado da Saúde a comprar remédios não ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), reconheceu ter recebido recursos das empresas farmacêuticas Mantecorp e Merck Serono para dar palestras em congressos sobre os remédios com os quais trabalhava e fornecer assistência técnica na administração das drogas, algumas de uso hospitalar.
Ramos destacou, no entanto, que isso não configura crime e não influiu nas prescrições. "Eu recebia, mas receitava porque achava que (os pacientes) necessitavam dos remédios", disse.
Há uma semana, por volta das 5 horas da segunda-feira (01), ele, de 51 anos, acordou com a polícia dentro de sua casa em Marília (a cerca de 450 quilômetros da capital paulista), onde dormiam também a mulher e os três filhos. Foi levado a uma cela, onde ficou quatro dias, acusado pela polícia de fazer parte do grupo. "Em uma semana, 23 anos de carreira foram para a lama", disse Ramos, que destaca ter sido o primeiro médico negro formado pela universidade pública da cidade.
Segundo as autoridades, no esquema do grupo, Ramos seria o responsável por prescrever os medicamentos aos pacientes captados por uma organização não-governamental (ONG) em razão de receber dinheiro das empresas farmacêuticas.
"Na realidade, não tem esquema. Os representantes farmacêuticos visitam médicos, deixam quilos de amostra grátis, existe de, às vezes, médico viajar, do representante pagar para ir a um congresso. Eu não vou mentir, já tive recebimento, mas não ganhei pela indicação de remédios. Tenho recibos. Isto não é ilegal, estava vendendo um serviço, é diferente de falar que ganhei para garantir o uso de tal medicamento. Tinha recibo até por ser uma coisa legal", disse.
O médico reconhece que a prática pode trazer questionamento ético. "Realmente, isto é uma coisa que pode dar essa conotação, mas, para você ter uma idéia, outros pacientes tomavam medicamento de outros laboratórios."
Ramos, que trabalha há dez anos com psoríase (doença crônica que provoca lesões e escamação na pele), recusou-se a falar do quanto recebeu. "Não dá para pagar o advogado", disse.
Também não quis falar sobre laudos médicos com a assinatura falsa encontrados pela polícia, assim como a respeito dos diálogos dele com representantes das farmacêuticas. Os representantes continuam presos.
"Da minha parte, não houve crime, do outro lado, depende de investigação. Minha consciência é tranqüila. Basta falar com os pacientes. Eu trato da psoríase antes destes remédios biológicos", afirmou.
O médico também não quis comentar declarações do sogro dele à polícia de que uma reforma na clínica genro teria sido custeada pelos laboratórios, o que ele nega. "Eu já abri as contas, basta ver a reforma, onde estou pagando, onde os pagamentos estão atrasados. Houve mal-entendido, meu sogro está muito abalado."
De acordo com a polícia, a colaboração de Ramos foi essencial para as investigações e justificou a decisão do delegado Fábio Alonso de não pedir a prorrogação da prisão na sexta-feira (05).
Responsável pelo serviço de Dermatologia da prefeitura de Marília, o médico disse que agora reconstruirá a carreira e lutará pela inclusão definitiva no SUS dos remédios biológicos contra psoríase, alvo da polêmica atual. Segundo ele, o tratamento bancado hoje pelo governo não serve para casos graves e costuma faltar no posto de atendimento.
"Se tivesse o remédio, precisaria de ação judicial? Que se crie um protocolo rigoroso para dispensação e normativas para que não haja fluxo tão grande de pacientes. Tenho pacientes que durante quase cinco anos não saíam de casa e que hoje andam de short. Agora, claro, o remédio não é milagroso, tem efeito colateral. Mas pergunto: e esses pacientes, quem vai tratar? Vão voltar ao SUS. Quem estará lá? Eu, de novo, e de mãos amarradas", completou. A reportagem não conseguiu localizar os laboratórios hoje.