Jornal Correio Braziliense

Brasil

Educação na rota das balas

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Um documento elaborado por 60 entidades não-governamentais, entregue ontem a autoridades fluminenses, aponta violações graves do direito à educação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Não bastasse ter Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,711, o mais baixo do município, expectativa de vida de 64,8 anos ; inferior ao patamar nacional de 72 ; e 29% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, o conjunto de 12 favelas sofre com a falta de escolas. Nessas comunidades, 40% dos jovens de até 17 anos não estudam ; índice que, no Brasil, levando em conta a mesma faixa etária, não chega a 20%. Um dos maiores problemas, de acordo com o relatório, é a violência que assola a região. A elaboração do relatório foi motivada pela ocupação policial no Complexo do Alemão entre maio e junho do ano passado, que deixou um saldo de 19 civis mortos e 78 feridos. Com base em denúncias de que escolas da região ficaram fechadas por conta da ação do Estado, a Relatoria Nacional pelo Direito à Educação, grupo de entidades que fazem um trabalho semelhante ao da Organização das Nações Unidas, só que internamente, decidiu entrar nas comunidades para buscar mais dados. ;Verificamos que os problemas, como encerramento de aulas por causa de tiroteios, não se restringem aos períodos de ocupação da polícia. Isso é permanente nas comunidades;, destaca Denise Carreira, relatora pelo direito à educação. De 8 a 11 de outubro de 2007, o grupo visitou escolas da região, conversou com moradores, professores e lideranças comunitárias. Em seguida, houve reuniões e audiências públicas com autoridades da área educacional do município do Rio. Os problemas estruturais, existentes em boa parte da rede pública de ensino do país, repetem-se nos morros ; faltam professores de química, matemática e física; eles recebem baixos salários; as escolas são precárias. Mas, além das deficiências costumeiras, há a violência, que afasta os meninos e meninas do Complexo do Alemão das salas de aula. ;As operações policiais, muito freqüentes dentro dessa lógica de segurança pública do atual governo, não respeitam os horários dos colégios;, reclama Ricardo Lessa, coordenador da organização Raízes em Movimento, que atua há sete anos no conglomerado de favelas. O relatório chama atenção para casos estarrecedores de violação do direito à educação, como o do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Brandão Monteiro que, entre as oito escolas e creches municipais fechadas na época da ocupação policial, permaneceu quatro meses sem abrir as portas. Nas demais instituições, as atividades foram retomadas cerca de 28 dias depois. Mas, por medo, muitas famílias não permitiram que seus filhos fossem ao colégio. O caso de Karen Cristina Baptista Borges, 20 anos, baleada de raspão na perna dentro de uma sala de aula durante o conflito, aterrorizou pais e mães. No total, cerca de 5.750 estudantes ficaram prejudicados com a suspensão das aulas por conta da ação policial. Devido aos casos de violência dentro das escolas ; e também dos que, mesmo de fora, modificam a rotina educacional ;, o relatório entregue ontem a autoridades do Rio de Janeiro recomenda que a educação seja assumida em caráter de ;emergência;, nos mesmos moldes nos quais o direito é garantido em países em guerra. ;São requisitos mínimos que precisam ser cumpridos em situações de catástrofes naturais ou sociais. Nesse caso, vivemos uma catástrofe social, produzida pelo próprio homem, que é o conflito armado;, diz Denise. O documento será enviado à Organização das Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos (OEA).