Famílias prejudicadas pelo rompimento da barragem em Mariana lutam para voltar a ter uma vida normal
Mishelly Coelho - Especial para o Correio
Quase cinco meses depois do desastre em Mariana, comunidades ainda sofrem com a falta de Água para necessidades básicas. O rompimento da barragem Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana, despejou um tsunami de lama no leito do rio, além de destruir povoados e propriedades rurais e deixar 18 mortos e um desaparecido.
Apesar de morar ás margens do Rio Doce, no município de Regência, o trabalhador rural Elias Paulo dos Santos precisa andar 3 quilômetros de canoa para conseguir um pouco de Água para beber, cozinhar e tomar banho. E ainda precisa pagar por isso.
O desmoronamento transformou as águas do Rio Doce numa amarga sopa onde se encontra boa parte da tabela periódica, incluindo elementos químicos tóxicos. As populações que dependem delas para viver e trabalhar tiveram suas vidas represadas.
Elias e a família - mulher e filho - recebem da Samarco, a título de compensação, 80 litros de Água potável por semana, volume insuficiente para matar a sede, cozinhar e tomar banho, sem falar em usos como a lavagem de roupas. A Água é entregue num povoado e Elias precisa ir até lá para receber sua parte. Como o volume não dá para toda a semana, ele volta ao povoado pelo menos outra vez na semana para adquirir outra quantidade. No total, gasta R$ 100 por mês - de um salário de R$ 880 - só para ter a quantidade mínima de algo fundamental para a sobrevivência: Água.
Vidas secas
Desde novembro de 2015, quando a barragem da Samarco se rompeu, a vida não foi a mesma. A Água da torneira, captada do subsolo, virou um líquido amarelado que, se usado para o banho, provoca coceira na pele.
Além da nova despesa para comprar Água, a Samarco ainda deu á família outro prejuízo: eles plantavam feijão, milho e hortaliças para consumo próprio. Toda a plantação foi tomada pela lama, muita coisa se perdeu e o solo se tornou improdutivo. Agora, a família precisa comprar tudo o que plantava.
A fazenda onde Elias trabalha, de propriedade de Jailton Correira, produz cacau. Dos seis trabalhadores que havia, dois foram demitidos, pela quebra na produção provocada pelo alagamento.
Questionada, a Samarco afirmou que o abastecimento regular dos prejudicados já foi reestabelecido.
UTI
A coordenadora da Rede das águas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, compara a saúde do Rio Doce a um paciente hospitalizado. "O Doce era um doente pela falta de preservação. Esperava por tratamento, mas hoje está na UTI", diz. A ONG publicou em janeiro deste ano um laudo técnico que revela que a Água do rio continuava imprópria para consumo. Dos 18 pontos analisados, 16 apresentavam o índice de qualidade da Água péssimo e dois, regular. Segundo estimativa da coordenadora, o Rio Doce deve levar de 40 a 50 anos para voltar a ser o que era antes.
Crise sem fim em SP
Anúncio do fim da crise de abastecimento é questionado por especialistas e pela própria população, que sente na pele - ou na pia - que o fim ainda está longe
Ingrid Borges
Apesar do anúncio do governo de São Paulo, o fim da crise hídrica parece estar longe de ser realidade no estado. Moradores da região metropolitana ainda sofrem pela falta de Água. "A questão da Água está resolvida, porque nós já chegamos a quase 60% do Cantareira e 40% do Alto Tietê. Isso é Água para quatro ou cinco anos de seca", disse o governador Geraldo Alckmin.
Enquanto isso, no bairro Taboão, em Guarulhos, faltava Água na casa de Maria. Lá, um dia de abastecimento é intercalado por dois com as torneiras secas. A solução? Poupar. "A gente acumula louça e roupa, porque, senão, não tem como fazer a higiene pessoal. Se não houver controle, ficamos sem banho mesmo". O racionamento de Água, por vezes, fez a família, de cinco pessoas, optar por talheres e pratos descartáveis.
Conceição sentiu um sopro de esperança ao conversar com a vizinha. "Ela disse que escutou de um vereador que, em vez de ficarmos sem Água por dois dias, ficaremos apenas um". Nesse quadro, a crise continuaria, mas, para ela, é "melhor que o jeito que está agora". A crise também acabou na casa da publicitária Emily Ferreira, 22 anos. No bairro em que ela vive, na Zona Norte de São Paulo, toda semana há racionamento, em pelo menos um dia. "Na semana passada, faltou por quatro dias. Sempre depois das 17h e só volta ás 10h do dia seguinte" conta. Ela, que mora com a irmã, faz uso de garrafas pet e baldes para guardar Água, já que o reservatório não é o bastante.
