Ícone do combate à violência contra a mulher, Maria da Penha Maia Fernandes faz um balanço positivo da lei que leva seu nome, mas critica a falta de articulação dos órgãos envolvidos para implementá-la integralmente. Além do número reduzido de juizados especializados, cuja criação é uma determinação da lei, a cearense de 63 anos lembra que a rede de apoio à mulher vítima de violência doméstica, tais como centros de referência e abrigos, ainda é escassa no país.
Maria da Penha recebeu recentemente uma indenização de R$ 60 mil do estado do Ceará pela demora em julgar o ex-marido, que tentou matá-la por duas vezes, no ano de 1983. Na primeira tentativa de assassinato, o colombiano naturalizado brasileiro Marco Antonio Herredia Viveros atirou em Maria da Penha enquanto ela dormia. Os disparos deixaram a bioquímica paraplégica. Depois que a então esposa se recuperou e voltou para casa de cadeira de rodas, Viveros tentou eletrocutá-la debaixo do chuveiro.
Viveros foi condenado, em 1996, a 10 anos e seis meses de reclusão, mas recorreu da sentença. Em razão da demora na punição, Maria da Penha levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que em 2001 manteve a sentença brasileira e fez pressão para que fosse cumprida. O marido ficou dois anos preso. E Maria da Penha fez da própria tragédia uma bandeira na luta pelo combate à violência doméstica.
Qual balanço a senhora faz dos dois anos de lei?
Acho que tivemos um avanço na percepção das próprias mulheres, que agora se sentem amparadas para denunciar. Infelizmente, precisamos que os órgãos envolvidos no problema da violência doméstica tenham um comprometimento maior para que toda a rede de proteção à mulher prevista seja implementada.
A senhora se refere aos juizados especiais, que ainda são escassos no país?
Também. Vemos que são poucos os estados que têm dado atenção a isso. Alguns se destacam, como o Mato Grosso. Mas aqui no Ceará, um local extremamente problemático, temos apenas dois. Precisamos também de delegacias, defensorias, abrigos.
Há uma resistência de delegados, juízes, entre outras autoridades, em aplicar a lei?
Com certeza. Tem se tornado cada vez mais necessária a capacitação no país de todas as entidades envolvidas no problema. Mas não é só treinar. Temos também que mudar a cultura. Prova disso é que uma das recomendações da Organização dos Estados Americanos é incluir nos currículos escolares a questão do machismo.