Jornal Correio Braziliense

Brasil

Causas da fome mudaram desde os primeiros estudos de Josué de Castro

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Quando o médico e intelectual brasileiro Josué de Castro, que completaria100 anos nesta sexta-feira (05/09), iniciou os estudos sobre a fome no Brasil e no mundo, na década de 40, a principal causa era a falta de alimentos, especialmente nos países que haviam perdido a 2ª Guerra Mundial. Hoje, existem alimentos disponíveis, mas a população mais pobre não consegue ter acesso a eles por falta de recursos financeiros. ;Hoje, a fome tem a cara da falta de dinheiro e não da falta de produtos. Faltam bons empregos, uma melhor distribuição de renda, maior poder aquisitivo para as pessoas conseguirem consumir o que necessitam;, explica o o diretor para América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano. A filha de Josué de Castro, a socióloga Anna Maria Castro, lembra que a geografia da fome mudou porque o país se industrializou e a população deixou de ser majoritariamente rural. Para ela, isso piorou a situação. ;Antes, você tinha alguma forma de sobrevivência da pequena propriedade, que foi sendo eliminada. A grande denúncia dele [de Josué] era contra o latifúndio e a monocultura e por uma reforma agrária para que todos pudessem ter a terra para poder se alimentar;, afirma. De acordo com Graziano, que foi o primeiro coordenador do programa Fome Zero, a FAO estima que hoje existam cerca de 60 milhões de subnutridos na América Latina e 880 milhões no mundo, o que representa quase 15% da população mundial. O conceito de subnutrido é aplicado às pessoas que não consomem, no mínimo, 2,2 mil calorias por dia. Graziano explica que o número aumentou nos dois últimos anos por causa da alta dos preços dos alimentos. Ele diz que a América Latina sofreu bastante com o aumento do preço dos alimentos, porque as pessoas trocaram carne, verduras, legumes e frutas por açúcares e farinhas. ;Na América Latina hoje, a fome tem a cara do obeso, porque as pessoas comem mal por falta de condições financeiras ou por falta de conhecimento nutricional;, afirma. Anna Maria conta que o pai ;descobriu; o problema fome, que estava oculto primeiramente no Nordeste, depois no Brasil e no mundo. ;Até então, se admitia que a fome era um problema do meio ambiente, da raça, da indolência da população. E ele tentou mostrar que não, que o problema não era a produção de alimentos, mas sim de poder distribuir porque uma grande parcela da população não tinha acesso;, explica. Anna Maria lamenta que hoje em dia muitos países ainda sofram com as conseqüências da fome. ;Acho que ele [Josué] nunca esperaria que chegaríamos ao século 21 dessa forma, ele acreditava que, pela ciência e pela técnica, o homem ia poder distribuir melhor a riqueza do país para que todos pudessem participar do alimento;. Segundo Graziano, a grande contribuição de Josué de Castro para as políticas governamentais adotadas atualmente é a compreensão de que a erradicação da fome não deve partir apenas de uma proposta de governo, mas de toda a sociedade. ;Hoje, há estudos que dizem que é mais barato erradicar a fome do que conviver com ela. A fome causa um tal número de efeitos que se torna um negócio antieconômico;, avalia. Em 2004, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava que aproximadamente 72 milhões de brasileiros viviam em situação de insegurança alimentar. Desse total, 14 milhões em situação grave.