A temperatura política voltará a subir a partir desta semana, com a retomada dos depoimentos na CPI da Covid, após o recesso parlamentar. Nos próximos dias, os senadores vão aprofundar as investigações sobre as negociações suspeitas do Ministério da Saúde para a compra de vacinas contra o novo coronavírus. Em entrevista ao Correio, o presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirma que as apurações já constataram que “o governo nunca teve o interesse de comprar imunizantes de empresas sérias” e optou por negociar preços acima do mercado com intermediários.
Aziz mantém a cobrança de um posicionamento de Jair Bolsonaro sobre acusações do deputado Luís Miranda (DEM-DF). À CPI, o parlamentar disse ter alertado o presidente da República sobre suspeitas de irregularidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin, assinado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa Medicamentos. “Até hoje o presidente não desmentiu o deputado”, reforça o senador. Segundo ele, já há “indícios suficientes” de que Bolsonaro “sabia da existência de crimes e não tomou providência”, cometendo “crime de prevaricação”. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A CPI retoma os depoimentos com foco nas negociações sobre vacinas. A que conclusões a comissão chegou sobre esse tema e o que ainda pretende apurar?
O que a CPI apurou, desde aquele depoimento do Fabio Wajngarten (ex-secretário de Comunicação do governo), é que o governo nunca teve o interesse de comprar vacinas de empresas com compliance (observância de práticas) sérias. Com o andar das investigações, a CPI percebeu que vacinas com preços acima do mercado foram negociadas. Deixaram de comprar vacina da Pfizer a US$ 10 para comprar a US$ 15 da Covaxin. Onde tinha interesses não republicanos, aí sim, havia uma parte (do governo) com todo interesse em comprar essas vacinas. E, com isso, nós deixamos de comprar vacinas em quantidade muito grande; não participamos do consórcio (Covax Facility) feito pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que daria oportunidade para vacinar 50% do povo. A gente conseguiu descobrir tudo isso. É uma pena, porque quem sofreu foram os brasileiros que perderam pessoas queridas.
A CPI recebeu documentos que mostram que a AstraZeneca avisou ao Ministério da Saúde, em janeiro, que não negociava vacinas com participação de empresas privadas. O Butantan também fez sobre a CoronaVac. Mesmo assim, o governo negociou as duas vacinas com intermediários. Qual sua opinião sobre isso?
Quando eles viram oportunidade de ter algum lucro pessoal, aí tiveram todo interesse, uma rapidez enorme. Volto a repetir: em relação à Pfizer, foram mais de 100 e-mails enviados ao Ministério da Saúde sem resposta. É complicado. Já a Covaxin, a primeira reunião ocorreu em novembro e, em fevereiro, já estavam fechando o contrato (de 20 milhões de doses a R$ 1,6 bilhão).
O presidente Bolsonaro tem repetido que não houve irregularidades no caso Covaxin porque o Ministério da Saúde não pagou pela vacina.
Juridicamente, ele (presidente) sabe que teve, sim, crime. Só não foi possível o pagamento porque um servidor (Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde) comunicou ao presidente o que estava se passando a respeito da Covaxin. E, mesmo assim, ele nada fez, deixou as coisas andarem. E continuam andando. No dia 20 (de março), o servidor e o irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), avisaram: fique ligado. Mesmo assim enviaram novos invoices (recibos de importação), mensagens dizendo que pagassem US$ 45 milhões em Cingapura, e o presidente não mandou cancelar as negociações. Foram canceladas as negociações agora, depois que a CPI expôs toda essa trama.
A CPI tem indícios suficientes para dizer que o presidente cometeu crime de prevaricação?
Temos. Até hoje, o presidente não desmentiu o Luis Miranda. Ele cita até o nome do líder do governo (na Câmara, deputado Ricardo Barros, PP-PR), segundo o deputado, e o presidente não tomou nenhuma providência. E Barros continua sendo líder do presidente. Por que, se no dia 20 de março, no Palácio da Alvorada, você recebe um deputado e fala, segundo contou o parlamentar, que sabe quem está por trás disso, e mantém essa pessoa até hoje como líder? Eu não sei mais o que é prevaricar.
A defesa de Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, pediu o adiamento do depoimento dele. Advogados dizem que ele está na Índia. Que providências a CPI tomará?
Ele poderia ter comunicado à gente, no dia em que recebeu o documento de convocação para o dia 4 (de agosto), dizer que ele não estava no país.
Em recente pronunciamento, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez elogios à atuação do governo na pandemia e disse que Bolsonaro adotou uma “estratégia diversificada” para adquirir vacinas contra a covid-19. O senhor concorda?
Foi uma estratégia de não responder à Pfizer? Foi uma estratégia ele dizer “vachina da China”? Isso é estratégia? Será que o ministro Queiroga acha que todo o brasileiro chupa pirulito, é criancinha? Que estratégia é essa?
