Jornal Correio Braziliense

Brasil

Arquivos de guerra: Nos desvãos da história

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Taguatinga (DF), agosto de 2008

Seis filhos, 16 netos, nove bisnetos e muita lembrança. É tudo que Aracy Arnaud Sampaio, 90 anos, mantém hoje, além de poucas fotos da 2; Guerra Mundial. Ela foi uma das 73 enfermeiras do Exército e da Aeronáutica que foram à Itália, onde atuou junto com suas colegas americanas, no 7th Station Hospital, em Livorno. Como acontece com os pracinhas veteranos, o trabalho que desempenhou nos campos de batalha vai, aos poucos, sumindo nos desvãos da história e sendo esquecido pelo poder público. Hoje, ninguém sabe exatamente quantas enfermeiras ainda estão vivas e nem onde estão.

;Fui destacada para trabalhar na enfermaria E-22, onde havia a seção de clínica médica. Lá ficavam os oficiais de todas as nações aliadas e tive como pacientes verdadeiros heróis. Rapazes cheio de vontade de viver, mas muitos deles ficaram inutilizados, sem braço, sem pernas. De todos guardo boa recordação;, conta Aracy em um diário feito pouco depois da guerra. As anotações, com muitos detalhes sobre a atuação brasileira na Itália, talvez seja uma das poucas recordações que guarda dos campos de combate.

A enfermeira mora em Taguatinga com a filha Maria Soledade, de onde sai para tratamento médico quase todas as semanas. Quando ainda conseguia caminhar com facilidade, costumava dar palestras, principalmente para idosos, falando do que mais gosta: a 2; Guerra Mundial. ;Dentre os muitos heróis, lembro-me com mais carinho do Mário Márcio Fontanilas da Cunha, campeão sul-americano de salto com barreiras, que esteve por mais de três meses aos meus cuidados;, diz Aracy em seu livro de memórias. ;Ele ficou paralítico, apesar de todo o tratamento de recuperação feito nos Estados Unidos.;

As 73 enfermeiras que foram à Itália também receberam soldos e patentes militares como suas colegas americanas, mas permanecem escondidas na história do Brasil, como estão desaparecendo os pracinhas que foram à guerra. A memória das mulheres só é cultivada por elas próprias e entre os ex-combatentes. Nem mesmo os fatos que presenciaram foram documentados em relatórios oficiais. ;Houve um incidente que nos marcou. Nosso refeitório era próximo ao hospital e havia uma rampa pela qual desciam e resolveram transformá-la em escada. Um soldado brasileiro e um civil italiano foram destacados para destruí-la, mas ao baterem com as picaretas no chão, houve a explosão de uma mina. Os dois foram estraçalhados;, lembra a enfermeira.

Acidente

O barulho da explosão rompeu um dos tímpanos de Aracy, que até hoje tem problemas de audição. ;Jamais esquecerei este fato, que marcou o resto de minha vida;, diz a enfermeira, que se orgulha de vestir a farda do Exército nas solenidades das quais participa. Nos últimos tempos, não apenas ela, mas também os veteranos, têm sido pouco chamados. Aracy, que foi para a Itália como voluntária, se reúne constantemente com suas poucas colegas ainda vivas. Além das recordações da guerra, conversam sobre o abandono a que todos estão relegados.

Um dos sonhos de Aracy e de outros veteranos é ver construído o monumento dos ex-combatentes, na Praça dos Três Poderes. ;O projeto já está pronto e parece que os recursos já estão sendo disponibilizados;, afirma o presidente da Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira (Anvfeb) em Brasília, Vinícius Gomes da Silva. Segundo ele, entre 7 e 10 de setembro, todos os pracinhas estarão reunidos no Distrito Federal para discutir a situação atual em que todos se encontram. No mesmo período, haverá uma visita ao local da futura obra, que não tem data para ser iniciada. Mas até sua conclusão, com certeza, o número de ex-combatentes estará bem menor que agora.