Cinema

Ainda estou aqui: filme brasileiro entra em rede de apostas para o Oscar

Ainda estou aqui, filme de Walter Salles, entra numa rede de apostas que pode consagrar até mesmo a atriz Fernanda Torres, em escalada rumo ao prêmio mais badalado do cinema

Repeteco na parceria: Fernanda Montenegro e o diretor Walter Salles -  (crédito:  Videofilmes/Divulgação)
Repeteco na parceria: Fernanda Montenegro e o diretor Walter Salles - (crédito: Videofilmes/Divulgação)

"Não tenho dúvida de que o filme Ainda estou aqui tem grandes chances de colocar o Brasil de novo entre os melhores do mundo", declarou Bárbara Paz, à frente da comissão da Academia Brasileira de Cinema que definiu, entre 11 títulos qualificados, a representação do longa nacional dirigido por Walter Salles na lista dos futuros títulos estrangeiros a disputar a vaga de melhor filme internacional, em 2025. O longa estrelado por Selton Mello e Fernanda Torres terá distribuição pela Sony Pictures, e chegará às telas em 7 de novembro, no Brasil. Até 17 de dezembro, quando será divulgada a primeira lista de pré-candidatos oficiais ao Oscar, a expectativa paira.

Selecionado para o Festival de Nova York, na mostra Spotlight, em outubro, o filme entrou para o segmento dos títulos "mais relevantes da temporada". A sinopse estrangeira atenta para a determinação contra a injustiça de uma família que, em 1971, viu o ex-deputado e ativista Rubens Paiva ser levado de casa no Rio de Janeiro por representantes da ditadura militar, a título de apresentar " testemunho" diante das chamadas autoridades. Vale a lembrança da recente projeção internacional do longa, no Festival de Veneza, vitorioso na categoria de melhor roteiro (Murilo Hauser e Heitor Lorega), criado a partir de livro do filho de Paiva, o escritor Marcelo Rubens Paiva (autor ainda de outro best-seller, Feliz ano velho).

Na 81ª edição do festival italiano, no começo deste mês, o longa ainda faturou o prêmio Signs, por meio de votação de associação internacional ecumênica que exalta o cinema humanista e o Green Drop, que exalta filmes com vocação para sensibilizar "gerações futuras". Nome associado à instituição da Comissão da Verdade no Brasil, Rubens Paiva, em 1996, foi oficialmente dado como morto, a partir da instituição da Lei dos Desaparecidos (no governo de Fernando Henrique Cardoso).

Já exibido em festivais de cinema em Toronto (Canadá) e em San Sebastián (em curso, na Espanha), o filme de Walter Salles conquistou ampla repercussão no ciclo internacional de cinema que pode chegar à festa do cinema mundial em 2 de março, caso esteja entre os finalistas que terão divulgação em 17 de janeiro. A circulação por meio da Sony Pictures Classics, promotora de filmes estrangeiros ou de festejados realizadores norte-americanos, em grupo que traz os recorrentes indicados ao Oscar Pedro Almodóvar, Michael Haneke, Woody Allen, Pablo Larraín e Paul Verhoeven, reflete a latente promoção da fita.

Morta em 2018, a viúva do deputado, Eunice, promete ser o coração do longa de Walter Salles, sob a comentadíssima atuação de Fernanda Torres. Já retratada no cinema, por Eva Wilma, em Feliz ano velho (1988), Eunice, por décadas, buscou esclarecimento de fatos. Tendo sido citada, no exterior, pela personificação da "alquebrada" figura da mãe de Marcelo Rubens Paiva, Fernanda Torres conta com a soma de "uma comovente aparição" de Fernanda Montenegro no filme. Publicações vitais ao ciclo de cinema, como Variety, Deadline e Time Out, rasgaram elogios para a atuação de Fernanda Torres, enquanto artigos no Los Angeles Times e na Hollywood Reporter trataram da estrondosa receptividade da fita fora do Brasil.