Para a Aliança pela Água, movimento de organizações da sociedade civil que acompanha a crise hídrica paulista, o problema não acabou. A coordenadora do movimento, Marussia Whately, avalia que a afirmação de Alckimin é "prematura, mostra visão equivocada sobre segurança hídrica, induz o aumento do consumo e, consequentemente, diminui a já frágil resiliência da Grande São Paulo para enfrentar novas crises".
De acordo com dados levantados pela organização, a situação atual é melhor do que a encontrada no mesmo período em 2014 e em 2015, porém, pior do que era entre 2010 e 2013. Em 2013, o Sistema Cantareira tinha 57% de sua capacidade, enquanto atualmente está em 28,7% de seu volume operacional (descontando o volume morto). Se comparada a 2010, a situação é mais preocupante: em março daquele ano, o Cantareira tinha 97%. O Sistema Alto Tietê apresenta estatásticas equivalentes: hoje está com 39,5%, mas estava com 59,7% em 2013 e 93% em 2010. Segundo a organização, as recentes chuvas contribuem para a recuperação das represas e trazem um alívio, mas apenas momentâneo.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) afirma, em nota, que o volume somado dos sistemas de abastecimento de Água da Grande São Paulo já ultrapassou o nível do início da crise hídrica, mesmo sem contar com as reservas técnicas. Números da companhia indicam que a região metropolitana atingiu, em 14 de março, uma reserva total de aproximadamente 1,145 trilhão de litros, o que significa quase o dobro dos 632 bilhões de litros de 14 de março de 2014.
O professor de geografia política e meio ambiente da Universidade de São Paulo - USP, Wagner Ribeiro, também contesta a avaliação. "A crise não acabou, de forma alguma. Ela é estrutural. Temos uma demanda muito grande de Água. A situação só vai mudar se aprendermos a usar com mais parcimônia, reduzindo o consumo nas casas e indústrias".
Para o especialista, dar a crise como encerrada desestimula o uso consciente. "As autoridades deveriam ser mais cautelosas. Pode gerar uma falsa impressão, voltar ao uso inadequado", explica. E alerta: "Se nada for feito, podemos esperar mais crises. Essa crise é cíclica. A população não pode depender de chuvas, é preciso ter um plano de contingência".
A Sabesp afirma que obras hídricas estão previstas para serem inauguradas em 2017. Mas, segundo Ribeiro, são suficientes para resolver o problema. "Temos mesmo é que reduzir o consumo. Não é nada absurdo, outras cidades pelo mundo já fizeram".
Como evitar os alagamentos?
Vista aérea de área alagada no município de Franco da Rocha, cerca de 26km da capital do estado de São Paulo
Acordar no meio da noite com Água até os joelhos e ter que sair ás pressas de casa é uma realidade que mais de 5 milhões de brasileiros estão sujeitos a viver um dia. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, existem, no mínimo, 800 regiões de risco no país. Os problemas incluem chances de soterramento e alagamento. Além do desgaste do solo, outros problemas como a sujeira acumulada nas bocas de esgoto das ruas, o desgaste de nascentes e bacias hidrográficas e o desmatamento são pontos cruciais para determinar essas chamadas áreas de risco.
Foi em 10 de março deste ano que o servidor público Renato Pires, 40 anos, morador de Francisco Morato, se viu sem saída. "A chuva começou ás 18h e só foi parar sete horas depois. Durante todo esse tempo, foi ininterrupta e muito forte", conta. Naquele dia, choveu 143mm. Quase o total previsto para todo o mês - 150mm. O grande volume de Água alagou casas, tomou ruas e avenidas e matou oito pessoas.
Renato mora no bairro Jardim Alegria há 35 anos e disse nunca ter visto nada igual áquele episódio. "A minha casa fica a cerca de vinte metros do Ribeirão Eusébio, e a região é cercada por morros. Então, é um lugar que tem mais chances desses desastres acontecerem." A família perdeu tudo. Renato, a mulher e os dois filhos agora dormem no chão, sobre um colchão doado por um amigo.
As zonas propensas a alagamentos no país contam com defasados sistemas de canalização das águas pluviais. As cidades estão cada vez maiores e, em consequência disso, boa parte do solo foi impermeabilizado para receber avenidas e grandes prédios. O professor do Laboratório de Controle Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) Daniel Sant'Ana destaca que, "É preciso repensar o sistema de absorção da Água nos centros urbanos e transformá-lo em drenagem sustentável. A ideia desse mecanismo é imitar o processo natural de escoamento da Água da chuva".
Se tais medidas já tivessem sido implementadas em regiões mais perigosas, desastres como os que aconteceram em Petrópolis, Nova Friburgo e Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro em 2011, poderiam ter sido evitados. Naquela ocasião, 905 pessoas morreram e mais de seis mil ficaram desabrigadas.
