O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, reagiu com dureza às críticas do relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) sobre Execuções Arbitrárias, o australiano Philip Alston, e exigiu que ele prove que a cúpula da polícia do Rio é corrupta, como informou em relatório entregue em Genebra, na Suíça. ;Eu sou da cúpula e quero que ele prove que eu sou corrupto;, desafiou Beltrame. No relatório, Alston diz que a estratégia de confrontos do governo do estado ;falhou totalmente de todos os pontos de vista; e que as operações nas favelas, como a ocorrida no Complexo do Alemão em junho de 2007, na qual 19 pessoas foram mortas, não passam de ;fogos de artifícios e mortes;.
;Não posso aceitar que uma pessoa saia da Austrália, uma pessoa que nem espanhol fala, venha aqui quatro dias e faça um relatório míope e descolado da realidade carioca. Eu aceito um relatório da sociedade carioca e não aceito um relatório dessas pessoas;, irritou-se Beltrame, que acabara de comemorar a apreensão de 2,5 toneladas de maconha e 30kg de cocaína durante uma operação realizada na Favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio. Na operação, que envolveu 200 homens de diversas delegacias especializadas, com apoio das polícias Federal e Militar, foi descoberto um laboratório de refino de cocaína. Seis pessoas foram presas. Até uma espada samurai foi encontrada.
Já são quase 12 toneladas de maconha apreendidas pela polícia fluminense nos últimos 40 dias. ;Estamos combatendo o tráfico na sua estrutura financeira. A polícia não vai desistir;, ressaltou o secretário.
O relatório
A ONU acusa a polícia do Rio de Janeiro de matar em média três pessoas por dia e de fazer parte cada vez mais do crime organizado. As conclusões de Alston foram apresentadas ontem, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O encontro termina nesta terça (03/06) , com as respostas do Itamaraty e comentários de outros países. O governo já indicou que irá contestar por escrito alguns dados apresentados pelo relator. ;A polícia fracassou em reconquistar as favelas das mãos das gangues. A estratégia baseada em mortes extrajudiciárias com a aprovação do Estado fracassou tremendamente;, alertou Alston aos membros da ONU.
O relator visitou o Rio em novembro do ano passado e não foi recebido pelo governador Sérgio Cabral Filho (PMDB). No documento produzido como resultado da visita, apontou que desde então a situação está cada vez mais grave. Segundo Alston, as medidas do governo estadual do Rio de Janeiro em 2007 geraram um aumento no número de mortes pela polícia, mas uma redução na apreensão de drogas e de armas nas favelas.
Para ilustrar como o governo fluminense fracassou, Alston apresentou a embaixadores de todo o mundo dados que ele considera como alarmantes. As mortes pela polícia aumentaram em 25% entre 2006 e 2007 e as forças de ordem seriam responsáveis por 18% dos crimes de morte no Estado, classificando-os como autos de resistência. ;Isso dá um cheque em branco aos policiais e total impunidade;, disse.
Já os resultados seriam decepcionantes. ;O aumento dramático de mortes foi acompanhado por uma redução de 5,7% na apreensão de drogas, queda de 16,9% no confisco de armas e de 13,2% nas prisões;, alertou. ;Em outras palavras, os cidadãos do Rio estão menos seguros e inocentes estão sendo feridos e mortos pela polícia;, afirmou.
A reação brasileira
O governo, que nesta terça (03/06) se posicionará sobre o relatório, deverá contestar por escrito os números apresentados por Alston. ;Achamos que há alguns dados que precisam ser verificados;, explicou Márcia Adorno, chefe do Departamento de Direitos Humanos do Itamaraty. Em seu discurso, o governo irá ressaltar o que vem fazendo. ;Achamos que o relatório não enfatiza os aspectos positivos das políticas que estamos tomando;, afirmou Márcia. Mas o governo não irá negar que os problemas de violência existem no Rio.
O governo ainda conta com partes do relatório mantidas em confidencialidade, mas afirma que por enquanto não o divulgará. Para Alston, o governo federal poderia até ficar feliz com as conclusões do relatório, já que as críticas seriam dirigidas muito mais aos estados. ;O governo federal está de mãos atadas;, atacou. Para Márcia, ;isso é algo exagerado;. Alston quer também uma resposta do governo do Rio de Janeiro. ;Espero que seja algo com conteúdo e não apenas que rejeitem os dados;, disse. A ONU pediu medidas urgentes do governo. Entre elas está a reforma do sistema judiciário para poder julgar policiais, além de maiores salários aos policiais para que não caiam em esquemas de corrupção. Alston ainda sugere uma ampla investigação na atuação das polícias, e monitoramento das prisões e maiores recursos para os Ministérios Públicos.