Num retrospecto, é impossível não associar a atual conjuntura de sucesso de Ainda estou aqui com a de Central do Brasil (também de Walter Salles), em 1999, ano em que além de finalista ao título de melhor filme estrangeiro, ainda celebrou a presença da magistral Fernanda Montenegro, no Oscar, depois de o filme faturar o Globo de Ouro. Em Berlim, Central obteve os prêmios Urso de Ouro (melhor filme) e de Prata (para a atriz). Seria raro, mas, desde já, os brasileiros podem torcer por simultâneas indicações a melhor atriz e melhor coadjuvante para as Fernandas. Seria o segundo caso do Oscar, que, há 33 anos, viu Diane Ladd e Laura Dern, mãe e filha (na vida real), disputarem prêmios nesta condição.

Uma verdadeira grife em termos de cinema nacional e de reconhecimento no exterior, a trajetória de Walter Salles encerra circuitos em festivais expressivos como Veneza, Cannes e Berlim. Com Diários de motocicleta (2005), ele competiu em Cannes, além de ter vencido o importante prêmio inglês Bafta; Abril despedaçado, em 2002, esteve na vitrine de Veneza — isso tudo, num painel de prestígio que incluiu o circuito de Cannes para o filme Na estrada (2012), baseado em clássico literário de Jack Kerauc, e também para o longa Linha de passe (2008), filme codirigido por Daniela Thomas, e que rendeu à atriz Sandra Corveloni o prêmio de melhor intérprete.

Na lista dos mais de 20 profissionais que selecionaram Ainda estou aqui como representante brasileiro para a comissão do Oscar, curiosamente estão Lucy Barreto (mãe dos antigos candidatos ao Oscar, além de irmãos, Bruno e Fábio Barreto) e a viúva do precursor do Cinema Novo Nelson Pereira dos Santos, Ivelise Ferreira, formada pela Universidade de Brasília. Na ampla representação feminina, diretoras politizadas deram as caras, entre as quais Sandra Kogut e Lô Politi.


Prêmio flerta com o Brasil

O gosto por genuíno Oscar para o Brasil atravessa décadas. Num dos mais recentes casos, O sal da terra, documentário vencedor em Cannes, trazia o diretor Juliano Salgado (ao lado de Wim Wenders na direção) na disputa pela estatueta. Também foram recentes, as participações com a animação O menino e o mundo (de Alê Abreu) e Democracia em vertigem (que competiu como documental, em 2020), dois anos depois da coprodução nacional Me chame pelo seu nome, com Timothé Chalamet, ter bom palanque dourado. Há 20 anos, o marco da participação nacional veio com Cidade de Deus, que rendeu pano pra manga (mas, sem prêmios) nas categorias de melhor direção (Fernando Meirelles), fotografia, roteiro adaptado e montagem.

Em 1944, o filme Brazil carregou indicação de Ary Barroso para a música Rio de Janeiro. Em 2012, a música de Rio, Real in Rio, deu visibilidade para Carlinhos Brown e Sergio Mendes. Uma virtual vitória veio com a coroação de Orfeu do carnaval (ou Orfeu negro), assinado pelo francês Marcel Camus. Em 1963, O pagador de promessas tangenciou o prêmio, num ano em que Brasília deu mote para o documentarista alemão Hugo Niebeling emplacar o concorrente Alvorada. Outros documentários ligados ao Brasil competiram em 1979 e 1981, caso de Raoni e El Salvador: Another victim.

Outro título documental, Lixo extraordinário (de Lucy Walker), em 2011, projetou o talento dos codiretores Karen Harley e João Jardim. O curta que versou sobre Pelé Uma história de futebol esteve os finalistas de 2000. O cineasta brasileiro Carlos Saldanha, em 2018, competiu pela animação O touro Ferdinando, 14 anos depois de levantar a possibilidade de Oscar com o curta A aventura perdida de Scrat. Nos anos 90, quando da excelente relação Brasil-Oscar, produtos verde-amarelo bateram na trave, como O quatrilho (de Fábio Barreto) e O que é isso, companheiro? (de Bruno Barreto).

 


  •  Cena do filme Ainda estou aqui: destaque absoluto para Fernanda Torres
    Cena do filme Ainda estou aqui: destaque absoluto para Fernanda Torres Foto: Videofilmes/Divulgação
  • Aplaudido em Veneza, Ainda estou aqui, com Selton Mello e Fernanda Torres no elenco, é dirigido por Walter Salles
    A comitiva do prestigiado filme, no Festival de Veneza Foto: Alberto PIZZOLI / AFP
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postado em 24/09/2024 06:30
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