Jornal Correio Braziliense

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Vigias irregulares e milícias loteiam segurança de ruas e favelas do Rio de Janeiro

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No início, eles eram vistos como justiceiros, que acabavam com a criminalidade e o tráfico de drogas nas favelas e áreas pobres da cidade do Rio, garantindo paz e tranqüilidade para a população, mas, nos últimos tempos, viraram um problema de segurança pública de grande preocupação para as autoridades fluminenses. As milícias, grupos paramilitares que atuam em favelas e áreas do subúrbio, já dominam diversas áreas da capital fluminense, principalmente nas zonas oeste e norte. Formadas em grande parte por policiais e ex-policiais, controlam regiões antes dominadas por traficantes de drogas e, pela força das armas, se impõem aos moradores com o discurso de garantir a segurança da comunidade. A forma de atuação de tais grupos costuma seguir padrões como a cobrança de taxas de moradores e comerciantes para garantir a segurança local e a exploração de serviços irregulares, como TV a cabo clandestina. Alguns grupos também exploram serviços de transporte alternativo, principalmente na zona oeste da cidade. Na comunidade Santa Margarida, na zona oeste, por exemplo, os moradores têm que pagar taxa mensal de R$ 10 para a milícia de policiais que controla a área, como conta uma moradora, que pediu para não ser identificada, por questões de segurança. Segundo a mulher, o pagamento é obrigatório para que o grupo garanta a tranqüilidade no local. "Se, em algum mês, você deixa de pagar por qualquer motivo, eles anotam seu nome. Eles intimidam a gente," alerta a moradora. A moradora da comunidade Santa Margarida destaca que a presença da milícia traz uma certa sensação de segurança, já que tais grupos afastam traficantes de drogas e outros criminosos da região. Apesar disso, não há tranqüilidade total, porque, segundo ela, nunca se sabe o que os próprios milicianos podem fazer aos moradores. Tortura Em maio, uma equipe do jornal O Dia infiltrou-se na favela do Batan, na zona oeste, para fazer uma reportagem sobre a milícia que controla a área. Depois de 15 dias disfarçados, a repórter, o fotógrafo e o motorista do jornal foram descobertos pelos criminosos e torturados por várias horas. O caso foi divulgado sábado passado(31/05), pelo próprio jornal. O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, informou que investiga as milícias desde que assumiu o cargo, no início do ano passado, e que está confirmada a participação de policiais nesses grupos. Segundo ele, o trabalho de investigação é demorado e necessita de muitas provas Apesar disso, alguns resultados positivos foram sentidos nesse período, já que, de acordo com Beltrame, no início de sua gestão havia 122 grupos de milicianos em ação em toda a cidade e que hoje eles são "bem menos de 100". As investigações policiais também apontam a possível participação de políticos nas milícias. Em abril deste ano, o Ministério Público Estadual ofereceu uma denúncia Justiça contra o deputado estadual Natalino José Guimarães e seu irmão, o vereador Jerominho. Os dois são acusados de integrar uma milícia chamada de Liga da Justiça, que atua na zona oeste do Rio de Janeiro. De acordo com a denúncia do procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, o grupo exigiria dinheiro de motoristas de vans, comerciantes e moradores dos bairros de Campo Grande, Guaratiba, Cosmos, Paciência e Santa Cruz, em troca de segurança contra a ação de criminosos. Conforme as investigações da Polícia Civil que deram origem denúncia, apesar de supostamente dar proteção aos moradores, a Liga da Justiça seria responsável por diversos crimes como assassinatos, mobilização de grupos de extermínio, tortura, ameaças, lesões corporais e tráfico de armas, além de tráfico de drogas e exploração de máquinas caça-níqueis. Jerominho foi preso, mas Natalino, por ter imunidade parlamentar está respondendo ao processo em liberdade. Em depoimento na Justiça, no início de maio, os dois negaram todas as acusações contra eles. Vigilantes irregulares As milícias são apenas o lado mais radical da segurança privada clandestina encontrada na cidade do Rio de Janeiro. Em bairros de classe média da cidade, onde não há milícias, é comum encontrar vigilantes de rua. Atuando de forma irregular, eles pedem contribuições aos moradores em troca de proteção nas ruas, principalmente à noite. Na área limítrofe entre os bairros da Tijuca, Maracanã e Vila Isabel, na zona norte da cidade, por exemplo, cada rua tem um vigilante particular. Seu material de trabalho, muitas vezes, se reduz a um colete com a inscrição apoio. Em alguns prédios dessa região, cada morador é obrigado a pagar uma taxa de segurança de R$ 30, que vem embutida no próprio valor do condomínio. O pagamento serve para evitar que o prédio fique marcado como um local não vigiado pelo segurança de rua. Esses guardas noturnos surgiram de uma informalidade, assim como os flanelinhas, e vão privatizando os espaços públicos, que são as ruas e praças, e cobrando dos moradores uma taxa para instituir sua segurança. "Isso é totalmente informal", disse o coordenador de Controle da Segurança Privada da Polícia Federal, delegado Adelar Anderle. De acordo com estimativa da Polícia Federal, existem hoje em todo o Brasil cerca de 1,5 milhão de vigilantes atuando de forma clandestina.