A morte de Isabella nos atingiu em cheio. Algo assim nunca passa em brancas nuvens. Entretanto, o clamor público também tem sido destaque. Pessoas mudaram sua rotina para acompanhar o caso e passaram a agir de forma irracional. O que fomenta tanto interesse? Há quem culpe a exaustiva cobertura. Também há quem pense que a imprensa tem nos dado o que desejamos. Mas outras considerações podem ser feitas.
É fato que nos preocupamos com nossa finitude e, ao sabermos que alguém não-próximo morreu, a pergunta "De quê?" é inevitável. Parece que tentamos nos preparar para uma situação para a qual poucos estão prontos. Vivenciar a morte de um estranho nos ajudaria a lidar com a idéia do nosso fim. E, se houve um crime, além da curiosidade, surgem tristeza e raiva, que nos aproximam de outras pessoas também afetadas e estimulam o interesse, o clamor por justiça.
O caso de Isabella é mais complexo. Podemos até suportar homicídios, mas não o assassínio de criança, que tenha como suspeito alguém da família. Somos tomados pelo horror, pela urgência em saber se as suspeitas se confirmam. Em caso negativo, haverá um certo alívio; em caso positivo, uma sensação de fim do mundo.
E, como se não bastasse, estão envolvidas pessoas que são como a maioria de nós ; de classe média, que se reúnem em família, vão a supermercado, têm carro, casa e curso superior. Nada a ver com barbáries cometidas em favelas longínquas, por gente sem instrução, com as quais lidamos como se elas habitassem outro planeta.
É assustador. Já se fala que, no Brasil, a cada minuto, uma criança ou adolescente é vítima de violência doméstica e que, em média, duas crianças são mortas, por dia, por seus cuidadores. Se esses crimes tivessem tanta repercussão, será que suportaríamos sem um colapso nervoso ou o risco de terminarmos nos acostumando a ponto de nos tornarmos indiferentes?
Será que não é menos doloroso eleger, de tempo em tempo, um símbolo, como fizemos com João Hélio há um ano e agora com Isabella, para que possamos nos chafurdar na dor por todos os absurdos que acontecem diariamente? Ou será que tanta ânsia não tem origem na face sombria de nossa personalidade, na porção ignorante que ainda existe em cada um de nós e que pode até nos levar a matar sem piedade?