Jornal Correio Braziliense

Brasil

Flagrantes de abuso aos direitos humanos

Relatórios produzidos por ONG destacam casos de desrespeito aos direitos humanos no país. Violência nas favelas cariocas e impactos ambientais gerados por hidrelétricas são alguns dos episódios denunciados

Apesar de a Declaração Universal dos Direitos Humanos estar prestes a completar 50 anos, a cultura de respeito aos cidadãos no Brasil ainda engatinha. A avaliação faz parte de seis relatórios elaborados pela ONG Plataforma Dhesca com a ajuda de 30 organizações. Os documentos ; que devem ser publicados até o fim do ano e tiveram algumas conclusões apresentadas ontem na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara ; apontam que o país, além de fazer valer as garantias individuais, precisa fazer com que a Justiça chegue de maneira igual para todos. Violações do direito a terra, à educação, à moradia e ao trabalho digno atingem principalmente os mais pobres. De acordo com as entidades, o desrespeito que ocorre nessas áreas no Brasil pode ser comparado ao que ocorre em regiões que vivem guerras ou sofreram grandes catástrofes naturais. Um exemplo é o confronto entre policiais e traficantes em favelas cariocas, que impede o acesso de crianças e adolescentes à educação. Segundo os documentos, entre maio e julho de 2007, escolas e creches públicas do conjunto de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro tiveram suas atividades paralisadas e o aprendizado comprometido. Para os especialistas, é necessário que o sistema de educação local seja reconhecido como em ;situação de emergência;, como é feito em casos de grande gravidade social, como conflito armado. Rio Madeira No relatório que enfoca temas relacionados ao meio ambiente e à situação do homem do campo, uma parte dos documentos trata do impacto causado nas populações ribeirinhas, na fauna e flora pela implantação das usinas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, em Rondônia. ;Não se fala sobre como vão ficar as condições de pesca, nem sobre os riscos de doenças como malária;, observa a ambientalista Marijane Lisboa. Para ela, projetos de grandes obras devem ser discutidos com toda a sociedade e não apenas com a comunidade a ser atingida. Isso porque, em alguns casos, as pessoas não têm como avaliar as conseqüências do empreendimento. Marijane lembra que o mesmo ocorre com o avanço da monocultura, que tem sido, segundo ela, nocivo para o meio ambiente e trabalhadores rurais. ;O que mais me impressiona é que o modelo de desenvolvimento adotado pelo país é estimulado pelo governo atual;, observa. Há denúncias também sobre más condições de trabalho. Um dos relatórios aponta que, nos canaviais de Ribeirão Preto (SP), as metas de produtividade fixadas pelas empresas da região contribuíram para a morte por exaustão de 20 trabalhadores. A pesquisa concluiu que as condições de trabalho levaram os agricultores ao limite físico para conseguir aumentar a remuneração. ;Eles faziam uma jornada de mais de 12 horas e recebiam R$ 2,80 por tonelada de cana-de-açúcar cortada. Alguns chegavam a cortar 12 toneladas. Registros históricos mostram que os escravos cortavam duas toneladas;, destaca Cândida da Costa, relatora nacional para o direito humano ao trabalho. Na conclusão, o documento recomenda a revisão nas formas de pagamento dos agricultores, elaboração de uma lista suja de empresas irregulares, além da elaboração de uma legislação que combata a morte por exaustão no trabalho. ;O Japão tem lei para tratar o problema que atinge os executivos daquele país;, explica Cândida. Os pesquisadores lembram que, apesar de pontuais, casos semelhantes aos constatados pela Plataforma Dhesca são comuns em todo o país.

Ouça podcasts: com Vincent Defourny e Marijane Lisboa