"Em regiões serranas, o mais importante é se preocupar com a ocupação irregular", explica Daniel. Com o solo encharcado e sem nenhum aparato de raízes de plantas, as chances de deslizamento são potencializadas.
Outro fator que merece destaque é o descarte de lixo. O acúmulo de papel, garrafas PET e embalagens plásticas em bocas de esgoto, rios e represas dificultam ainda mais o escoamento.
A servidora pública aposentada Leopoldina Carneiro mora em Vicente Pires e, em dezembro do ano passado, teve a residência inundada. "A Água chegou a cobrir um metro e meio da minha casa e destruiu todos os armários, derrubou todas as portas, levou seis portões. Parecia que estava passando um rio dentro do meu lote."
Sant'ana avalia que passou da hora de o poder público tomar iniciativas concretas para reduzir os casos de enchentes Brasil a fora. E o que não faltam são exemplos. "Em Melbourne e Sidney, na Austrália, as prefeituras recapearam as ruas com asfalto poroso. Isso ajuda a absorver Água e a desafogar o sistema de escoamento pluvial. Em Sidney também tem algumas regiões com drenagem sustentável que, inclusive, é aproveitada para compor o paisagismo da cidade, devolvendo parques para a população."
Armazenar sem criar mosquito
Coletar Água da chuva e guardar para usar em casa é possível. Mas é preciso cuidado para não facilitar a vida do Aedes aegypti
Ingrid Borges - Especial para o Correio
Em tempos de crise hídrica, armazenar Água é, mais do que atitude consciente, quase uma obrigação. No entanto, a epidemia de dengue no país dificultou as coisas. Afinal, como poupar Água sem facilitar a vida do Aedes aegypti? Como ajudar a preservar o meio ambiente de maneira segura? O ano está longe de terminar, mas, até fevereiro de 2016, foram registrados 300. 980 casos de dengue no país. No mesmo período, em 2015, foram 201.343.
Vera Lima, 54 anos, diz que nem se lembra de quando começou a armazenar Água da chuva. A dona de casa, moradora de Vicente Pires, tem dez baldes em casa. Quando chove, ela apara a Água da chuva, por meio da calha do telhado. A partir daí, lava o que o que vier pela frente: tapetes, panos de chão, varanda da casa, calçada. Segundo ela, o cuidado com a dengue está presente. "Como não tem como tapar os baldes, uso o mais rápido possível, desse jeito não tem riscos. No máximo, dois dias", conta.
A servidora pública Maria das Graças Lemos, 53 , vive em Sobradinho e também é adepta do reaproveitamento de Água. Ela conta que aproveitar Água da máquina de lavar é um hábito de toda a família. Para ela, os produtos de limpeza afastam o mosquito. "Acho que, como essa Água não é limpa, não tem problema". Maria das Graças ainda armazena Água da chuva em um tambor de 18 litros, sempre checando se está devidamente tampado. "Se estiver bem lacrado, não deve dar larvas do Aedes", afirma.
De acordo com o gerente de Vigilância Ambiental de Vetores e Animais Peçonhentos e Ações de Campo, da Secretaria de Saúde do DF, Petrônio Lopes, não há problemas em armazenar Água, contanto que o vasilhame, balde ou tambor estejam hermeticamente fechados. "Eu também reutilizo Água, é importante, mas é necessário ter o hábito de conferir se não há buracos ou rachaduras", afirma. Lopes explica que o ovo do Aedes aegypti fica na natureza por mais de 500 dias e só eclode quando tem contato com a Água.
"Se o recipiente estiver bem fechado, a pessoa não terá a menor chance de ter alguma doença causada pelo mosquito", insiste. Em nota, o Ministério da Saúde recomenda algumas medidas de prevenção, entre elas: manter as caixas d'água e outros recipientes de armazenamento de Água fechados, colocar as garrafas com a boca para baixo, não deixar Água acumulada sobre a laje ou calhas, manter a lixeira fechada, colocar areia nos pratos das plantas. No armazenamento de Água, a recomendação é manter o recipiente devidamente tampado e realizar limpeza com bucha e sabão periodicamente.
Combate
Os recursos federais destinados ao combate ao mosquito Aedes aegypti cresceram 39% entre 2010 e 2015, passando de R$ 924,1 milhões para R$ 1,29 bilhão, respectivamente. Para 2016, a previsão é de que o valor chegue a R$ 1,87 bilhão. Segundo o Ministério da Saúde, os recursos para o desenvolvimento de vacinas e soros para as doenças causadas pelo Aedes aegypti já ultrapassam os R$ 125 milhões.