Mais do que água e lama, as chuvas no Distrito Federal costumam trazer, também, companhias pouco afáveis: os escorpiões. Neste período, aumentam os registros desses aracnídeos em setores urbanos. Um balanço feito pela Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival), em 2020, computou 1.303 chamados de moradores que tiveram contato com o animal. Em 2021, houve uma queda no número de ocorrências, foram 921 até outubro. A redução, no entanto, não significa menor ameaça.
Rodrigo Basílio, professor de biologia do Colégio Objetivo, complementa que eles entram nas residências buscando alimentos. "Por causa do grande fluxo de águas nas galerias pluviais, que abrigam baratas, um dos principais alimentos desses artrópodes. Consequentemente, aumenta o seu grau de reprodução. Reparem que a quantidade de baratas também aumenta em períodos chuvosos e essas são um um dos principais alimentos dos escorpiões", relaciona.
A autônoma Raquel de Oliveira Rodovalho, 25 anos, moradora de Taguatinga, pode dizer que a espécie é "de casa". A jovem conta que, em sua residência, próxima ao Parque Ecológico Saburo Onoyama, encontrou escorpiões em mais de uma ocasião. A primeira foi em janeiro de 2021. "Eu fui pegar algo embaixo da pia, quando vi que tinha um lá", relata. O encontro marcante a deixou mais atenta. "Não sei por onde entraram. Olhei todos os cantos. Depois disso, comecei a tampar os ralos e possíveis entradas na casa", descreve. Apesar dos esforços, dois dias depois, ela se deparou com outro escorpião, dessa vez no quarto. "Eu estava fazendo uma faxina e fui arrastar os móveis. E, debaixo do armário, tinha vários amontoados", narra. A jovem também menciona que o contato feito com a Zoonoses não surtiu efeito. "Liguei para a Zoonoses e falei o que estava acontecendo; a atendente disse que iria repassar para equipe vir, mas eles nunca apareceram", acrescenta.
Perigo constante
Para o pedreiro Alan Garcia Paiva, morador de Planaltina, os escorpiões são companhia o ano todo. O contato tão frequente fez uma vítima em setembro do ano passado. Sua filha, de 19 anos, foi picada por um escorpião e teve de ser hospitalizada. "Ela foi picada na cama assim que acordou de manhã. Levamos ao Hospital Regional de Planaltina (HRP), onde ela tomou os remédios", lembra. De acordo com o pedreiro, o Bairro Nossa Senhora de Fátima, onde mora, passa por diversos problemas de estrutura, que podem estar agravando a infestação. "Aqui onde moramos não tem asfalto nem iluminação pública. Também tem um lixão aqui perto, com placa proibido jogar lixo, mas ninguém respeita", relata.
Outro morador de Planaltina que tem receio dos animais é o recepcionista Cláudio Pádua, 47. "Já achamos três escorpiões aqui em casa, perto das plantas. Sempre em época de chuvas. Por sorte, não picou ninguém", denuncia. Um dos animais foi encontrado em dezembro do ano passado e outros dois logo no início deste ano. O recepcionista também conta que eles nunca apareceram nos cômodos da casa, mas ainda oferecem risco. "Sempre aparecem no quintal, nunca vimos dentro de casa, nos cômodos. Mas tememos muito pelo nosso cachorro, que, por pouco, não foi picado", explica. Apesar de ter ligado diversas vezes para a Zoonoses, ele afirma que nunca foi atendido, o jeito foi adotar uma medida paliativa por conta própria. "Mandamos fazer uma dedetização, mas temos medo de eles se esconderem nos sapatos e roupas, e sermos picados", preocupa-se.
O professor e biólogo do Centro Universitário de Brasília (Ceub)Fabrício Escarlate explica que o avanço da ocupação humana impacta no habitat dos escorpiões. "À medida que as áreas urbanas aumentam, alguns vão entrar no ambiente, que é completamente estranho, desconfortável e perigoso para eles também", explica.
Riscos
Por serem animais venenosos, escorpiões oferecem risco à população. No DF, o tipo amarelo é o mais comum. O animal também pode ser encontrado em várias regiões do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná etc. Ele tem hábitos noturnos e vive em locais quentes, úmidos e escuros. Considerado o mais venenoso da América do Sul — seu veneno é neurotóxico e age no sistema nervoso periférico.
O professor de biologia do Colégio Objetivo Rodrigo Basílio lembra que não é recomendável qualquer contato direto. "Deve-se evitar qualquer tipo de contato direto com esses animais, pois agem por extinto, então qualquer aproximação pode ocasionar acidentes", alerta.
A picada de escorpião pode ser letal, dependendo das condições da pessoa que foi ferroada, como peso, idade, alergias e outras patologias. Os que correm mais riscos são idosos e crianças. A Secretaria de Saúde do DF recomenda que "quem sofrer um acidente por animal peçonhento deve procurar a emergência dos hospitais ou as UPAs". De acordo com o órgão, todas estão aptas para atender esse tipo de paciente.
Como pedir socorro
Em caso de aparecimento de escorpiões, é possível entrar em contato com a Vigilância Ambiental pelos números 160 e 2017-1344 ou pelo e-mail gevapac.dival@gmail.com para agendamento da inspeção. Após o agendamento, uma equipe é enviada à residência e faz a coleta dos animais existentes, com busca em caixas de esgoto, entulhos e outros locais.
O mesmo pode ser feito para ocorrências envolvendo lacraias e lagartas. Em casos como esse, o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox) do Samu também pode ser acionado pelo número 0800-644-6774. A unidade funciona 24h por dia e é considerada referência no tratamento de pessoas picadas.
A Secretaria de Saúde também recomenda que certos cuidados sejam tomados para evitar o aparecimento de escorpiões em residências e outras áreas urbanas, como vedar soleiras de portas com rolos de areia ou rodos de borracha; reparar rodapés soltos e colocar telas nas janelas; telar as aberturas dos ralos, pias ou tanques; telar aberturas de ventilação de porões e manter assoalhos tapados; manter todos os pontos de energia e telefone devidamente vedados; manter limpos quintais e jardins.