Jornal Correio Braziliense

Brasil

Poucos avanços nos asilos brasileiros

Levantamento do Ipea sobre asilos brasileiros revela melhorias em uma área tradicionalmente precária no país. Dificuldades ainda existentes, porém, fazem com que apenas 0,8% dos idosos estejam abrigados

O quarto tem três camas, um guarda-roupas, uma televisão e banheiro. Varanda para banho de sol, refeitório e área de festas também fazem parte da casa onde Carmelita Montalban Saravia mora. A senhora de 83 anos, nascida no Peru e moradora do Distrito Federal desde o final da década de 50, desfruta ainda da companhia de idosos como ela durante a semana. Sábados e domingos, entretanto, são dias de ficar em família, nas casas dos quatro filhos. ;Minhas meninas me mandam para o cabeleireiro, manicure;, conta, mostrando as unhas pintadas. Tanta satisfação constrasta com a idéia de solidão, maus-tratos e abandono sempre relacionados à vida dentro de um asilo, onde Carmelita reside há pouco mais de um ano.

A verdade é que são poucos os brasileiros que se arriscam a internar os pais em instituições como essa. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os abrigados representam apenas 0,8% da população de idosos do país ; atualmente em torno de 17 milhões de pessoas. O dado, de acordo com a pesquisadora Ana Amélia Camarano, autora do estudo, revela o preconceito que a sociedade e os próprios usuários têm em relação às instituições.

;Na Noruega, o índice de residentes chega a 15%. É uma questão cultural, reforçada pelos serviços muitas vezes de baixa qualidade. Sabemos que há estabelecimentos problemáticos, mas não se pode generalizar;, destaca. Finalizado até agora para as regiões Norte, Centro-Oeste e Sul, o levantamento apontou avanços, como atendimento médico em mais de 75% dos estabelecimentos, mas também fragilidades, a exemplo da dependência de recursos do governo.

Pelo retrato traçado no estudo, intitulado Condições de Funcionamento e Infra-Estrutura das Instituições de Longa Permanência no Brasil, há 249 asilos no Centro-Oeste, 49 no Norte e 693 no Sul. Somente nessa última região, a proporção de mulheres é maior que a dos homens, embora a maioria feminina seja o padrão internacional. Um terço dos internos em asilos do país, segundo a pesquisa, são considerados dependentes, pois não conseguem fazer as atividades básicas da vida diária, como comer e tomar banho.

O índice de semidependentes, que têm nível mediano de autonomia, vai de 20% a 40%. Independentes representam cerca de 40% dos idosos dentro de asilos. Antônio Theodoro Mendes não abre mão de mostrar o movimento nos pés e mãos. Apesar de os membros direitos ainda estarem debilitados, por conta de um acidente vascular cerebral (AVC), o mineiro de 68 anos, que chegou a um asilo do Distrito Federal em cadeira de rodas, hoje se locomove com um aparelho, chamado de andador. ;Se precisar correr, a gente corre;, brinca Antônio. Ele decidiu morar na instituição por conta própria. ;Na casa dos parentes, eu só ia dar trabalho. Então procurei um local onde eu pudesse ficar e pagar com o meu dinheiro. Mas meus irmãos sempre vêm aqui, eu vou na casa deles;, conta Antônio, que era barbeiro antes de adoecer.

Abandono
Histórias como essas, entretanto, ainda são raras. Apesar de a pesquisa do Ipea não se debruçar sobre a existência de vínculos familiares por parte dos residentes de asilos, especialistas dizem que a maioria dos internos convive com o abandono. ;Temos uma média de quatro visitas aos sábados e domingos;, diz Nivaldo Torres, responsável técnico do Lar Maria de Madalena, no Núcleo Bandeirante, que atende 150 idosos. Maria José Ferreira está entre tantos senhores e senhoras que nunca receberam uma visita.

Ela teve oito filhos, dos quais cinco estão vivos. ;Cada um vai para o seu lado, cuidar da sua vida, é assim mesmo;, diz Maria José, 65 anos, sem mostrar rancor. O envolvimento da família, de acordo com Ana Amélia, é positivo, até para efeitos de fiscalização do local. ;Sabemos que as condições têm melhorado, mas sempre há estabelecimentos inadequados;, destaca.

Não há levantamento preciso sobre o número de asilos interditados no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma inspeção realizada há cinco anos por parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em vários estados encontrou situações assustadoras. Desde então, uma norma da Anvisa, determinando condições mínimas para funcionamento, tenta elevar o nível dos estabelecimentos. Os efeitos estão aparecendo. Segundo a pesquisa, mais de 70% das instituições contam com pelo menos refeitório, sala de TV e jardim.

"Na Noruega, o índice de residentes chega a 15%. É uma questão cultural, reforçada pelos serviços muitas vezes de baixa qualidade. Sabemos que há estabelecimentos problemáticos, mas não se pode generalizar"
Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea

Dependentes do governo

Mais da metade dos asilos pesquisados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) são filantrópicos e privados. Apesar de cobrarem dos residentes ou das famílias uma taxa, não conseguem, na maioria das vezes, sobreviver sem ajuda do governo. As diferenças regionais são gritantes.

No Norte e Centro-Oeste, cerca de 55% do financiamento dos estabelecimentos vêm de recursos públicos. O Sul não é tão dependente, com apenas 15% de dinheiro do governo no orçamento. A explicação está no tipo de funcionamento. Lá, quase 50% das instituições são privadas com fins lucrativos. Para se ter uma idéia, as mensalidades pagas pelos internos representam, no Rio Grande do Sul, 67% dos recursos arrecadados pelas instituições.

;Precisamos sair do viés assistencialista que reinava até há pouco tempo para entrar numa gestão mais profissional. No Brasil, infelizmente, a maioria dos asilos ainda é filantrópica e não tem condições de oferecer atendimento de qualidade;, lamenta Jurilza Mendonça, assistente técnica da Secretaria Especial de Direitos Humanos na área do idoso.

Para Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea, o quadro está mudando aos poucos. ;De 2002, quando houve a Caravana dos Idosos e conseguimos identificar estabelecimentos que eram verdadeiros depósitos de velhos, para cá, tivemos avanços significativos;, diz.

A pesquisadora acredita que a visão da sociedade em relação aos asilos precisa mudar. ;A família que deixa seu idoso é vilanizada, mas alguém perguntou se ela pode cuidar daquele ente? Não defendemos o abandono nem a falta de contato, mas precisamos rever essa mentalidade;, afirma. No Japão, segundo Ana Amélia, a partir de 40 anos as pessoas podem ter descontado do contracheque uma taxa referente à permanência, no futuro, em asilos.

Outra opção que poderia ser utilizada é chamada de hipoteca ao inverso. ;O idoso deixa a casa para a instituição e permanece lá. Quando morre, o imóvel é vendido para pagar os custos. Se sobrar dinheiro, os filhos recebem a diferença. Se faltar, os filhos pagam;, explica. (RM)