A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, está pedindo na justiça que o senhor pague a ela R$ 100 mil por danos morais. Ela também pediu ao STF uma apuração sobre vazamentos de e-mail e dados que deveriam estar em sigilo. O ministro Ricardo Lewandowski deu cinco dias para a CPI dar uma resposta. Qual a sua defesa contra essas acusações?
Ela usou o povo do Amazonas como cobaia — morreram, aqui, 14 mil pessoas já. E vem pedir danos morais para mim? Ela agiu irresponsavelmente com o povo do meu estado, e ela será, sim, indiciada, e será punida pela justiça dos homens, depois pela justiça divina, por ter causado, por ter contribuído para que essa pandemia, para que crime contra a vida fosse praticado. Depois, chega na CPI e mente. Ela tem que responder aos senadores, a partir de terça-feira, quais são os cinco senadores que ela passou as perguntas para fazerem para ela. Então, não manda ela, com um processo contra mim, querer se esquivar de perguntas que tem que responder, porque, com certeza, ela não passou nenhuma pergunta para mim, para eu fazer. Temos que saber quem são esses cinco senadores.
Como o senhor vai cobrar isso da Mayra Pinheiro?
E eu vou entrar na Justiça para perguntar a ela quem são os cinco senadores. Ela vai ter que responder. Nós não estamos ali na CPI para fazer joguinho. Porque esse joguinho, brincar com a vida de pessoas, é muito pesado. Morrendo gente e ela rindo: “Ah, eles vão passar a bola e eu vou fazer o gol”. E (investigar) aqueles também que se sujeitaram a esse tipo de coisa.
E quanto à queixa da secretária ao STF sobre vazamento de dados que deveriam estar em sigilo?
Não tem embasamento, não existe vazamento de nenhum documento sigiloso. O que eu vi que saiu foi uma carta que ela enviou para o governo de Portugal. Inclusive, duas tevês portuguesas me procuraram para falar sobre isso. Porque pode ter consequências em Portugal essa brincadeira dela. Ela oferece um tipo de tratamento que não deu certo cientificamente, nem aqui nem em lugar nenhum no mundo. Já não bastava ela ter cometido os crimes contra a vida no Brasil, queria também em Portugal? Se é documento secreto utilizar o Ministério da Saúde para mandar uma carta ao governo português, é secreto por quê?
Durante a reunião do grupo majoritário da CPI, na semana passada, ficou acertada a votação de um requerimento que pede o afastamento de Mayra Pinheiro por supostamente obstruir as investigações. Que obstruções são essas?
Mandar perguntas para senadores fazerem para ela. Como é que não está obstruindo a investigação? Se isso não for obstrução de investigação, não sei mais o que é. Você vai ser testemunha minha e eu te digo: “Olha, você fala isso, isso e isso” — que eu te oriento como acusada. Primeiro, que uma pessoa que é testemunha, ou investigada, não pode falar com o juiz. E os senadores que ela disse que enviou as perguntas são juízes. Está todo mundo (senadores governistas) calado, ninguém respondeu. Então, o certo é ela dizer quem são esses cinco senadores aliados.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), agora suplente da CPI, terá acesso a documentos, poderá apresentar requerimentos e usar artifícios regimentais contra as investigações. Como o senhor recebeu essa notícia?
Ele tem todo o direito de participar da CPI, escolhido pelo bloco parlamentar dele. É parte envolvida diretamente. Então, tem direito de participar de qualquer ato dentro do Senado. O regimento (interno do Senado) é para todos.
Por que a CPI decidiu aprofundar as investigações sobre a empresa VTC Log?
O que nós temos sobre a VTC Log são os contratos que foram reajustados bem acima do recomendado (por parecer da área técnica do Ministério da Saúde). Há também uma relação muito próxima de dirigentes desta empresa com o Roberto Ferreira Dias (ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde). A dirigente da VTC Log (Andréia Lima, diretora-executiva) deve ser chamada pela CPI.
Quais as expectativas do senhor em relação ao depoimento do líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR)?
Não vai contribuir em absolutamente nada, porque ninguém acusou o deputado de nada. Nem a CPI o acusou. Quem disse que o presidente (Bolsonaro) teria falado no nome dele foi o deputado Luis Miranda. A coisa mais tranquila para ele, e ele nem precisaria ser convocado nem ir à CPI, era o presidente fazer uma nota de desagravo, uma live ao lado dele dizendo: “Estou aqui ao lado do meu líder, confio plenamente no Ricardo Barros e o que esse deputado (Luis Miranda) falou é mentira”. É simples assim, como diz o (ex-ministro da Saúde Eduardo) Pazuello. Quem tem que desmentir o Miranda não é o Barros, é o próprio Bolsonaro — e ele não faz isso.
A CPI decidiu que vai pedir o bloqueio judicial dos bens da Precisa Medicamentos e da Global, empresas do Francisco Maximiano. Por quê?
Temos que mostrar, claramente, que essa empresa ludibriou o governo e o povo querendo receber antecipadamente sem botar uma única vacina aqui dentro. Não é a primeira vez que ela faz isso. Fez, inclusive, aqui junto ao Governo do Distrito Federal.