Jornal Correio Braziliense

Brasil

Pesquisa com células-tronco é aprovada sem restrições

A esperança venceu. O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 6 a 5, liberar as pesquisas com material genético extraído de embriões. Agora, cientistas buscam verbas

Os cientistas brasileiros já estão autorizados a retomar as pesquisas com células-tronco de embriões humanos ; as experiências alimentam a esperança de que sejam encontradas, por exemplo, curas de doenças degenerativas. Em decisão histórica concluída ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), depois de três sessões polêmicas, o artigo 5; da Lei de Biossegurança, que regula a manipulação de material genético, foi considerado constitucional e a ação impetrada em 2005 pela Procuradoria-Geral da República para barrar as pesquisas foi rejeitada por 6 a 5. A próxima luta dos cientistas, que saíram satisfeitíssimos com a decisão ; e a rejeição de qualquer restrição para os estudos ;, será conseguir, agora, mais verbas para que as pesquisas deslanchem.

A primeira batalha será obter crédito extraordinário para o Orçamento Geral da União ainda este ano e uma verba mais robusta na lei orçamentária de 2009. ;Após a legitimação dos estudos, agora vamos buscar mais recursos para as pesquisas;, resume Stevens Rehen, especialista que trabalha na tentativa de criar neurônios a partir de células-tronco embrionárias. Mas os contrários à manipulação de embriões se preparam para recomeçar a guerra no Congresso, por meio de uma proposta de emenda constitucional para determinar que o direito à vida começa na concepção ; tradicional visão religiosa

Desde 2005 o governo federal já destinou R$ 24 milhões para instituições públicas e privadas de pesquisa. Desse total, 90% foram repassados para financiamento de pesquisas com células-tronco adultas e uma pequena parte para os projetos que previam o aproveitamento de embriões congelados há mais de três anos pelas clínicas de fertilização assistida. Os cientistas querem, no mínimo, metade dos recursos do Tesouro Nacional para os estudos específicos com células-tronco de embriões humanos. A lei orçamentária já aprovada destinou para o biênio 2008/2009 R$ 140 milhões para todos os tipos de estudos científicos na área de saúde.

Garantia
Os motivos da comemoração dos cientistas vão além da questão financeira. A certeza de que os estudos já iniciados com células de embriões humanos não serão interrompidos é uma garantia a mais para os pesquisadores. Além disso, a decisão do STF reduzirá, segundo os pesquisadores, a atual dependência do Brasil dos recursos genéticos importados. Todas as linhagens de células-tronco embrionárias cultivadas atualmente no país são importadas. ;É importante derivarmos linhagens brasileiras para conhecer como elas crescem, se comportam e podem ser usadas para terapias;, diz Rehen.

Um balanço do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) mostra que no Brasil existem apenas seis pesquisas com células-tronco de embriões em andamento. Mas esses dados são imprecisos, porque muitos laboratórios pediram autorização a comitês de ética estaduais para a realização de pesquisas e esstes dados ainda não constam dos registros no Ministério da Saúde. De 113 projetos com células-tronco analisados até março de 2008 pelo conselho, 66 foram aprovados. Desses, nenhum prevê utilização de embriões. O único apresentado ao Conep que pretendia trabalhar nessa linha de pesquisa não atendeu as exigências do órgão.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, comemorou a decisão do STF. Segundo ele, a medida representa esperança para o tratamento de doenças que não possuem cura atualmente. ;É uma vitória da vida, pois atende à expectativa de milhares de pacientes que têm esperança de cura para suas doenças. O resultado permite à ciência brasileira assumir uma nova posição no cenário internacional;, afirmou.

Animais
A geneticista Mayana Zatz, da USP, acredita no crescimento desses estudos a partir de agora. ;Esse campo ainda é recente, começamos a estudá-lo há três anos. Por isso, não há muitos grupos fazendo, porque havia o temor de que a lei fosse considerada inconstitucional;, explicou a especialista. Os cientistas ainda tentam entender como essas células retiradas de embriões se diferenciam. Ainda não há registros, entretanto, de qualquer resultado concreto em humanos. Em animais, foram observadas evoluções importantes. Rehen, que aplica células-tronco embrionárias humanas em camundongos com Parkinson, mantém-se otimista. ;Não dá para garantir, mas em animais os resultados têm sido promissores;, diz.

No caso das células-tronco adultas, manipuladas desde a década de 1960 no mundo, o Brasil tem pesquisas adiantadas. São mais de 60 estudos em andamento. O mais promissor, já em fase clínica, foi feito no Instituto Nacional de Cardiologia, no Rio de Janeiro. Iniciado há dois anos e meio, com recursos federais de R$ 13 milhões, o Estudo Multicêntrico Randomizado em Terapia Celular em Cardiopatias é desenvolvido em vários estados e incluiu, até agora, 400 pacientes com doenças coronarianas.


Primeira linhagem brasileira próxima
O Brasil pode ter, até o fim do ano, sua primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas. A previsão é da chefe do Laboratório de Genética da Universidade de São Paulo (USP), Lygia da Veiga Pereira. Linhagem é uma população de células-tronco embrionárias capazes de replicação in vitro, oriundas das células obtidas de um único embrião. ;Já estamos trabalhando nessa pesquisa há cerca de dois anos;, afirma Lygia. ;Esperamos concluí-la até dezembro.; Por enquanto, 17 países possuem suas próprias linhagens.

Atualmente, os pesquisadores brasileiros utilizam matrizes estrangeiras, especialmente norte-americanas, para desenvolver suas pesquisas. Lygia explica que a principal vantagem de uma linhagem nacional é a autonomia conquistada pela comunidade científica. ;Se as linhagens utilizadas no país forem consideradas impróprias para uma determinada pesquisa, não importaremos. Criaremos novas linhagens;, aponta.

Lygia teve um projeto de pesquisa aprovado no processo seletivo definido pelo edital conjunto do Ministério da Saúde e do Ministério da Ciência e Tecnologia, de abril de 2005. Recebeu R$ 250 mil e a incumbência de desenvolver uma tecnologia nacional para produzir linhagens brasileiras de células-tronco. ;Mesmo com a incerteza gerada pela ação direta de inconstitucionalidade, o governo federal decidiu investir nessas pesquisas;, afirma. Os ministérios desejam que a pesquisadora divulgue para outros cientistas brasileiros o conhecimento adquirido no seu laboratório sobre a criação de linhagens de células-tronco embrionárias humanas.

A geneticista espera que, com o fim da insegurança jurídica, a iniciativa privada também comece a investir nas pesquisas. Afirma, no entanto, que nenhuma empresa manifestou interesse até agora. Outros pesquisadores não esperaram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O biólogo Stevens Rehen, do Laboratório de Neurogênese e Diferenciação Celular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), recebeu R$ 200 mil do governo federal para pesquisas relacionadas à produção de neurônios. ;Já realizamos testes aplicando neurônios obtidos a partir de células-tronco embrionárias humanas em camundongos com Parkinson e com lesões na medula;, afirma.

Células cardíacas
Antonio Carlos de Carvalho, pesquisador do Instituto Nacional de Cardiologia (INC) no Rio, tem utilizado células-tronco embrionárias humanas para produzir células cardíacas. Pesquisadora do Instituto do Coração (Incor) em São Paulo, Deborah Schechtman afirma que tem adotado a mesma linha de pesquisa com cobaias. ;Agora, vamos para a fase da pesquisa com células-tronco embrionárias humanas;, afirma. O governo federal pretende investir R$ 21 milhões no estudo de terapias celulares entre 2008 e 2009, sendo R$ 11 milhões para pesquisas com células-tronco. ;Não há nada, nenhum recurso definido;, diz Hans Dohmann, diretor-geral do INC, sobre o percentual da verba que poderia ser destinado ao estudo com embriões.


Investimentos
R$ 11 milhões
deverão ser gastos pelo governo federal em pesquisas com
células-tronco (adultas e embrionárias) até 2009

R$ 250 mil
foi o valor recebido por Lygia da Veiga Pereira para criar uma linhagem de células-tronco embrionárias

R$ 200 mil
foi o quanto recebeu o biólogo Stevens Rehen para pesquisar possível produção de neurônios


Alívio e expectativa
;É uma vitória da vida, pois atende à expectativa de milhares de pacientes que têm esperança de cura para as suas doenças;
José Gomes Temporão, ministro da Saúde

;Esse campo ainda é recente, começamos a estudá-lo há três anos. Por isso, não há muitos grupos fazendo porque havia o temor de que a lei fosse considerada inconstitucional;
Mayana Zatz, geneticista da Universidade de São Paulo

;Não dá para garantir, mas em animais os resultados têm sido promissores;
Stevens Rehen, presidente da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento