#EUSOUBSB
Finalmente o futuro chegou, a maquete se completou como cidade. Identificados uns nos outros, criamos comunidades movidas a Brasília
Futebol americano
Um nobre gramado para o futebol americano
» Roberta Pinheiro
No extenso gramado do Eixo Monumental, palco de manifestações dos brasileiros, o grito também pode ser o de um vibrante jogador de futebol americano. Todos os sábados, devidamente uniformizada, a equipe do Brasília Alligators ocupa o canteiro central em frente ao Congresso Nacional. Ali, os rapazes treinam e movimentam o corpo do avião do Plano Piloto. A turma até chegou a procurar outros lugares, mas nenhum deles funcionou. O campo da Esplanada dos Ministérios é amplo e a visibilidade ajuda a atrair novos alunos para um esporte que começou a ser difundido na cidade há pouco tempo.
O projeto de Lucio Costa dividiu a cidade em áreas específicas para cada tipo de ocupação: residencial, administrativa, comercial, industrial, recreativa, cultural, entre outras. Passados 55 anos, no entanto, o brasiliense conferiu novas possibilidades ao Plano Piloto. A Esplanada dos Ministérios, projetada para ser o centro administrativo de Brasília, hoje é também um espaço de esporte e lazer. E já foi cenário de balonistas e praticantes de asa-delta, por exemplo. Os Alligators fincaram as bandeiras no local em 2011. “Só é lembrado quem é visto”, brinca um dos fundadores e treinador do time, Márcio Reis Junior, 26 anos. “É legal estar aqui, pois a gente cria uma conexão e uma identidade com a cidade. As nossas cores são as de Brasília. Temos o nome da capital.”
A ideia veio de um grupo de amigos, que se reuniu para jogar futebol americano e se divertir. Eles não sabiam quase nada sobre o esporte, apenas conheciam os Tubarões do Cerrado, um dos times mais antigos de Brasília. “Queríamos fazer uma espécie de escolinha. No início, tinha só amigo de amigo. Depois, começamos a divulgar. É muito assustador o poder de duplicação”, comenta. Quem passa pelo gramado em frente ao Congresso, em um sábado à tarde, verá não somente a equipe de jogadores ativos, como também o time juvenil e a equipe feminina. No total, são mais de 100 integrantes.
Amizade
O futebol americano é um esporte baseado em táticas de confronto, em construções de trincheiras e ganho do campo inimigo. De longe, os Alligators parecem formar um cenário de guerra. Para evitar que o adversário alcance o desejado touchdownm, pontuação que equivale a seis pontos, vale quase tudo, até pular em cima do jogador. A cada nova geração, a turma se renova e o grupo ganha outra cara. “Todo mundo é igual a todo mundo. Ninguém é melhor. Aqui, passei a dar mais valor à amizade”, conta Márcio.
A maioria dos integrantes nasceu e cresceu na capital do país. Eles fazem parte de uma geração 100% brasiliense. A seu modo, cada um criou com a cidade natal uma conexão afetiva. “Não troco Brasília por lugar nenhum. Aqui é calmo mesmo tendo problemas de cidade grande”, afirma a presidente do grupo, Raquel de Souza Araújo, 29 anos. Márcio curte a tranquilidade da cidade. E, de um jeito ou de outro, aqui, você pode juntar os amigos e sair, sem programação definida”, completa. O encanto da jogadora Ingrid Graciane, 29, é pela paisagem. “Em Brasília, temos sorte de ter tantos lugares abertos.”, comenta.
Fazer parte do movimento de ocupação dos espaços ermos da capital do país é motivo de orgulho para os Alligators. “Os amigos reconhecem e comentam. Sempre que recebemos colegas de fora eles notam a diferença. Não treinamos em clubes ou lugares do tipo”, conta Raquel. Durante a semana, o jogo da equipe é ao lado da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Os locais abertos, próprios de Brasília, são favoráveis para o futebol americano, que precisa de muito espaço. “E ainda fica bonito nas fotos, né?”, complementa a presidente, ao fazer referência ao Congresso Nacional, que serve de fundo para os cliques do grupo.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Equipe de futebol americano
ONDE
Em frente ao Congresso Nacional e ao Ministério da Cultura
QUANTOS
Mais de 10
QUEM VAI
Atletas das equipes femininas e masculinas e do time juvenil
HÁ QUANTO TEMPO
Quatro anos
Eixão do lazer
Um Eixão inteiro para o lazer
Há quase 24 anos, os brasilienses ganharam um novo quintal: o Eixão do Lazer. O lugar por onde circulam, em dias de semana, cerca de 100 mil veículos, fica cheio, aos domingos e feriados, de moradores à procura de curtir o sol da capital, seja caminhando, andando de bicicleta, skate e patins, seja passeando com cachorros e fazendo piqueniques nos gramados. Nos fins de semana, além de um bom local para fazer exercício, as seis faixas da pista viram um espaço de confraternização, brindando com qualidade de vida os moradores do Plano Piloto e das outras regiões administrativas.
Algumas partes do Eixão acabaram sendo ocupadas por grupos específicos. O fim da Asa Norte, por exemplo, ficou conhecido como o point do skate. Há cinco anos, um grupo de amigos decidiu começar a se reunir todo fim de semana no local para praticar o esporte. Com o tempo, foi atraindo cada vez mais gente, organizando os encontros via redes sociais. “Decidimos, então, montar uma associação para incentivar os skatistas a se somarem ao movimento”, conta Eduardo Felgar Apra, 43 anos, morador do Lago Norte e um dos diretores do Long Brothers, como foi batizada a organização.
Aos domingos, o Eixão do Lazer, na altura da 115/215 Norte, é tomado por adeptos do skate, que levantam obstáculos na pista e praticam acrobacias. “Também montamos uma tenda de música, com muito hip-hop e reggae, para animar a galera”, completa Eduardo. Para se comunicar com a comunidade, o Long Brothers aproveita as ferramentas das redes sociais. Segundo Eduardo, ocupar as áreas públicas de Brasília é o que dá vida à cidade e permite às pessoas conviverem em comunidade. “O Eixão do Lazer traz várias vantagens para a população. Incentiva a prática de esportes, proporciona um lugar para fazer amigos e, inclusive, fomenta o comércio, pois fica cheio de vendedores ambulantes.”
Outros tipos de atividade física têm espaço no Eixão do Lazer. O estudante Thales Araújo, 14, gosta de praticar slackline entre as árvores. “Muitas vezes, venho com meus amigos. É uma forma de trabalhar o corpo e a saúde”, relata. Há quem vá, inclusive, de cidades próximas para aproveitar os dias de descanso no centro da capital. A farmacêutica Laís Carolina Peres Alves, 27, foi ao local acompanhada pelo companheiro, irmãos e cunhado para se exercitar. Eles moram em Águas Claras e Taguatinga e, para facilitar, alugaram bicicletas do projeto Bike Brasília. “É a primeira vez que fazemos esse tipo de programa. Gostamos muito da tranquilidade e da segurança do lugar.”
Não só as pessoas se divertem no Eixão do Lazer. A pista também vira quase um parque de diversões para os parceiros caninos dos moradores. Cachorros de todas as raças e tamanhos podem ser vistos em um domingo à tarde, passeando contentes e fazendo amizade com outros animais. Os engenheiro Rafael Lobo, 27, e a empresária Mariana Piva, 28, moradores de Sobradinho, costumam levar os quatro cães — Cristal, Billie, Manoel e Cauai — ao Eixão sempre que podem. “É muito bom para eles. Tem muito espaço, onde podem correr à vontade”, diz Mariana. “O Eixão do Lazer é uma das melhores coisas de Brasília, sem dúvida”, emenda Rafael.
O Eixo Rodoviário é a principal via de acesso à cidade, do sul e do norte. Ele foi planejado para proporcionar agilidade ao trânsito brasiliense e, ao mesmo tempo, misturar-se à paisagem das asa Sul e Norte, que a pista corta ao longo de aproximadamente 14km. As passarelas subterrâneas ajudam a travessia de pedestres. Nas laterais da via, foram plantadas centenas de árvores, com o objetivo de reduzir o ruído e a poluição. Nas palavras de Lucio Costa, o Eixo tem um aspecto “bucólico”, sem perder a comodidade de uma avenida ampla e rápida.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Eixão do Lazer
ONDE
Eixo Rodoviário
QUANTOS
Mais de 2 mil pessoas a cada fim de semana
QUEM VAI
Moradores do Plano Piloto e de outras regiões administrativas
HÁ QUANTO TEMPO
24 anos
Cachorreiros da Asa Sul
Amizade canina e humana
» Paloma Suertegaray
Não são apenas os humanos que estão ocupando o Plano Piloto. Os cães têm dado a sua contribuição. Foram eles que motivaram os moradores das proximidades da SQS 104 e 105 a criarem, no WhatsApp, o grupo Cachorreiros da Asa Sul. Há cerca de dois anos, vizinhos começaram a se reunir para passear com as mascotes e, hoje, formam uma turma de aproximadamente 20 pessoas. Quando o grupo se encontra, nos fins de tarde, os latidos de dobbermans, schnauzers, poodles, labradores, shih-tzus e vira-latas tomam conta da praça. Graças aos animais, os donos acabaram ficando amigos.
“Quando alguém sai para passear com o cão, avisa aos outros pelo celular e, rapidamente, um monte de colegas se soma ao programa”, conta o jornalista Sólon Beethoven Faria, 48 anos, dono da dobberman Índia. Via telefone, os vizinhos também trocam contatos de veterinários e dicas de cuidados com os caninos. “Usamos o grupo também para agendar outros tipos de saída sem os cachorros. Nós nos conhecemos por um interesse comum, mas aproveitamos a convivência para fazer novas amizades”, diz a aposentada Eliana Melo, 61, dona da vira-lata Drica.
Gente de todas as idades e profissões faz parte do grupo. A paixão incondicional pelos cachorros é o que os une. “Eles são a melhor companhia que existe. Só trazem coisa boa para a gente”, afirma a empresária Ângela Kunzler, 55. Diariamente, ela leva a schnauzer Duna para passear no parque. Brasília é uma cidade perfeita para os cachorros. “O Plano Piloto tem muitas áreas verdes, que viram o quintal dos bichos. A prefeitura da quadra disponibilizou saquinhos dentro do parque para que os donos possam recolher as fezes dos animais”, comenta Ângela.
A companhia dos cachorros e os laços de amizade com os vizinhos trazem mais do que diversão para a turma. “Na época em que conheci o pessoal, estava com câncer. Eles e os cães me ajudaram a superar a doença”, conta Ângela. Eliana também passou por situação difícil. “Quando meu marido morreu, entrei em depressão. Com os cachorros, que transmitem tanta alegria, sinto que voltei a viver”, relata a aposentada.
Para os cachorros, a convivência também traz muitos benefícios. A adestradora e babá de cães Thais Rodrigues, 27, não mora na Asa Sul, mas costuma levar os animais que toma conta para brincar com os pets dos Cachorreiros. “Estar com outros cães
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Cachorreiros da Asa Sul
ONDE
104 e 105 Sul
QUANTOS
Cerca de 20 pessoas
QUEM VAI
Moradores da Asa Sul, de todas as idades e profissões
Amantes do Jardim Botânico
Domingo é dia de piquenique
» Mariana Niederauer - Especial para o Correio
Admirar a beleza da cidade não é tarefa difícil. Basta olhar para o céu todas as manhãs ou no fim da tarde, percorrer as “esquinas inexistentes” do Plano Piloto ou fazer um passeio pela orla do Lago Paranoá. No Jardim Botânico, é possível desfrutar a riqueza natural que o cerrado oferece e curtir os dias ensolarados. O domingo é o preferido dos visitantes, que fazem fila para entrar no parque com a família e os amigos.
A servidora pública Ana Carolina Boratto, 32 anos, mora no bairro e sempre leva os parentes para passear no Jardim Botânico. Os filhos, Luís Felipe, 3, e Marco Antônio, 2, adoram videogame, mas também fazem questão do tempo ao ar livre para se divertir com os amigos. No último domingo, Ana Carolina aproveitou para reunir três gerações da família e coleguinhas de escola dos filhos em um lanche pela manhã. “Já viemos ao Jardim Botânico passear, mas essa é a primeira vez que nos sentamos para fazer esse piquenique, e veio a ideia de chamar os amigos da escola para interagir.” Pais e tios, marido e filhos sentarem-se no chão num encontro descontraído.
A mãe das amigas de Luís Felipe e Marco Antônio, que também é frequentadora do local, adorou a ideia. Sempre que pode, Denise Sander, 40, leva as filhas Maria Fernanda, 3, e Beatriz, 8, para brincar por lá. “A gente frequenta o Jardim Botânico para fazer piquenique, ter esse contato com a natureza, ao ar livre, sair daquele esquema de shopping e casa fechada. Elas curtem muito esse espaço.” Brincar no parquinho, jogar bola na grama e andar de bicicleta estão entre atividades preferidas das duas pequenas.
O mesmo vale para Pedro. O circuito de pneus do parquinho e o lago fascinam o garoto de 6 anos, que tinha outro motivo para comemorar. Os pais dele, Janaína Santos, 37, e Heider Gomes, 39, chamaram os coleguinhas da escola antiga para um reencontro após a formatura no ensino infantil. Enquanto esperavam os convidados, estenderam uma esteira, levaram um lanche reforçado e se sentaram debaixo das árvores altas que cobrem toda a área com sombra e refrescam mesmo os dias mais ensolarados.
O pequeno estava ansioso para compartilhar o momento de diversão com os amigos e com a irmã, Juliana, 2 anos. A única reclamação dos pais é não irem ao parque com mais frequência. “Estávamos comentando que pre cisamos fazer isso mais vezes: um programa praticamente de graça e ao ar livre. Trouxemos um lanche e tomamos café da manhã aqui”, observa Janaína. Heider concorda, e gosta que as crianças tenham um tempo para brincar fora de casa e próximo à natureza. “É bom sair, correr. E gastar energia, senão, enlouquecem os pais”, brinca Janaína.
Inaugurado em 8 de março de 1985, o Jardim Botânico oferece um espaço de 500 hectares para visitação. No total, são 5 mil hectares de área preservada e 80% coberta por vegetação nativa do cerrado. Há ainda 1,6 mil espécies nativas e outras 800 de biomas diferentes. Além do espaço para fazer piquenique e de um café — inaugurado em 2013 — há trilhas, jardins temáticos e instalações educativas, como a biblioteca infantojuvenil e as estufas.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Jardim Botânico de Brasília
ONDE
Setor de Mansões Dom Bosco, Área Especial, Lago Sul
QUANTOS
Cerca de 4,4 mil visitantes por mês e, em média, 2 mil nos fins de semana
QUEM VAI
Adultos, crianças, idosos e ciclistas
HÁ QUANTO TEMPO
Desde 1985
Madrugadores da Água Mineral
Amigos de manhãzinha
A cidade dos palácios brancos de Oscar Niemeyer também tem um coração verde e pujante. A cerca de oito quilômetros da Esplanada dos Ministérios, o cenário é idílico. A capital planejou também a proteção dos rios e da vegetação original do cerrado. Por esse motivo, nasceu o Parque Nacional de Brasília. Ao entrar pelo portão principal, o som das águas e o barulho dos animais silvestres conquistam, de pronto, os visitantes. Conhecido como Água Mineral, o local é explorado por brasilienses que querem se refrescar em um fim de semana de muito calor. Um grupo específico de frequentadores do lugar dedica as manhãs a natação, caminhada, ioga e conversa entre os amigos. São os mensalistas. Eles pagam uma taxa fixa, de R$ 75, para ter o direito de entrar no parque às 6h, duas horas antes da abertura para o grande público.
“O parque é nossa vida”, resume a funcionária pública aposentada Maria de Lourdes Bernardes, 72 anos. Devidamente equipada com óculos, biquíni e touca de natação, a mulher atravessa a piscina cedinho, por volta das 7h, antes de se reunir com os amigos para o café da manhã, tradicional encontro da última sexta-feira do mês. O sorriso revela o bem-estar e a relação que criou com o local e com os amigos que fez ali.
A formação do grupo ocorreu de forma espontânea. Cada um que chegava ao parque se integrava a ele. Hoje, são mais de 100. “Todo mundo sabe o nome de todo mundo. Aqui é muito diversificado.
Tem médico, jornalista, bancário, funcionário público, professor, atleta”, descreve a bancária Dora Perdigão, 56 anos. “Em Brasília, é tudo setorizado e no nosso grupo, não. Além disso, são pessoas que não se conheceriam em outra situação.” Até estrangeiros que moram na cidade ou estão na capital por tempo determinado madrugam no Parque Nacional. De tanto treinar nas duas piscinas, atletas profissionais acabam motivando não atletas a participar de competições internacionais de longa travessia, por puro deleite. “É um espaço bom para treinar corrida e natação. Pena que é subaproveitado. São sempre os mesmo que vêm aqui. Poderia ter mais gente”, comenta o professor de educação física Alex Luzardo, 46 anos.
Se o recém-chegado decidir por uma caminhada nos primeiros horários da manhã em uma das trilhas do parque, encontrará companhia. “Os problemas ficam lá fora”, comenta o fotógrafo Luiz Clementino, 65. Quando um dos integrantes aparece triste, a animação do grupo logo espanta o desalento. E como conseguem manter tal entusiasmo às 6h? Dora responde que é uma questão de criar o hábito. A energia é contagiante e é impossível não querer voltar mais vezes.
Toda última sexta-feira do mês, os mensalistas levam comida para preparar um café da manhã coletivo. Ou o fazem em dia de aniversário. Tem suco, bolo de banana com nozes, açaí e outros quitutes. Estendem uma toalha no chão e fazem a festa. Mas não deixam de lado o cuidado com a preservação e a limpeza da Água Mineral. Os macacos-pregos sentem de longe o cheiro da banana e, sem cerimônia, tiram a fruta e qualquer outra iguaria da matula dos visitantes. Os madrugadores, no entanto, alertam que alimentar os bichos é proibido. Por isso, o grupo usa sacos de lixos para trazer de volta as sobras do passeio.
Além de mensalistas e madrugadores, a turma gosta de ser chamada de os guardiões da Água Mineral. Por três finais de semana, eles ficaram na entrada da unidade de conservação com sacos de lixo para conscientizar a população sobre o cuidado com a limpeza do local. No peito, trazem estampada na camiseta a necessidade de manter a área limpa. “A preservação é nossa maior preocupação. Tem gente que continua morando em Brasília pela possibilidade de vir aqui. Você não sente que está na cidade”, afirma Dora.
Ao longo dos anos, o grupo criou com o parque um vínculo maior do que um simples desfrute das riquezas da área. Tanto que, quando viajam, sentem falta do dia a dia nas piscinas e nas trilhas. Têm um grupo nas redes sociais para combinarem festas, churrascos e almoços. É a família dos madrugadores da Água Mineral.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Madrugadores da Água Mineral. Eles se reúnem todos os dias, das 6h às 8h, no parque. Além de amigos, criaram uma rede de preservação do local
ONDE
Parque Nacional de Brasília
QUANTOS
Cerca de 100 pessoas
QUEM VAI
Servidores públicos, fotógrafos, professores… A maioria com mais de 40 anos
HÁ QUANTO TEMPO
Alguns frequentam desde 1984
Encontros digitais
A explosão, do virtual ao real
» Conceição Freitas
Quando escreveu As cidades invisíveis, Italo Calvino não imaginava que existisse um lugar que era ao mesmo tempo ficção e realidade, área urbana e zona rural, arquitetura e vazios, e que despertava em igual intensidade paixão e ódio. Inventor de lugares miticamente incríveis, Calvino não projetou uma cidade que só se realizaria como tal, na dimensão física, a partir do ambiente virtual.O surgimento das redes sociais, na plataforma das realidades impalpáveis, aproximou uma gente que não conseguia ter contatos reais, dados os imensos vazios e a rigorosa segmentação do projeto urbano de Lucio Costa.
A cidade sem rua, sem esquina e sem mistura se encontrou na realidade cibernética e, a partir dela, ocupou os amplos espaços que sempre estiveram à espera de quem os legitimasse. Cidade-parque, cidade-jardim, mas cidade vazia, até que grupos e comunidades foram surgindo nas redes sociais e ocorreu a “explosão”, como diz o arquiteto Cristiano Nascimento, do Urbanistas por Brasília.
Houve, como define o dicionário, uma “manifestação súbita e viva, geralmente ruidosa, de emoções contidas, de sentimentos, de um estado de espírito”. Brasília estava reprimida em apartamentos, casas e quitinetes há, pelo menos, três gerações: as que vieram para cá crianças, jovens ou adultos e das que nasceram aqui e já se transformaram em jovens e adultos. No cruzamento do mundo virtual com o mundo real, a cidade renasceu ou se realizou à altura da projeção de Lucio Costa.
A explicação é de Cristiano Nascimento: “Brasília é tão futurista que passou a funcionar muito melhor com as redes sociais. Quando elas começaram a bombar, Brasília acelerou. Ela é ampla demais, o contato físico fica prejudicado. As redes sociais aproximaram as pessoas. Aí, houve a explosão.”
Com a ajuda de Cristiano, o Correio cita algumas das mais importantes iniciativas que nasceram na dimensão virtual e desceram para debaixo do bloco (veja insert). São coletivos, com esse nome ou não, de ativismo urbano, economia criativa, eventos gastronômicos e artísticos, memórias da cidade, design e estilo, agricultura urbana e blocos de carnaval. Nunca antes na história desta cidade houve uma folia tão abarrotada de gente como a de fevereiro de 2015.
Se é possível identificar a fagulha de onde se originou a explosão, ela pode estar na reação inesperada dos brasilienses à Praça da Soberania, projeto que Oscar Niemeyer pretendia impor ao canteiro central do Eixo Monumental. Depois, veio o escândalo da Caixa de Pandora. Brasilienses inquietos e indignados começaram a pôr a cabeça de fora para mostrar que a capital do país não se resumia às cenas de dinheiro na cueca, na bolsa e em orações.
Quando, um ano depois, soube que o governo Agnelo pretendia construir edificações de mais de 20 andares na 901 Norte, o arquiteto Cristiano Nascimento decidiu expandir sua indignação. Mobilizou arquitetos, alunos e professores de arquitetura da Universidade de Brasília (UnB). Pouco depois, a notícia de que o governo petista pretendia apresentar à Câmara Legislativa um projeto com o nome de PPCub esquentou o sangue dos arquitetos. O eufemismo chamado Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília mobilizou os arquitetos e, pouco tempo depois, estava criado o grupo Urbanistas por Brasília.
Também foi a quentura nas veias que moveu a jornalista Marta Crisóstomo a abrir um grupo numa rede social, o Nós que amamos Brasília. “Há vários anos, tento participar de movimentos em defesa do cerrado e da cidade. Quando comecei a ouvir falar de um tal de PPCuB, me interessei. Conheci pessoas também interessadas e indignadas e começamos a estudar e questionar o conteúdo do projeto. Mas a ideia do Nós que amamos Brasília já havia surgido no tempo da história da Praça da Soberania…” Passado um ano, o Nós já tem 9.699 participantes.
Mais que ele, só o DAQAM, que vem a ser Brasília Das Antigas Que Amamos Muito. Até o meio-dia de quinta-feira passada, o grupo já agregava 16.465 membros, brasilienses que fazem circular nas redes imagens dos primeiros tempos da cidade. Administrador da página, Chiquinho Dornas é filho de candangos que vieram participar da construção da cidade. O pai, Francisco Colen, montou a estrutura hoteleira do Catetinho, o palácio de tábuas. Chiquinho era bem Chiquinho quando chegou a Brasília — tinha 1 ano de idade.
O DAQAM fez tanto sucesso que, em paralelo a um blog sobre política brasiliense, consome de oito a dez horas do dia de seu administrador. “Esse interesse por Brasília tem a ver com o que Agnelo e Magela (governador e vice-governador do DF na gestão passada) fizeram com a cidade.” O nome se deve a uma expressão muito comum entre os que moram em Brasília há muito tempo: “Fulano é das antigas”.
O jornalista Silvestre Gorgulho, ex-secretário de Cultura do GDF, é “das antigas”, mas está novo em folha de tanto entusiasmo com a página Memória de Brasília: “A memória de Brasília acende uma chama no coração de cada candango.”
É tanta a sede de participar, fotografar, comentar, postar, que os grupos vão ganhando filhotes: do perfil Nós que amamos Brasília surgiu o Nós que amamos a arte e a cultura de Brasília. “Vimos que, no Nós..., havia muita publicação de foto celebrando a cidade. Então, resolvemos abrir uma outra página gêmea, especializada em fotos. Tanto para dar mais espaço às fotos quanto para liberar a outra página para discussão de temas que interessam à cidade”, conta Nelson Oliveira, administrador da página. Os desdobramentos chegaram ao detalhe: há um grupo chamado Ônibus antigos de Brasília, com fotos dos baús de antigamente.
Alguns grupos
Urbanistas por Brasília, Nós que amamos Brasília, Ocupe o Lago, Nossa Brasília, Minha Brasília, BsbNight, Rodas da Paz, BsBNight, Experimente Brasília, Camelo Bike Tour, O Novo Guia de Brasília, Coletivo Feira Livre, Pic Nik, Deguste, Quitutes Bsb, Chefs nos Eixos, Food Park, Festa Mimosa, Céu com Cinema, Parque Sonoro, Andaime Cia. de Teatro, Histórias de Brasília, Quadrado Brasília, Minha Brasília, Projeto Pilotis, Superquadra Criativa, Em Quadra, Bsb Memo, Brasília Conceito, Candanguices, Cobogó, Verdurão Camiseta, Agricultura Urbana Brasília, Horta Comunitária 114 Sul, Projeto Reação, Coletivo 312, Coletivo 416 NE, Rejunta meu Bulcão, Aparelhinho, Babydooll de Nylon, Suvaco da Asa.
A Brasília da balada
A noite ainda é uma festa
» Maryna Lacerda
Quando o sol vai embora, a vocação administrativa de Brasília dá lugar à noite criativa nos vãos da arquitetura moderna. Botecos, inferninhos e festas em casas particulares dão vazão à efervescência cultural de uma turma que faz da noite a diversão e o trabalho. A despeito do olhar conservador, há quem não só aproveite as festas para viver uma cidade mais despojada como também prospere a partir delas. Tanto que Brasília entra no ciclo de entretenimento antes ocupado apenas por Rio de Janeiro e São Paulo.
Os irmãos Ferrari viveram, desde muito cedo, todas as possibilidades da noite brasiliense. De estilo alternativo, circulam por tendências diversas, do forró ao reggae, sem se esquecer do rock. Nos idos de 1990, a regra era ir para a 109 Sul e, de lá, decidir a festa da noite. "A 109 Sul era a nossa rede social. Lá, a gente ficava sabendo de tudo o que estava acontecendo, encontrava os amigos e ia para as festas", lembra Júlia Ferrari, 34 anos. Aos 14, 15 anos, não faltava energia à geração que ouvia de AC/DC a Planet Hemp. O único contraponto era o axé. “Nós, os alternativos, éramos tudo, menos os playboys do axé. Muita gente nos via a partir daquele estereótipo de violentos e brigões, mas éramos todos uns ursinhos carinhosos”, brinca Júlia.
A festa continuava até depois de o sol sair. Às 7h, às 9h e até ao meio-dia ainda havia alguém disposto a esticar a noite em papos intermináveis, em discussões variadas, em que o objetivo era questionar, não chegar a um consenso. “A gente saía da festa e ia para debaixo dos blocos tocar violão, conversar. Foi muito importante viver isso”, afirma Paula Ferrari, 32 anos. Os irmãos foram aos bares da época, aos happy hours da Universidade de Brasília, às festas em chácaras, no Lago Norte ou em Sobradinho. “A gente pedia carona para as pessoas na rua até chegar na festa. E para voltar, fazíamos o mesmo ou voltávamos a pé”, brinca Júlia.
Do convívio boêmio firmaram-se projetos de vida e ideias de trabalho. As turmas das festas se uniram em bandas, em grupos de teatro e, hoje, movimentam o cenário artístico local. “Meus pais costumavam dizer que a noite serve para fazer contatos. Acho que somos a prova disso, porque temos músicos, atrizes e atores na família. Quase todos os nossos amigos são da noite”, conta Lucas Ferrari, 31. E, mesmo com o nascimento das crianças, o grupo não deixou de viver a cultura noturna.
“A gente adapta a rotina às crianças. Vamos a locais em que elas podem dormir quando se cansarem, mas não deixamos de curtir”, garante Lucas, pai de Linda Julieta, 4. “A gente quer passar para os nossos filhos a importância da noite para a cultura. Dela, saem os artistas”, reforça Paula.
As experiências da década de 1990 foram fundamentais para criar os grupos que mantêm a cultura musical em atividade. A cooperação entre quem faz música eletrônica, quem se especializou em R&B (rhythm and blues) ou quem abre o estabelecimento para o forró define a noite brasiliense. “A noite daquela época era marcada pelo desplanejamento, pela autencidade, pela espontaneidade”, afirma Ju Pagul, proprietária do Balaio Café. Com isso, houve quem encontrasse um nicho de mercado. “Muitas das pessoas que hoje são produtoras eram frequentadoras no passado. Começaram tocando em matinês”, conta o produtor Luidj, da festa Laboratório. Segundo ele, público e frequentadores foram crescendo juntos. “Formaram-se núcleos que deram força para a música de Brasília”, avalia. As festas, inclusive, integram outras áreas da cultura. A Mimosa é um bom exemplo disso.
Nesse cenário, a qualidade das festas foi melhorando, na avaliação do produtor Chico Aquino. “Hoje, a postura profissional ganhou espaço. Em um primeiro momento, houve a busca dos produtores por fazer algo melhor, uma posição mais cuidadosa para que crescêssemos como profissionais. Depois, a demanda passou a exigir mais, passou-se a uma relação mais comercial com o público”, destaca o produtor das festas Mistura Fina e Makossa. Para ele, o público se recicla de tempos em tempos. “Muda o público porque muda a geração. Aparecem novos comportamentos, novas linhas musicais. As festas são influência da geração que as frequenta”, analisa.
Ainda assim, a noite se firma derrubando obstáculos. “A gente tem que enfrentar uma ditadura subjetiva, com o toque de recolher que há na cidade. Vejo uma angústia de algumas pessoas em verem as outras felizes e, por isso, procuram empecilhos para quem quer viver a noite. Os produtores se unem para manter a atividade cultural”, afirma Ju Pagul. Para ela, as mordaças com que se tenta sufocar a Brasília noturna, como a lei que estabelece em 55 decibéis o ruído máximo emitido em estabelecimentos, devem ser combatidas com cultura. “Tudo que é muito reprimido de um lado, tem outro que transborda. Temos que continuar promovendo a diversidade de identidades, de culturas”, afirma.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Balaio Café
ONDE
202 Norte
QUANDO
De terça-feira a domingo
O QUE É
Festa Play!
ONDE
Clube Asceb, na 904 Sul
QUANDO
Às sextas-feiras
O QUE É
Festa Moranga
ONDE
Outro Calaf, no Setor Bancário Sul
QUANDO
Às quartas-feiras
O QUE É
Festa Melanina
ONDE
Clube Ascade, no Setor de Clubes Sul
QUANDO
Variável
O QUE É
Festa Laboratório
ONDE
Star Night Club, no Setor Comercial Sul
QUANDO
Aos sábados
O QUE É
Festa Criolina
ONDE
Variável
QUANDO
Variável
O QUE É
Festa Mimosa
ONDE
Sem lugar fixo
QUANDO
Sem periodicidade definida
Sambistas do DF
A turma do batuque solidário
» Paloma Suertegaray
Os gramados sem-fim e a convidativa sombra dos ipês, mangueiras e abacateiros inspiram em cada brasiliense algo diferente. Para uma turma de músicos e amigos da Universidade de Brasília (UnB), despertaram a vontade de cantar samba. Encher as quadras com os sons de Alcione, Beth Carvalho, Ivone Lara e Roberto Ribeiro tornou-se a missão do grupo. Com a ideia de levar adiante um trabalho social em alguma comunidade, decidiram unir a sede de batucada à solidariedade e surgiu, assim, o Samba na Rua. O evento, criado em 2013, é gratuito e ocorre, mensalmente, na Vila Telebrasília. Com o tempo, o público aumentou e hoje cada edição reúne em torno de 400 pessoas.
A ideia do projeto surgiu durante uma viagem das organizadoras Fernanda Jacob, 25 anos, também vocalista do grupo, e Ana Carolinha Boquadi, 31, à Cidade Maravilhosa. “Visitamos a famosa roda de samba do Rio de Janeiro, como a da Rua do Ouvidor, e tivemos a ideia de fazer algo parecido em Brasília”, conta Fernanda. A capital do país pode não ser a paisagem comumente relacionada ao som de pandeiros e cavaquinhos, mas o ritmo combina mais com as linhas de Oscar Niemeyer do que muitos pensam. O Samba na Rua ocorre numa área verde ao lado do campo de futebol comunitário da Vila Telebrasília. “A gente monta um espaço bem bonito, com mesas personalizadas e enfeites de chita. Também penduramos fotos dos nossos compositores favoritos. O clima é bem agradável”, acrescenta a cantora.
Um dos principais objetivos da iniciativa é levar entretenimento para comunidades carentes. “Quem mora na Vila Telebrasilia não tem tantas opções de lazer como outros lugares. Queremos facilitar o acesso dos moradores à arte e à música de qualidade”, diz Ana. Fernanda endossa o pensamento da colega e destaca a importância de ocupar os espaços públicos da cidade com iniciativas que levem qualidade de vida às pessoas. ‘Ações como o Samba na Rua ajudam a descentralizar a cultura e acabam atraindo gente de todos os lugares, criando um espaço onde fazer novas amizades”, diz a artista.
O público que frequenta o evento é bem variado e não falta animação. “Aparece gente de todos as tribos, desde o pessoal do samba, até os mais hippies e os que gostam de rap. Tem criança, tem idoso. É um evento bem familiar”, diz a percussionista Yara Alvarenga, 36. Ao todo, são sete músicos. “É comum que outros artistas amigos nossos venham para o Samba na Rua e acabem se somando à roda”, conta Fernanda. “É um samba muito democrático. Por isso, tem uma energia tão boa”, comenta o cantor e percussionista Fabinho Samba, 33.
O samba caiu tanto no gosto dos vizinhos da Vila Telebrasília que eles também colaboram para a realização do evento. “Um morador deixa que pluguemos os equipamentos na casa dele e nos fornece a luz, por exemplo", explica o encarregado de som Abayomi Mandela, 29. O evento foi se expandindo e também engloba outras atividades. “Além dos ambulantes, que têm no Samba na Rua uma oportunidade de trabalho, geralmente é montada uma ferinha de comida, onde são vendidos produtos veganos e vegetarianos”, explica Yara. Também há estandes de camisetas, itens de brechó e bijuterias. Tanto os integrantes da organização e da banda como os próprios membros da comunidade ajudam na divulgação do evento, feita toda pelas redes sociais.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Grupo de músicos e estudantes da UnB organizam, mensalmente, o evento "Samba na rua", e tocam de graça pra comunidades carentes
ONDE
Vila Telebrasília
QUANTOS
400 pessoas por edição
QUEM VAI
Moradores da Vila, do Plano Piloto e de outras regiões administrativas
HÁ QUANTO TEMPO
Desde 2013
Concurseiros
A turma do que passou, passou
Durante a construção de Brasília e os 55 anos que se passaram desde a inauguração, a cidade expandiu-se com a promessa de oportunidade de emprego e vida nova. Quando, em 1988, a Constituição consagrou o concurso público como regra para o preenchimento de cargos e empregos efetivos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário, Brasília, sede dos Três Poderes, afirmou-se como o lar dos servidores. Não à toa, nada menos que 22,2% da população economicamente ativa do DF — 238,8 mil pessoas — trabalham no setor público, segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan). E mais 250 mil candidatos se preparam para concursos — qualquer que seja — diariamente.
Ao contrário de quase todos os demais grupos que se formam e ocupam a capital, os concurseiros não têm um ponto definido. Tampouco andam em bandos pela cidade. Claro que um pulo nas principais bibliotecas de Brasília torna-se convite para vêlos ali, quase agrupados, mas ainda assim separados por uma mesa, uma cadeira e, especialmente, pela concorrência. Apesar disso, no universo virtual a coisa muda de figura. Um intrincado mundo de possibilidades e companheirismo se abre quando se trata de novas ferramentas de interação. Grupos em redes sociais com mais de 100 mil participantes, aplicativos de estudo no celular, mensageiros instantâneos com os colegas do cursinho… O intercâmbio de informações é ilimitado.
Rafael Ferraz, 32 anos, por exemplo, prepara-se há um ano e meio para concursos. Pela manhã, ele estuda na Biblioteca Nacional de Brasília e aproveita para conferir apostilas on-line, resolver exercícios e fazer testes em aplicativos para o celular. “Participo de quatro grupos no Facebook e também no WhatsApp. O pessoal sempre compartilha dicas e links para testes. São todos prestativos.”
A cultura concurseira é tão forte na capital que até algumas escolas de ensino médio acrescentaram a disciplina de noções de direito à grade dos estudantes, conta o professor Rodrigo Francelino. “Isso não é comum em outras cidades. Mas acho positivo para o aluno, porque, mesmo que não faça concurso, está aprendendo temas importantes para a boa cidadania”, acredita.
Aos 16 anos, Tatyana Alves, agora com 31, decidiu abandonar a cidade de Araguaína, no interior de Tocantins, para buscar oportunidades melhores. A realidade vivida pelas amigas servidoras públicas pareceu uma boa opção e, estimulada por elas, começou a pegar firme nos estudos. “Eu realmente enxerguei uma oportunidade. Brasília é a capital dos concursos.”
Tatyana acredita que Brasília impõe níveis mais puxados de concorrência. “Aqui meu estudo precisa ser de alto nível, porque enquanto eu não me preparo tem 10 mil candidatos querendo minha vaga”, exagera. No DF, calcula-se que cada candidato gaste de R$ 3 mil a R$ 6 mil por ano, ao estudar para um cargo de nível médio.
FICHA TÉCNICA
ONDE É
Biblioteca Nacional de Brasília (BNB)
ONDE FICA
Setor Cultural Sul, Lote 2 — Esplanada dos Ministérios. Entre o Setor Bancário Sul e a Rodoviária do Plano Piloto
QUEM VAI
Concurseiros
QUANDO VAI
Durante a semana, das 8h às 19h45, e nos fins de semana, das 8h às 14h
HÁ QUANTO TEMPO
Foi aberta ao público em 12 de dezembro de 2008
Fotografia
Cidade desconstruída em imagens
O céu, o lago, os monumentos, a vegetação crispada, as flores da estação seca. Brasília oferece uma infinidade de elementos capazes de inspirar qualquer fotografia, daquela tirada com o celular à da câmera profissional. Com ou sem filtro. Digital ou analógica. Diante das lentes de fotógrafos que nasceram na capital ou que a adotaram com o tempo, a cidade já tem registros que viraram clichês, mas também ganhou representações que a desconstroem para revelar um olhar único.
Antes mesmo de ser inaugurada, Brasília já abrigava um dos fotógrafos que hoje a representa em todo o país. Kazuo Okubo nasceu em 1959, no Núcleo Bandeirante. O pai, natural de Batatais, próximo a Ribeirão Preto (SP), veio trabalhar no hotel do irmão mais velho. Quatro meses depois, no entanto, o empreendimento foi vendido e ele passou a atuar como balconista em uma loja de fotografia. Foi aí que o ofício entrou na vida da família, conforme relata Kazuo.
Hoje, aos 55 anos, mesma idade da capital, Kazuo conta que decidiu dar um novo rumo à carreira ao investir também na fotografia autoral. Em 2009, abriu a galeria A Casa da Luz Vermelha, em que reúne o trabalho de 36 artistas da cidade, sob a curadoria da arquiteta Rosely Nakagawa. “Nós, fotógrafos, somos os novos contadores de história”, relata. “A fotografia não tem o limite nem do idioma nem da alfabetização”, completa.
João Paulo Barbosa, 42 anos, é um dos profissionais que fazem parte do grupo e relata que, sempre que viaja para fora e volta para a cidade, aproveita para refrescar o olhar e renovar a admiração que tem por ela. “Eu acho Brasília uma cidade muito privilegiada para você fotografar, porque tem luz o tempo inteiro. É uma cidade muito fotogênica”, afirma.
Novas representações
O Espaço f/508 é outro ponto de reunião de fotógrafos da cidade. A fotografia foi o motivo que manteve na cidade o carioca Humberto Lemos, 55 anos, fundador do coletivo. Em 2005, ele reuniu um grupo de profissionais e de amadores da foto que compartilhavam interesses. Hoje, o espaço fica num edifício com vista inspiradora para o Parque Olhos d’Água e conta com diversos colaboradores, além do Quintal f/508, que oferece um café e funciona como local para receber eventos literários, de música e de fotografia. Deu origem ainda ao grupo Asa 400, de fotógrafos mais jovens.
“A gente desconstrói a imagem clássica de Brasília, não no sentido ruim da palavra, mas no sentido de ter uma visão diferenciada sobre a cidade”, explica Humberto. A intenção é fugir dos clichês da paisagem e dos monumentos e buscar novas representações. “O nosso tipo de fotografia é diferente, ela sai do documental e vai muito para o experimental.”
"Eu amo esta cidade demais. Acho Brasília sensacional. Brasília
é fotogênica e única, não existe lugar no mundo igual”
Kazuo Okubo, fotógrafo
FICHA TÉCNICA
O QUE É
A Casa da Luz Vermelha e o Espaço f/508
ONDE
Asbac (Setor de Clubes Sul) e 413 Norte, Bloco D, Sala 113
QUANTOS
A Casa da Luz Vermelha recebe cerca de 100 visitas por semana e o Espaço f/508, entre 80 e 100
QUEM VAI
Fotógrafos e admiradores da fotografia
HÁ QUANTO TEMPO
A Casa da Luz Vermelha foi inaugurada em 2009 e o Espaço f/508, em 2005
Educação
Cultivando lembranças da escola
“Nenhum acontecimento é mais auspicioso para esta cidade, depois de sua fundação, do que o ato que aqui nos reúne.” Foi com essas palavras que o então presidente Juscelino Kubitschek começou seu discurso, no dia da inauguração do primeiro colégio de Brasília, o Centro Educacional Caseb, em 19 de maio de 1960. Além de levar conhecimento aos filhos de pioneiros, a instituição moldou as mentes de jovens que ajudariam a consolidar a capital e revolucionou os métodos de ensino. Na inovadora escola, a sala de aula tornou-se um espaço democrático, onde professores e alunos participavam igualmente, e onde a paixão pelo estudo era incentivada diariamente. Quem teve a chance de fazer parte da trajetória da escola acumula boas lembranças, guardadas com carinho. As amizades formadas entre os muros do Caseb perduram até hoje, assim como o amor por um dos mais tradicionais colégios da capital.
O nome da escola corresponde à sigla da Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília, entidade encarregada de gerenciar a rede de ensino da capital e que foi criada pelo Ministério de Educação a pedido de JK, em 1959. O Caseb foi construído em apenas 68 dias, para receber jovens transferidos de outros estados. Com o propósito de acabar a obra a tempo, os operários trabalhavam em dois turnos, 24 horas sem interrupção ou descanso aos domingos. O prédio foi arquitetado em forma de “H”, simbolizando a palavra “humanidade”, o que resume bem o projeto de ensino progressista que seria implementado no colégio.
A atual presidente da Associação de Ex-Alunos e Ex-Professores do Caseb (Alumni-Caseb), Cosete Ramos, 74 anos, integrou a primeira turma da instituição e destaca como, na época, o colégio era muito diferente de todos os outros. “Os professores vieram de diversas partes do país, com cabeça de pioneiros, querendo fazer um trabalho diferente. Em vez de seguir metodologias engessadas, os docentes discutiam ideias para as aulas junto das turmas, numa relação de respeito e admiração mútuos”, relata.
A instituição funcionava em tempo integral. Com a convivência intensa, os alunos fizeram fortes amizades, mantidas até hoje. Muitos desses laços foram criados nos diversos “clubes” do colégio. “Tinha o da música, o do futebol, da ginástica, do xadrez. Eram muitos e tiveram um impacto muito positivo na educação”, conta o ex-docente Pedro Rodrigues, 86 anos.
Visita ilustre
Dentre as memórias mais queridas do seu tempo na escola, os antigos alunos destacam o momento da chegada de JK à escola no dia em que foi inaugurada. Ele foi recebido pelos 360 estudantes e 60 professores. “Logo depois que ele entrou, as crianças e os jovens começaram a gritar e correram para abraçá-lo. Ele ria”, lembra Cosete. O presidente visitaria a instituição uma segunda vez, em ocasião da formatura da primeira turma do colégio. Durante a cerimônia, foi a própria Cosete que leu um texto para comemorar o momento. “Ele ficou emocionado com as palavras. Posso dizer que fiz Juscelino chorar”, complementa. Conservar o legado de inovação deixado pelas primeiras gerações da escola é o principal objetivo da atual gestão. Atualmente, são 800 alunos — 120 em regime integral — e 60 professores.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Alunos e professores de várias gerações do Caseb declaram seu amor pelo tradicional colégio
ONDE
SGAS 909
QUANTOS
Atualmente, são 800 estudantes e 60 docentes
QUEM VAI
Alunos e professores das mais variadas idades
HÁ QUANTO TEMPO
55 anos
Comércio
De comércio e de encontros
» Cristina Ávila - Especial para o Correio
Minutos antes de os bancos abrirem, às 11h, até por volta das 14h, uma multidão ocupa o Setor Comercial Sul (SCS). É a hora do pique, de segunda a sexta-feira. Entre 100 mil e até 400 mil pessoas cruzam as galerias de prédios antigos que se aglomeram em apenas seis quadras no coração de Brasília. Um mundo em que os trabalhadores enfrentam o corre-corre pesado, mas onde também descobrem a descontração nos espaços públicos, especialmente nos intervalos da folga do almoço.
O Setor Comercial Sul é um lugar atípico na capital do país. Nada tem do glamour arquitetônico dos palácios vizinhos, e também não tem a valorização imobiliária que seria natural, devido à localização próxima ao centro do poder. Com problemas de estacionamento, ruas congestionadas pelo trânsito de automóveis e calçadas malcuidadas, o SCS traz desconforto aos transeuntes, que trabalham, buscam serviços e, em alguns casos, até mesmo moram em seus 65 condomínios — onde funcionam quase 3 mil empresas, em 3.300 salas comerciais, cerca de 40 restaurantes, mais de uma dezena de bares e outra dezena de lanchonetes.
Apesar de feio, o Setor Comercial Sul tem calor humano. E o seu cotidiano é recheado de momentos alegres, vividos por pessoas interessantes. A Praça do Povo é um dos pontos preferidos para relaxar. Todos os dias, é ocupada por diversos grupinhos que curtem um bate-papo enquanto aguardam a hora de voltar à jornada de trabalho. “Algumas pessoas até compram marmita nos restaurantes e vêm comer aqui na praça. O lugar não está muito adequado, poderia ser arrumado, mas, ainda assim, é o melhor lugar, e a gente gosta de se encontrar aqui”, conta Elizabeth Mendes.
Funcionária de uma empresa de telemarketing, todos os dias ela se reúne na praça com os colegas. “Fico quase duas horas aqui. Hoje, estava lendo um livro, o pessoal chegou e eu larguei a leitura para conversar”, diz Elizabeth. “Aqui tem amizade e tem namoro”, brinca Wenney de Carvalho. “A gente gosta porque é um lugar ventilado, perto do trabalho. Ajuda a tirar um pouco o estresse do dia a dia”, explica. “Sempre temos uma história nova para contar”, completa Ilma Belém.
Ao meio-dia, os restaurantes também estão cheios de turmas entrando e saindo. As pessoas costumam almoçar com os colegas de trabalho, levando para o Setor Comercial Sul um pouco do aconchego que teriam em casa com a família. Depois, com mais uns minutos até o retorno para as empresas, os colegas aproveitam para pagar alguma conta nas agências bancárias que se localizam por ali, e passeiam observando as múltiplas opções de produtos oferecidos pelos camelôs. Os ambulantes, por alguns momentos, enchem as galerias e, em seguida, somem todos, deixam o grande vão livre, enquanto correm e se escondem da fiscalização do GDF. Ficam apenas os que têm negócios regularizados, como os sapateiros, que trabalham em 20 cadeiras instaladas no SCS. A permanência deles, entretanto, nem sempre significa tranquilidade, como revela seu Chiquinho, que tem 74 anos e há cerca de 40 ganha ali o pão de cada dia. “A coisa não tá boa, não. Hoje, a maioria usa tênis”, reclama.
Entre as alternativas do pequeno comércio de rua do Setor Comercial Sul está o sebo da livreira Fátima Pestana. Há 30 anos, ela resolveu ocupar alguns metros quadrados da urbanidade desse nicho brasiliense. E se tornou uma opção para quem gosta de ler e aproveitar bem o momento de folga no trabalho. Cliente dela, Renato Henrique é funcionário de um escritório vizinho e conta que descobriu a banca num desses passeios ao meio-dia. “Já comprei tanto que agora eles me dão desconto”, conta.
Fátima Pestana montou o negócio quando tinha apenas 17 anos. Ela gostava tanto de ler que já tinha 5 mil volumes, que não cabiam mais em casa. Resolveu, então, colocar o que podia embaixo do braço, pegou um ônibus no Novo Gama para a Rodoviária do Plano Piloto e veio estender uma toalhinha ali no chão mesmo da galeria. Assim, começou uma longa história de vida. E logo conheceu o marido, que trabalhava na W3 Sul e passava para ver as obras disponíveis. Ambos tinham muito em comum: ele também gostava de ler e de juntar livros. Os dois uniram as bibliotecas, se casaram e tiveram três filhos. As crianças foram criadas lendo gibi embaixo da banca que então foi criada e se tornou um negócio formalizado. Os filhos hoje são adultos e leitores assíduos — claro.
Dominó
Passar a hora do almoço embaixo de uma árvore também pode ser excelente programa nos dias quentes de Brasília. Ainda mais se for para jogar damas e fazer amigos. Porém, é um programa de cavalheiros. Somente homens se reúnem para as partidas. As pedras e os banquinhos são trazidos pelo seu Fafá, todos os dias, por volta das 12h15. Ele tem 82 anos e dirige o próprio carro. Mora na
Asa Norte e, quando chega, os parceiros já estão esperando. Essa rotina já dura uns quatro anos.
“Jogamos na hora do almoço de segunda a sexta-feira”, conta Edinilson Silva, servidor público que trabalha no Setor Comercial Sul. “Os jogadores de dama, em regra, reúnem-se em praças para treinar e se divertir. Essa é uma cultura nacional”, explica o auditor Wellington Monte de Paula. Ele tem títulos de campeão em Alagoas e Pernambuco, mora em Maceió e veio a Brasília a trabalho. Mas aproveitou a hora do almoço para conhecer e jogar com a turma brasiliense.
O lugar despretensioso sob a árvore de sombra fresca no Setor Comercial Sul reúne pessoas de diversas profissões, jovens e senhores. Como o estilista de moda masculina, Alberuaz Neves, que trabalha no SCS e também reúne títulos de campeão em torneios de Brasília e Belo Horizonte. “A praça é o bate-bola, mas há locais próprios para os jogos oficiais”, relatam os jogadores.
FICHA TÉCNICA
QUEM VAI
Trabalhadores, vendedores ambulantes
QUANDO VAI
Diariamente
HÁ QUANTO TEMPO
Os primeiros prédios foram ocupados nos anos 1970
Diversidade
#eusoubsb, eu sou feliz
» Maryna Lacerda
» Roberta Pinheiro
» Paloma Suertegaray
A capital fundada por Juscelino Kubitschek, inventada por Lucio Costa, pontuada com as obras de Oscar Niemeyer, e edificada ano após ano por gente de todos os rincões do Brasil chega aos 55 anos de existência. A cidade, que tinha como lugar comum a “frieza” urbana, alcança a maturidade se reinventando a cada dia pelas mãos de brasilienses nativos ou de coração. E eles, que amam Brasília, se encontraram nas redes sociais do Correio Braziliense para declarar toda a paixão pela cidade erguida no meio do Planalto Central.
Hoje, o aniversário da cidade é celebrado com os variados sotaques, cores, estilos e características das turmas de Brasília. São os roqueiros, os atores e as atrizes, os amantes do sonho de JK, os palhaços solidários, os esportistas e muitos outros grupos que ocupam os espaços abertos deixados por Niemeyer.
Com a hashtag #eusoubsb, eles compartilharam histórias, fotos e mostraram a cara e a identidade cultural da cidade. Sim, Brasília tem o seu jeito de falar e a sua identidade cultural.
Para comemorar o aniversário, o Correio reuniu representantes de todas as turmas no coração da capital. O encontro, antes virtual, se materializou no gramado da Esplanada dos Ministérios. “Eu amo ver o céu de Brasília, o verde, que é único, a paisagem plana. É isso, o contraste entre o céu azul e o verde de nossa terra”, declara a promotora de eventos Vera Rabelo, 42 anos.
A administradora Maria Cláudia Nunes Pinheiro, 33 anos, e sua família representam a Brasília pernambucana. “Amo a capital, minha história e meus planos futuros estão ligados a ela”, diz. A mãe de Maria, Rosalba Nunes, 66, compartilha a paixão pela cidade. “A melhor decisão da minha vida foi vir para cá”, afirma a aposentada.
“Espetáculo” e “cidade projetada para ser única” são os termos que melhor definem a capital para o grupo Urbanistas por Brasília. Os Anjalhaços, que espalham alegria por hospitais de Brasília, enxergam na cidade traços de solidariedade. Mas para a turma da Biblioteca Braile e do Cursinho Gratuito, inclusão e oportunidade são a cara de Brasília. Sob olhar de uma nova geração de estudantes da Universidade de Brasília (UnB), a cidade é “um lugar de possibilidades.”
No quadradinho dentro de Goiás, as diferentes gerações de uma mesma Brasília escancaram a pluralidade de um povo forjado pelo sol e pela seca; pelo colorido dos ipês e pelo entardecer único alaranjado no horizonte. A foto acima reúne um pouco do desejo brasiliense de fortalecer o sentido de pertencimento a Brasília. Parabéns!
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Turmas da hashtag #eusoubsb
ONDE
Esplanada dos Ministérios
QUANTOS
Mais de 50 pessoas
QUEM
Jovens, adultos e idosos; homens e mulheres; atores e atrizes; funcionários públicos; esportistas; baladeiros; arquitetos e urbanistas
Redes Sociais
Laços (modernos) de amizade
Luísa Melo morava em Taguatinga até começar a fazer faculdade, em 2009, o que a motivou a se mudar para o Plano Piloto. “Foi um contraste, me perguntava por que era tão diferente. A cidade parecia muito vazia, tinha a escala bucólica e tal. Isso aumenta as distâncias, e o contato físico não acontece”, constatou a então estudante de design da Universidade de Brasília (UnB).
Em 2013, ela se juntou aos colegas de turma Débora Nogueira e João Leite para pensar em uma iniciativa virtual capaz de se tornar um ponto de encontro entre pessoas com interesses em comum, mas que não se esbarravam pelas quadras da cidade. Nasceu o Compartilhando o Pilotis, hoje uma comunidade virtual com 1.329 membros divididos em categorias de interesse como “Colocando em prática”, “Chega de ficar em casa”, “Precisa de uma mãozinha?” e “E no tempo livre a gente podia…”.
O grupo foi montado como estudo de caso para o trabalho de conclusão de curso, mas foi além da experiência. “A gente queria um projeto que tivesse real implicação na vida das pessoas. E percebendo as características da cidade, a gente iria tentar mudar algo”, explica Luisa, 24 anos.
São sete categorias entre as quais há desde o oferecimento de serviços e produtos até propostas de programas, encontros para cozinhar, grupos de leitura, dicas para dançar, iniciativas de hortas comunitárias e ofertas de doações. “A gente não tem muita noção real das trocas porque as pessoas acabam conversando inbox, mas o retorno é saber que há possibilidade de elas se encontrarem, mesmo com um planejamento urbano que dificulta isso”, aponta Luisa.
Danilo Fernandes é de Ribeirão Preto (SP), tem 27 anos e já morou em várias metrópoles. Quando chega a um lugar novo, se esforça para criar laços de amizade. Há dois anos, se mudou para Brasília e ficou encantado com a cidade. Acreditava que na capital federal, sem o trânsito e o estresse de cidades como São Paulo, as pessoas tinham mais tempo para encontrar os amigos. Descobriu que até tinham, mas precisou de uma ajudinha.
Conversas
Consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), conheceu o Compartilhando o Pilotis logo que os administradores fundaram o grupo e participou da primeira reunião dos integrantes. Fernandes não conhecia ninguém e conseguiu construir uma rede de amigos graças ao grupo.
Primeiro, encontrou outros três usuários para conversar em francês em um café. No segundo encontro, o grupo cresceu: 12 pessoas se reuniram para jantar e cozinhar na casa do próprio Fernandes. “Não conhecia quase ninguém e todos que encontrei no grupo viraram bons amigos”, conta.
Nascida em Itaguatins, cidade próxima ao Rio Tocantins, a estudante de psicologia Tádlla Araújo ganhou amigos, entrou para um coral e fez curso de pintura facial graças à participação no Compartilhando o Pilotis. Ela descobriu o grupo há dois anos. “Brasília é a cidade que mais causa solidão no mundo, é muito setorizada, mas quem é daqui não se acostuma em outro lugar”, repara Tádlla.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Um grupo no Facebook para os moradores de BSB compartilharem produtos, serviços e amigos
ONDE
QUANTOS
1.342 membros
QUEM VAI
Qualquer brasiliense
HÁ QUANTO TEMPO
6 anos
Lago Paranoá
Muita diversão nas margens
»Mariana Niederauer - Especial para o Correio
O Lago Paranoá foi criado com o objetivo de embelezar a cidade e amenizar o clima seco do cerrado. Com o tempo, suas margens também deram lugar a espaços onde moradores e turistas admiram e desfrutam as águas feitas para encantar. Com o esforço da comunidade ou por iniciativa da administração pública, a beira do lago ganhou novos locais de lazer ao ar livre.
A brasiliense Ana Lúcia Tolentino, 35 anos, é apaixonada pela cidade e acompanha o marido e a filha em diferentes atividades às margens do lago, da corrida à natação. “Eu gosto de ver gente diferente, de ficar ao ar livre, de deixar minha filha mais à vontade e em contato com a natureza, com a água e com a areia, coisa que, durante a semana, não tem como a gente fazer. É uma forma de diversão”, afirma. A filha, Melissa Tolentino, 4, aprendeu a nadar cedo e adora ir para o lago.
Mesmo morando em Planaltina (GO), a família não desperdiça os fins de semana ensolarados e não se cansa de admirar a beleza da capital. “Já viajamos pelo Nordeste, no Sul e no Sudeste, mas eu não troco Brasília por nenhum desses lugares. Acho que é o melhor lugar para se viver. Eu nem sei explicar; amo a cidade, não troco por lugar nenhum”, exalta Ana Lúcia. Ela frequenta diversos locais às margens do lago e, no último fim de semana, foi com a família para o Centro de Lazer Beira Lago, ao lado da Ponte JK. O espaço foi inaugurado em 17 de abril de 2011, como parte de uma série de projetos para revitalizar e garantir o acesso do público às margens do Lago Paranoá. Além do calçadão para prática de caminhada, o local conta com um parquinho para crianças e há restaurantes e bares nas proximidades.
O espaço também promove encontros entre amigos no tempo livre. O militar Jacy Barbosa, 44 anos, levou a esposa, Marcia, 42, e as filhas Mariana, 12, e Letícia, 8, para nadar no lago. “Gostamos muito de estar perto da natureza”, conta Marcia. Eles encontraram por lá a amiga Wendy Buarque, 27 anos, mãe de Julia, 10, e Isadora, 8. “Elas gostam muito de nadar no lago e estão bem acostumadas a isso, pois eu as trago sempre aqui”, relata Wendy. Essa é a terceira passagem da família de Jacy e Marcia por Brasília, em razão do trabalho dele. Eles moram no Setor Militar Urbano e têm vontade de ficar na capital dessa vez. “É uma cidade diferente. Ou você realmente gosta desse estilo ou você não se adapta”, diz Jacy.
Outro espaço que atrai os moradores para as margens do lago é o Parque das Garças, localizado no fim do Lago Norte, próximo ao Clube do Congresso. Além dos atletas que nadam e praticam outros esportes dentro d’água, quem mora por perto aproveita para fazer piquenique e se refrescar. Alice Gollo, 31 anos, mora na Granja do Torto e, sempre que possível, frequenta o local com o marido, Leandro, 30, e a filha, Nina, 2. Não é necessário nem mesmo se programar com antecedência: se o sol aparece, dá para passar por lá e aproveitar a beira do lago. “A gente fica quatro horas, no máximo. Então, eu trago algumas frutas, algo não gere muito lixo, e bastante água”, conta Alice.
O local foi revitalizado há seis anos, por iniciativa da Associação dos Amigos do Parque das Garças. De acordo com dados da associação, nos fins de semana com sol passam pelo parque entre 500 e 800 pessoas.
40km
Extensão do Lago
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Centro de Lazer Beira Lago e Parque das Garças
ONDE
Lago Sul, próximo à Ponte JK, e Lago Norte, próximo ao Clube do Congresso
QUANTO CUSTA
De graça
QUEM VAI
Moradores da cidade, turistas e atletas
HÁ QUANTO TEMPO
O centro de lazer foi inaugurado em 2011 e o parque, revitalizado em 2009
Esporte
Neste time, todo mundo joga
»Mirelle Pinheiro
Mesmo antes da inauguração, em 21 de abril de 1960, a capital não era palco só de arquitetos e políticos que por aqui desembarcavam, mas do tradicional futebol dos pioneiros, que se revezavam entre o serviço com concreto e meia dúzia de embaixadinhas. As peladas eram realizadas em areia, grama ou terra batida. Em meio às quatro linhas: traves — sempre improvisadas com pedaços de madeira — e bolas de capotão, couro ou, até mesmo, de meias enroladas. Os campos do Parque Nacional e os lotes vazios da Candangolândia eram tentadores para os boleiros que construíram Brasília.
Hábito do passado, jogar bola ganhou força no presente. E a pelada se institucionalizou. Com 120 integrantes, o grupo idealizado por Eduardo Toshiaki é o retrato do quanto o futebol amador é democrático. Criado em 1998, o encontro semanal é composto por homens e mulheres, embaixadores e crianças. O jogo ocorre na quadra poliesportiva de uma escola do Lago Sul, sempre às sextas, às 23h.
De longe, escuta-se o barulho da bola e de uma torcida que varia os decibéis de acordo com o quórum. Alguns integrantes se revezam como gandulas, outros ficam no placar e marcam o tempo. Expressões em inglês, japonês, turco e até vietnamita são ouvidas entre o vaivém da bola. Para os jogadores amadores, nem mesmo a diferença de idioma é obstáculo. “É só fazer mímica que dá tudo certo”, brinca o analista de sistemas Ricardo Barbosa, 35 anos, peladeiro assíduo.
O grupo, que mais parece uma família, costuma organizar uma versão própria do chá de fraldas quando alguém se torna papai: o futfralda. Festas de aniversário e de despedida, no caso dos estrangeiros, são realizadas na quadra, com direito a bons petiscos. As comemorações de fim de ano são com os companheiros dentro de campo. “No ano passado, o ano-novo e o Natal caíram no dia da pelada e, mesmo assim, veio muita gente, o jogo foi incrível”, lembra o contador Almir Junior, 25.
Quando questionados se preferem o futebol ou a tradicional balada de sexta-feira, a resposta é a mesma: não trocam as quatro linhas por nada. Médicos, advogados e universitários guardam roupas e chuteiras no carro, nem mesmo a rotina de provas e plantões faz com que o futebol seja cancelado.
Em Brasília, não atuam ícones do futebol, mas, em clássicos de times desconhecidos, os atletas levam os jogos com muito humor. Aliás, essa é a marca registrada das equipes que compõem a Liga dos Peladeiros de Brasília (LPB). Disputas entre Bar sem Lona e o Real Madruga ocorrem semanalmente nas quadras do Plano Piloto. Formada por integrantes de 15 a 40 anos, a liga não permite profissionais.
Cada clube tem logomarcas e uniformes. Para prevalecer o clima de tranquilidade, o perfil dos novos integrantes é analisado pela comissão organizadora. “A LPB oferece um nível maior de interação entre os jogadores. A amizade é algo positivo que temos como consequência”, explica o projetista e presidente da liga, Rafael Almeida, 25.
Pode isso?
Até mesmo as peladas têm regras básicas. Com a necessidade de organizar essas partidas, surgiu o árbitro amador, que atua sozinho ou com um grupo de bandeirinhas. Apesar de serem apenas entusiastas do esporte e sem formação na área, os que desempenham essa função vestem, literalmente, a camisa. “Compro roupas apropriadas para mim e para os bandeirinhas, assim como cartões e bons apitos. Levo a sério e invisto nisso, o atleta não respeita um juiz bagunçado”, diz o garçom Carlos Rocha, 35 anos, que chega a apitar 18 jogos no Distrito Federal em um mês.
Inspiração
O Judas FC antes se chamava Ratos Traiçoeiros; o time tem muitos jogadores, mas “pouco confiáveis”, brincam. O Real Madruga Futebol e Cerveja faz o trocadilho com o poderoso time do Real Madrid. A escolha do Seu Madruga para ilustrar a equipe foi por conta da identificação imediata por qualquer brasileiro. “Ele é um mito, todos o amam”, destaca o presidente da liga. Já o Bar sem Lona foi criado para que se tenha um clássico também no mundo das peladas: Real Madruga vs Bar sem Lona. E o Guiñazu UFC, é uma homenagem ao raçudo jogador argentino e inimigo das canelas adversárias, Guiñazu, ídolo do Internacional e do Vasco.
A versão mais moderna
Saber em tempo real onde está ocorrendo a pelada mais próxima, tabelas de desempenho bem como contribuições em dinheiro de cada integrante, tudo isso é de fácil acesso e pode ser executado na palma da mão.
A tecnologia, definitivamente, se tornou aliada dos boleiros.
Aplicativos
Jogabo
(em inglês, de graça para iPhones/Android)
Encontra jogos amadores em qualquer lugar do mundo. Por meio de um mapa, o aplicativo indica onde os grupos estão jogando, permite interagir e até mesmo participar da pelada.
Dono da Bola
(em português, gratuito para iPhone/Android)
Gerencia os jogadores, fluxo de
caixa, insere integrantes em
uma lista de contatos e permite
o envio de estatísticas de
desempenho físico por e-mail.
Pelada Manager
(em português, gratuito para iPhones/Android)
Seleciona os jogadores e organiza
times de forma aleatória,
permite o cadastro de atletas
com direito a foto e telefones.
Peladeitor
(em português, gratuito para iPhone/Android)
Além de organizar os times,
o app oferece o recurso de contagem regressiva, lista de jogadores das
próximas partidas e a pontuação.
Criatividade
O ponto de encontro de todas as tribos
»Roberta Pinheiro
Sábado de manhã, a janela revela o sol brilhante e um clima agradável. Diante do cenário, cariocas, baianos e capixabas não pensariam duas vezes antes de aarrumar o guarda-sol e ir à praia. Os brasilienses, infelizmente, não têm mar. “Juscelino Kubitschek só esqueceu a praia”, é um comentário comum entre candangos. Mas, para quem tem criatividade, tal ausência não chega a ser um problema. Na beira do Lago Paranoá ou mesmo no Parque da Cidade, a população da capital estende a canga, coloca os pés na areia para jogar futevôlei, vôlei, correr, caminhar ou passear com as crianças.
“O parque é a minha praia”, resume o técnico e professor de futevôlei Edivan Souza, 48 anos, mais conhecido como Tchê. “Todas as tribos estão aqui. Gosto do verde e do céu de Brasília. Adotei a capital como minha cidade.” Tchê nasceu no Rio de Janeiro e veio para Brasília aos 18 anos. Ele armou a primeira rede do esporte no Parque da Cidade na década de 1990, quando a quadra de areia nem existia. Hoje, são vários espaços e diferentes modalidades esportivas e de lazer. Só na turma do futevôlei, Tchê estima que mais de 80 pessoas trocam passes por ali. Para marcar território, denominaram o grupo e o local como “Ilha do futevôlei”.
Depois do primeiro chute, membros inferiores, cabeça, ombros, peito e costas dançam para fazer a jogada perfeita. Como todo esporte, entre os amigos da Ilha do futevôlei não poderia faltar a competição. Quem perde um ponto recebe bronca e tem que encarar o olhar de censura do técnico. Mas, em seguida, vêm a brincadeira, a amizade e a diversão.
A turma dessa praia de Brasília é eclética. Na lista, tem policial, servidor público, advogado, fisioterapeuta e médico. Homens e mulheres. Boa parte trabalha próximo ao Parque e encaixa o treino nos intervalos do batente. Quem conta os detalhes e é a porta-voz do grupo é a campeã mundial Lana Miranda, 33 anos. “Aqui, somos uma família.” Eles marcam churrascos, trazem comida para um café da manhã reforçado com o pessoal que pratica vôlei e estão sempre conversando por meio das redes sociais.
A atleta é natural de Brasília e morou grande parte da infância na 207 Sul. “Fui criada embaixo do bloco”, conta. Afirma que não troca a cidade, mesmo já tendo viajado muito e contado com uma parceira de dupla que mora no Rio de Janeiro. “Sinto em Brasília uma tranquilidade, tanto do clima favorável à prática do meu esporte quanto dos brasilienses.” E, apesar de não ter praia ou mar, os integrantes do futevôlei criaram uma nova potencialidade para a capital do país. “Sou oito vezes campeã de um esporte de praia e Brasília não tem praia. Mas, aqui, a areia é uma das melhores, o clima é de praia e temos sol o ano todo”, diz Lana. Além disso, todos os jogadores destacam o verde que rodeia o parque como um elemento a mais de encanto.
Musicalidade e diversão
O Parque da Cidade é o mais extenso parque urbano da América Latina. Além das quadras, tem lagos artificiais, parque de diversões, centro hípico e pistas de caminhada, patinação e ciclismo. Como a cidade também é a capital do rock, não poderia faltar nesse amplo espaço de lazer muita música. Primeiro, ele ganhou fama com a canção Eduardo e Mônica, da brasiliense Legião Urbana. No ano passado, foi o local escolhido pelo ex-beatles Paul McCartney para um passeio de bicicleta. E, desde 2003, quem frequenta o Parque aos sábados ouve um balanço de percussão.
As mulheres do Batalá comandam tambores, bongôs e surdos e embalam o movimento do samba-reggae. O grupo é uma ideia de um baiano, Giba Gonçalves. Começou na França e, em 2002, chegou a Brasília na direção musical do professor Paulo Garcia, 36 anos. A capital era uma cidade sem tradição no ritmo, mas aberta às múltiplas possibilidades. Inicialmente, o ensaio era no gramado próximo à Funarte, mas, por conta da visibilidade do parque, passaram a ocupar a área. “Brasília tem uma cabeça mais aberta. É diferente dos outros lugares. O brasiliense se reinventa para criar sua identidade cultural. É autêntico”, comenta Paulo.
Ao todo, são cerca de 90 integrantes. Ao redor, dezenas de câmeras e olhares curiosos. “Tenho vontade de participar, pela turma em si. É uma equipe grande e animada. Podemos fazer novas amizades”, afirma a secretária Dilma Vallu, 45, que assistia a tudo de camarote. Acompanhadas dos filhos, que aproveitam para brincar, as mulheres dessa turma não perdem uma nota. O som do samba-reggae conquistou a aposentada Alexandra Tereza Frota, 56. Ela conheceu a turma por indicação de uma amiga e, ao ver um ensaio no Parque da Cidade, ficou apaixonada. “Mudou tudo na minha vida. Eu me tornei mais aberta e me deu mais estrutura. Tudo de ruim vai para o tambor. Saio daqui mais leve.”
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Pessoal do futevôlei e do grupo de percussão Batalá
ONDE
Parque da Cidade
QUANTOS
80 pessoas no futevôlei e 90 no Batalá
QUEM VAI
No futevôlei, atletas e fãs do esporte. O Batalá é formado só por mulheres
HÁ QUANTO TEMPO
Futevôlei: desde a década de 1990.
Batalá: Desde 2003
Bares
Os devotos da "botecoterapia"
»Roberta Pinheiro
Qualquer um que chega ao bar Piauí, na 403 Sul, por volta das 11h, quer participar da famosa Mesa da Diretoria. Ali, a reunião é regada por animação, muita conversa, histórias de todos os gêneros e bom humor. Os fundadores se serviram do primeiro copo de cerveja antes mesmo de o local levar esse nome, e a formação atual está lá há cerca de 20 anos. “Quem beber dessa água não larga mais”, definiu o consultor de empresa Hélio Antonio Pereira, 66 anos. Como alguns membros fumam, a mesa da diretoria se instalou debaixo de um grande ipê — cenário típico da vida brasiliense.
Assim como Brasília nos primeiros anos, a turma do boteco começou da mistura de sotaques e culturas. Mineiros, cariocas e, principalmente, nordestinos que tentavam a sorte na nova capital do país. O tempo agregou outras gerações e novos gostos. O advogado Berdrond Macedo, 42 anos, e o publicitário Alexandre Augusto de Almeida Moreira, 30, são os únicos genuinamente brasilienses. Eles foram chegando aos poucos. Alexandre conta que a primeira vez que viu a turma se interessou. “Comecei sentando perto deles e fiquei até ser convidado”, relembra aos risos. E o publicitário não se intimidou diante da maestria do grupo.
Fazer parte da mesa da diretoria não é para qualquer um. Cada integrante pode levar um amigo. No entanto, os novatos passam por um estágio probatório. “E quem faltar não recebe o 13º salário”, complementa o aposentado, “mas na ativa”, Semião Sobral de Faro, 74. Segundo os diretores e mais assíduos membros, o grupo se formou de forma simples: uma reunião de quem morava nas quadras próximas ao bar que vendia bebida barata. O vínculo ficou tão forte que mesmo quando alguém muda de casa, o compromisso da diretoria se mantém. Hélio vive hoje no Lago Norte, mas não perde o encontro. “É uma espécie de terapia. Permite que a gente descarregue as tensões e as questões pessoais”, comenta o consultor de empresa.
Na roda o que não falta é assunto. “A maioria é aposentada, mas fala mal do governo”, brincam. Os
temas são os mais diversos. Tem política, economia, amor e até música, já que um dos integrantes é compositor. “Esse cara é chato” é um dos hinos. Sem nada para lhe acompanhar, Lilo Penettra, 82 anos, dá uma palinha. “Como esse chato caminha, pega na mão de todo mundo e ainda quer pegar na minha. Olha, ele vem chegando, não aguento vou vazar. Meu ouvido não é pra isso e o meu pode estourar. Esse cara é chato”, canta. No fim, todos caem no riso e brindam a amizade que ali se formou. O brinde não precisa obrigatoriamente ser com cerveja ou outra bebida alcoólica. “Ela (cerveja) faz parte, mas hoje mesmo estou só na água”, mostra Hélio. O militar reformado Albano Fônseca Correira, 82 anos, às vezes fica apenas no café. Ele é um dos mais experientes já que está na área há 48 anos.
Sentada na mesa cativa, a turma conhece todo mundo do bar pelo nome. Os garçons e as garçonetes sabem o gosto de cada integrante. Depois de ouvir os relatos e conversar com os diretores, é inevitável questionar o porquê de a confraria dos lordes não ter mulheres. “Elas ficam sem jeito”, justificam.
FICHA TéCNICA
O QUE É
Todos os dias, às 11h, um grupo de homens se reúne no bar Piauí
ONDE
Bar Piauí, na 403 Sul
QUANTOS
10 pessoas
QUEM VAI
Apenas homens, de todas as idades. Muitos chegaram para a construção de Brasília
HÁ QUANTO TEMPO
Mais de 20 anos
Corredores
Pé na estrada e beat acelerado
»Rodrigo Antonelli
A Brasília que calça o tênis e sai em disparada rua afora é cada vez maior. A cidade que conta com o medalhista olímpico Joaquim Cruz e produz nomes importantes no cenário nacional — de Carmen de Oliveira a Caio Bonfim — já tem mais de 20 mil corredores que praticam o esporte ativamente. Mas esse número, quando inclui a turma eventual, cresce em progressão geométrica.
O que melhor ilustra a capital que respira, ofegante, corrida de rua, é uma tenda azul instalada estrategicamente no Parque da Cidade. Ali, sempre aos sábados, dezenas de adeptos da modalidade se encontram para iniciar treinos, trocar ideias ou simplesmente fazer amizade. “É o coração da corrida de rua em Brasília. Ali, muita gente se apaixona pelo esporte e começa a correr”, resume Ruiter Silva, responsável por montar a tenda todas as semanas, religiosamente, às 7h30, atrás da administração do Parque.
Ruiter é presidente do Corredores de Rua do DF (Cordf) e se orgulha do crescimento do grupo, que, de certa forma, é um exemplo do aumento de adeptos em toda a cidade. Hoje, o Cordf é o maior grupo do Centro-Oeste, com mais de 1.500 associados.
Não à toa, a história do Cordf confunde-se com o boom da prática em Brasília. Quando o grupo foi criado, em 1998, a modalidade ainda não era tão popular e correr nas provas mais importantes do país — como a São Silvestre — restringia-se a sonho para muitos. “A logística era muito complicada e foi com essa ideia, de organizar excursões para levar os principais atletas do DF para correr fora, que fundamos o Cordf. Mas jamais imaginamos que se tornaria tão grande”, conta Waldir Santos, um dos fundadores.
Em meados dos anos 1990, Waldir fazia parte do Corredores do Sol, grupo que se reunia para treinar, sempre ao meio-dia, também no Parque da Cidade. Não demorou muito até que a turma decidisse fundar um clube maior. Adeílton de Medeiros Cavalcante foi o primeiro presidente e, no ano passado, sete anos após sua morte, ganhou homenagem, com a criação do Dia do Corredor de Rua na data do seu aniversário: 9 de março.
Pontuação
O Parque da Cidade foi o local escolhido para a famosa tenda azul porque simboliza a democracia da corrida. No mais tradicional ponto dos atletas — profissionais, amadores e muito amadores —, há espaço para todos: desde quem treina diariamente para provas cross-country, usando a grama lateral como pista, àqueles que vão apenas uma vez por mês na tentativa de desobstruir a consciência, além das calorias.
Um dos principais trunfos do clube para manter tantos atletas ativos está no ranking anual, que contabiliza pontos em 18 provas escolhidas do calendário de corridas do Distrito Federal. Todos os associados somam pontos e, assim, cria-se uma espécie de competição entre os corredores. “É um incentivo. A cada ano, queremos melhorar nossas marcas e ficar num lugar melhor no ranking”, conta a servidora pública Alessandra Martins, 29 anos, que está no grupo desde 2010.
Regras
O ranking do Cordf leva em conta 18 provas, que vão de maratonas a corridas de 6km. O associado tem de participar de, no mínimo, seis corridas. Um método chamado “queniano” converte o tempo nas provas em pontos. As categorias são divididas em faixas etárias. Ao fim do ano, os três principais de cada categoria são condecorados com medalhas.
Você sabia?
» Nenhum dos percursos demarcados no Parque da Cidade tem medida exata: os 4km são, na verdade, 3,7km; os 6km são 5,7km; e os 10km são 9,7km.
» A primeira prova esportiva realizada em Brasília foi uma corrida de rua. Em 1958, ainda antes da inauguração, a cidade recebeu uma eliminatória da São Silvestre. A disputa foi assistida pelo presidente Juscelino Kubitschek.
» O trajeto do Eixo Monumental, da Praça dos Três Poderes à entrada da Epia, tem 10,5 quilômetros. Sendo assim, o caminho de ida e volta, partindo da praça, tem aproximadamente 21km, a distância de uma meia maratona.
Tecnologia
Ponto para trocar figurinhas
»Camila Costa
Elas resistiram. À globalização, ao avanço das tecnologias de comunicação, como a internet, e, principalmente, à modernidade dos meios: os smartphones e os tablets não facilitam. Mas as bancas de jornal da cidade, tão identificadas com Brasília, venceram o improvável e estão aí até hoje. São mais de 800 em área pública, em todo o DF. Duzentas só no Plano Piloto. E tem para todos os gostos. Das tradicionais às mais modernas. Cada uma com sua galera. Se o assunto é futebol, campeonato, álbum de figurinha, o ponto mais forte é a 106 Norte, na Banca do Brito. Há 16 anos, a turma da figurinha não deixa de completar um álbum. Os últimos preenchidos foram os da Copa América e o Tim Champions. “Somos, inclusive, um ponto famoso. Fica tão cheio que já tivemos até problema com a polícia por causa da quantidade de gente”, lembra José Gonçalves Brito, 50 anos, dono do ponto há 33, quando mais de 300 carros pararam em torno da banca para participar das trocas.
De encontro em encontro e de figurinha em figurinha, a banca se tornou parte da família de muitos que apareceram ali pelos álbuns. Um dos responsáveis por mobilizar os apaixonados por figurinhas é o servidor público Fernando Gomide, 54 anos. Ele mora na quadra e é na banca de jornais que busca diversão para toda a família. “Criamos essa turma para incentivar a socialização, principalmente, dos nossos filhos. Não jogavam bolinha de gude, não brincavam na rua, e tinham que interagir, afirma Fernando.
Tradição
Na primeira banca de Brasília, a da 108 Sul, o bom gosto do dono foi fundamental para que o negócio virasse um ponto de encontro. Lourivaldo Soares Marques, 77, saiu de caixotes de madeira, onde empilhava os jornais no início da vida de comércio de banca, para uma engenhosa estrutura onde rolava até música clássica em anos passados. “Não perco um cliente”, brinca ele.
Criatividade também é a palavra-chave na Banca da 307 Sul, quadra da famosa Igrejinha de Brasília. O jornaleiro José Auricélio Pereira da Silva, 50 anos, investiu em outro atrativo para reunir moradores e pedestres na banca: o cafezinho. Quase ninguém resiste ao cheiro de pão de queijo quente nas primeiras horas da manhã. Aos fins de semana, moradores investem parte do tempo na leitura, acompanhada de um bom e forte café.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Troca-troca de figurinhas de campeonatos de futebol
ONDE
Banca de Revistas da 106 Norte
QUANTO
A organização é feita pelo dono da banca e por moradores. Não custa nada. É só chegar lá com as figurinhas para trocar
QUEM VAI
Moradores do Plano Piloto e outras regiões administrativas aficcionados por figurinhas e por futebol
HÁ QUANTO TEMPO
Desde 1999
Veganos e ativistas
Protegendo os animais
»Roberta Pinheiro
Eles se conheceram nas ruas, durante manifestações pelos direitos dos animais e descobriram uma causa em comum, para além de diferentes estilos, sotaques e profissões. Os integrantes da Frente de Ações pela Libertação Animal (Fala) lutam por mudança. Natural, portanto, que se manifestem no coração da capital.
Na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto, a Fala faz contato direto com a população. Com filmes, panfletos e dedicação, tenta mostrar às pessoas um outro estilo de vida. Quando a missão do dia chega ao fim, tudo acaba em pizza. Mas tem que ser a versão vegana.
A Fala é uma ONG sediada em Brasília, mas de expressão nacional. A escolha da rodô para “passar a mensagem” foi estratégica. Todos os dias, milhares de pessoas passam pelo local. Além disso, a plataforma tem um histórico importante como palco de manifestações políticas variadas.
A turma preza por uma alimentação natural que não cause qualquer tipo de sofrimento para os animais. Hábitos comuns na vida de brasileiros, como comer um bom churrasco, usar roupas ou sapatos de couro, ou participar de atividades turísticas que causem sofrimento aos bichos, estão vetados. “Veganismo não é dieta. É um compromisso moral e político para combater a exploração animal”, explica o servidor público Bruno Pinheiro, 32 anos, presidente da Fala. Ele é vegano há 5 anos. Curiosamente, ele se diz apaixonado por junk food. “Como pizza, cachorro-quente, hambúrguer e todas essas coisas, mas sempre veganas”, conta, aos risos.
Os brasilienses parecem ter despertado para a alimentação consciente. Normalmente, são pessoas motivadas pelo respeito aos animais e ao meio ambiente. Nos últimos meses, a Fala promoveu três encontros: um arraiá e dois festivais. “Compareceram milhares de pessoas. Foram os primeiros grandes eventos da causa no DF e se tornaram os maiores do Brasil. O número de admiradores do veganismo cresce muito aqui — e muito devido às ações de conscientização”, avalia Bruno.
O trabalho da Fala despertou o interesse da estudante Tallyta Carneiro Mendes, 22 anos. Em um dos sábados, estava na Rodoviária aguardando o ônibus quando foi atraída pelo vídeo. “Eu fiquei muito tocada. As imagens mostram o que está na indústria e as pessoas não veem. Naquele dia, cheguei à conclusão de que o sabor é algo bem supérfluo em relação à origem do produto. É muito confortável a transição quando se tem consciência”, comenta. Tallyta já era vegetariana, mas comia ovo e bebia leite. Além de mudar o hábito alimentar, deixou de lado produtos de marcas que fazem teste em animais. A estudante passou a cozinhar mais e o interesse em cursar nutrição na faculdade só aumentou. “A ação na Rodoviária, onde circula muita gente, é necessária. Alguém tem que deixar essa questão bem visível”, afirma.
Pizza do bem
Os vídeos que eles exibem na Rodoviária mostram como funcionam os abatedouros legais. São imagens fortes. “As pessoas percebem que não têm nada de humanitário. Elas têm um olhar supreso e buscam informações”, comenta Bruno Pinheiro. “Mas já derrubaram cerveja, já cuspiram na televisão. De toda forma, o saldo é positivo”, acrescenta Vinícius Antônio.
Depois da militância, a turma sempre se reúne em uma restaurante da 407 Norte. O estabelecimento serve refeições veganas e vende, para viagem, linguiça e pizza congeladas. Os aniversários dos ativistas também são comemorados lá. Quando querem fazer algo mais elaborado, eles se arriscam como chefs. O estudante de direito Vinícius Antônio Menezes Elias, 22, sabe de cor uma receita de um pão de queijo que não leva leite nem queijo. “E é uma delícia”, garante. Com frequência, eles fazem piqueniques. Assim como tantas galeras, a Fala é adepta da ocupação dos espaços públicos e abertos de Brasília.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Veganos e ativistas da Frente de Ações pela Libertação Animal (Fala)
ONDE
Plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto
QUANTOS
Cerca de 50 membros
QUEM VAI
Diferentes idades e profissões
HÁ QUANTO TEMPO
Um ano
Bike
Quando a vida dá pedal
»Jéssica Raphaela
O ponteiro do relógio esbarra nas 20 horas. A essa altura, as bikes já estão enfileiradas, prontas para acelerar. O trânsito está mais ameno nesse horário, então é hora de a pista externa do Parque da Cidade ser tomada por bicicletas. É assim há cerca de uma década, quando ciclistas começaram a se reunir no local em busca de um treino em conjunto. Em grupo, eles deixam de ser um veículo indefeso e se tornam grandes, capazes de somar 100 candangos em uma mesma pedalada.
O nome é simples. Conhecido por toda a capital, o Pelotão do Parque da Cidade exige fôlego dos integrantes. Nos encontros de terça e quinta-feira, são cinco voltas no local, que rendem 50km por noite. Ninguém quer ficar para trás. Mas, se ficar, não tem problema, porque outras duas equipes de níveis técnicos diferentes saem do mesmo ponto, no estacionamento 9: o Pedala Mais e o Pedal Noturno. Com o sobrenome do presidente que criou uma capital tão voltada para o uso do carro, o parque Sarah Kubitschek é o embrião da prática que virou moda no Distrito Federal.
“Foi uma forma de nos sentimos seguros entre os carros, porque, juntos, não podemos ser ignorados”, explica o coordenador do Pelotão no Parque, Júlio Cesar Rieder. A ideia simples criou um fenômeno. Hoje, o DF conta com cerca de 50 grupos organizados que revezam dias e caminhos pelas vias da capital e regiões administrativas. Criado há cerca de dez anos, o pelotão reunia atletas que buscavam treinar pesado. Os 10 integrantes iniciais logo se multiplicaram e, hoje, chegam a alcançar a marca de 60 ciclistas no mesmo dia.
A intensidade do pedal é tão alta que Júlio tomou a iniciativa de criar um dia específico, a quarta-feira, para ensinar os integrantes a pedalar em grupo. “Os ciclistas ficam muito próximos um do outro, que tem contato físico. Isso pode gerar acidentes. Se um cair, todos os outros caem juntos”, explica o ciclista, e ressalta que esse pelotão é quase uma competição, diferente de outros que são passeios noturnos pela cidade.
Independentemente do objetivo do grupo, todos têm o mesmo benefício de estar mais seguro, e não apenas em relação ao trânsito. Pedalar em equipe reduz o risco de assaltos. Além disso, as pessoas passam a conhecer as bicicletas uns dos outros, o que facilita a identificação de bikes roubadas.
Em contrapartida, todos lidam com o mesmo problema: a falta de respeito ao ciclista. “Nós ainda somos vistos como invasores, como se a via não fosse nosso lugar”, reclama Júlio César. Prevista no Código de Trânsito Brasileiro como um veículo, a bicicleta tem preferência diante dos automóveis. “Ainda falta muito, mas a cidade está aí, cheia de gente pedalando. Isso mostra que teremos um futuro baseado na bicicleta.”
107km
Percurso de ciclovias e ciclofaixas que ainda não foram concluídas, segundo a Secretaria de Mobilidade do DF
10km
Percurso da ciclovia do Parque da Cidade, que deveria estar pronta desde a Copa do Mundo de 2014, mas até hoje não foi concluído
Conic
Reduto da crítica
»Cristina Ávila - Especial para o Correio
O edifício mais democrático de Brasília não parece nem um pouco com qualquer caricatura que se possa fazer da capital criada pelo arquiteto ícone da modernidade. Um labirinto de subterrâneos mal-assombrados e, no andar térreo, é cortado por vielas com certa atmosfera maníaco-depressiva. Mas, na essência, é cheio de vida, arte, cultura e histórias engraçadas, ocupado por turmas jovens e pela mais autêntica nata da rebelde vanguarda candanga.
Um de seus mais célebres frequentadores é Cicinho Filisteu. Nascido em 1940, em Juazeiro do Norte (CE), jornalista dado aos estudos da filosofia pura, foi batizado como Cícero Ferreira Lopes, mas ganhou o apelido por causa do casamento com dona Rosa, que é judia. Ele costuma tomar sua cervejinha principalmente no Fortaleza, boteco situado no Baixo Conic, naquela que é provavelmente uma das vielas mais toscas desse conjunto de edifícios da zona central brasiliense.
“Não tomo mais aqueles porres loucos, porque se tem uma coisa que eu não sou é burro”, diz, com a consciência emprestada pelos 74 anos. Sabedoria conquistada também pelo tombo que levou ao tentar subir em um trio elétrico no carnaval. Está caminhando com apoio de um andador, recuperando-se da fratura na perna.
Cicinho sempre bebeu a caráter. Terno, gravata, pasta preta. Porque o encontro sempre aconteceu depois do trabalho, e é no Congresso que estão as suas fontes. “Eu adoro política.” O gosto, associado à bebida, o transformou em compositor de marchinhas do Pacotão, o bloco carnavalesco que se reúne o ano inteiro. Às vezes, em bares, outras nos palcos improvisados do Conic.
A turma do Pacotão é crítica de todos os governos que se postam no poder. E, principalmente, são apreciadores das mulheres: “As lindas, as recatadas e as periguetes”, como revela a letra do samba enredo de Filisteu. Não perdoam nunca a troça. “A Érica (Kokay, a deputada) diz que sou machista; mas só tem graça se tiver sacanagem”, defende-se o autor.
“Conheci Brasília em 1978. E, desde então, venho beber no Conic.” Antes, os bares preferidos ficavam próximos à Praça Vermelha, lugar identificado pelo chapéu de cimento, que era assim conhecida em homenagem aos militantes de mais de 40 sindicatos e de partidos políticos que tinham sede ali — e que à noite faziam por merecer o maldito adjetivo de “esquerda festiva”. A área, hoje, chama-se Praça Ary PáraRaios, nome do artista criador da trupe teatral Esquadrão da Vida, presença também marcante na história do edifício.
Pelas praças, botecos e pela livraria do Ivan Presença — “em fatos políticos, literários e/ou etílicos” — diz Joka Pavaroti, já passaram personalidades como Brizola, Lula, Arraes, Henfil. Ali se registram histórias brasilienses, histórias dos mais renomados escândalos políticos nacionais e também ali articularam-se acordos memoráveis. Assim, a Sociedade Armorial Patafísica Rusticana (denominação oficial do Pacotão) salvou Charles Preto na presidência do bloco. Cicinho diz que ele é o mitológico “plenipotenciário, primeiro e único presidente do Pacotão”.
Tudo aconteceu depois daquela passeata que os petistas fizeram em favor da Dilma, em 13 de março, na Rodoviária do Plano Piloto. O Joka contou: “Foi o Wilsinho quem levantou a bola. Ele descobriu que o Movimento dos Sindicalistas Amargos, aqueles sem nenhum humor, da tendência Jurubeba, estava no Conic tramando a destituição do Charles Preto”.
Ponto de união
O Conic é principalmente da moçada. Jovens que, diariamente, se apoderam de seu espaço, mais de dia do que de noite. As lojas são a cara deles. Roupas e acessórios para todas as tribos — desde cabelos afro, como piercings, alargadores e as mais criativas camisetas. É um reduto que inspira encontros, música, dança de rua, exposições ao ar livre e todas as formas possíveis de arte.
Diga o ator e dramaturgo Kaiki Mattheis, 22 anos, estudante da Faculdade Dulcina de Moraes. “Vivo todos os dias da minha vida aqui, das 10h às 23h. Aqui se toma cerveja, se fala de teatro e dança, se trabalha, neguinho faz concerto nesta escada, na porta da faculdade. Aqui, é ponto de união.
Tem executivos, tem gente que vende e compra ouro, tem skatista, tem banco, tem lojas de instrumentos musicais, tem igrejas, tem a galera que passa estressada, tem o coletivo da poesia que recita na rua, tem oficina de circo. O Conic produz ideias. É a contemporaneidade mais firme de Brasília. É central, do lado da Rodoviária e, por isso, todo mundo está aqui”.
Os jovens também são espectadores das salas criadas por Dulcina de Moraes. “Há eventos com plateias de 400 a mil pessoas por dia”, relata Celeste da Silva, que trabalha na faculdade desde 1982. Ela é a única funcionária que conviveu com a própria Dulcina. Passou noites com ela, na montagem de espetáculos. “Aqui é a minha casa. Aqui tem vida. O espírito da Dulcina de Moraes está aqui dentro”, diz a mulher, que entrou como trabalhadora de serviços gerais e hoje faz de tudo um pouco, da iluminação à produção de arte.
Os espaços abertos do Conic são ocupados pela juventude. O Barbarella em três anos levou para lá 180 bandas de som pesado. E tem o hip-hop: no primeiro sábado de cada mês, tem batalha de BBoys, e, no terceiro, encontro de DJs. Há vários outros eventos avulsos. Os manos frequentam a loja que vende camisetas largas e bonés de aba reta, onde trabalha a rapper Layla Moreno, de 20 anos. “Eu sou cria do Conic. Comecei a vir para cá com 16, 17 anos. Queria me incluir na galera e, graças ao pessoal daqui, fiz meus primeiros shows.”
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Um conjunto de edifícios
ONDE
Setor de Diversões Sul
QUEM VAI
Artistas em geral, trabalhadores, religiosos, skatistas
QUANDO VAI
Diariamente. Nos fins de semana, acontecem festas e eventos em bares e lojas
HÁ QUANTO TEMPO
O centro comercial foi inaugurado em 1967
Superquadra
Saudades de de baixo do bloco
»Paloma Suertegaray
Até um tempo atrás, o lugar favorito de crianças e adolescentes do Plano Piloto era “embaixo do bloco”. Era lá onde se brincava de pique-pega e bete; onde se estreavam carrinhos de rolimã; onde se dava o primeiro beijo. A turma da 102 Sul nunca perdeu essa referência carinhosa. Os primeiros da galera já se conhecem há mais de 40 anos, depois vieram as “novas gerações” — todos se reúnem periodicamente para lembrar essa época dourada. Além disso, a brasa permanece acesa, graças, principalmente, ao WhatsApp e às redes sociais. “Por meio dessas ferramentas, mantemos contato quase todos os dias, compartilhamos novidades, enviamos piadas e, assim, estamos próximos uns dos outros”, conta a servidora pública Fernanda Vieira, 48 anos.
A residencial foi construída pelo Banco Central no início dos anos 1970, com o propósito de acomodar servidores públicos transferidos do Rio de Janeiro. Na época, a capital era uma cidade nova, ainda em construção. A criançada logo se entrosou. “Na época, a quadra não tinha asfalto e era cheia de morros de areia. Um verdadeiro playground para nós. Vivíamos sujos de terra, de tanto correr ao ar livre”, lembra o professor de Educação Física Lauro Furtado Horta, 52 anos. Ele foi uma das primeiras gerações da 102 Sul. Com o passar do tempo, outras famílias se mudaram para o local e crianças de todas as idades se somaram ao grupo.
Andar de patins, skate e bicicleta; jogar bola e futebol de tampinha eram alguns dos principais passatempos dos pequenos. Com a chegada da adolescência, as preferências foram mudando. “Foi quando começamos a fazer as primeiras festinhas, nas prumadas dos blocos”, relembra a professora Débora Rosa da Silva, 46. As tradicionais esferas de cristal, confeccionadas pelos próprios jovens a partir de bolas de isopor, serviam de decoração. Fitas cassete e vinis com os sucessos do ano animavam o evento. Era quando — aproveitando a momentânea ausência dos pais — começavam a surgir os primeiros romances. “Foi nessas festas que se formaram alguns dos casais dentro da turma que continuam juntos até hoje. Cerca de dez”, acrescenta Débora.
A grande confraternização dos ex-vizinhos ocorre a cada 5 anos. A edição passada, na Escola Classe da quadra, juntou mais de 400 pessoas. Veio gente de vários estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, e até de fora do país (Espanha e Estados Unidos). “Não importa quanto tempo passe: quando a gente se encontra, parece que nos vimos ontem. Somos como irmãos”, garante Fernanda Vieira.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Vizinhos que cresceram na Asa Sul continuam amigos até hoje e organizam reuniões periodicamente.
ONDE
SQS 102
QUANTOS
O último encontro reuniu 450 pessoas
QUEM VAI
Moradores que viveram na quadra desde 1970, de várias idades. Alguns deles não moram mais no DF, mas continuam participando das confraternizações.
HÁ QUANTO TEMPO
40 anos
Setor Bancário Sul
Skatista também bate ponto
Kioshi Ichikawa chega cedo, todo santo dia. Não é skatista. Nem bancário. E, de japonês, só o nome. Nascido em Taguatinga, há três anos ele assumiu a lanchonete da família, umas das tantas que ficam atrás da Galeria dos Estados. Ali, no balcão de Kioshi, a democracia se espalha: o sujeito de terno espera na fila atrás de um menino de boné de aba reta.
Todos os dias, como os bancários, os meninos batem ponto. À medida que vai escurecendo e a turma da gravata toma o caminho de casa, mais e mais skates, mochilas e bonés aparecem. Além da indefectível camiseta larga.
Nas mais de três décadas dessa ocupação, eles transformaram as retas, os bancos e a fonte d’água vazia em pista. Ao longo dos governos locais, algumas calçadas e bancos chegaram a ser modificados para afastá-los, o que, claro, não funcionou. No rush da semana, a tarde de sexta-feira, há entre 50 e 60 praticantes — gente suficiente para garantir a trilha sonora de estouros de skates batendo no concreto.
A turma flana por todo o Setor Bancário, mas o ponto oficial tem endereço: sob a marquise do Edifício Sede 1 do Banco do Brasil, o mais antigo e maior prédio da instituição. “Claro que tem ‘gravata’ que reclama. Mas a gente protege todo mundo com a nossa presença. Expulsamos a criminalidade”, acredita Tiago Oliveira, conhecido entre os amigos como Secura. Mesmo aos 26 anos, ele ainda sonha com a carreira profissional — chega no começo da tarde e racha um refrigerante de 2 litros, que sustenta o exercício até metade da noite.
Carlos Abrantes compartilha planos ambiciosos com Secura: o sonho de um dia andar pela Califórnia e ter um jogo de videogame com seu nome. Quem anda por ali reconhece que “o garoto manda bem”. Aos 15 anos, ele costuma conversar olhando para o chão. A timidez dos olhos, porém, não é a mesma das palavras, quando diz que já ganhou tantas competições que “perdeu a conta”. “No começo, minha família não apoiava, mas depois viram que é um esporte como qualquer outro.”
Apoio da família, muitas vezes, é artigo raro. Graciana Rodrigues, 18 anos, teve de conquistar o direito de andar de skate: ela trabalha, estuda, tira notas boas, tudo para provar o contrário do que pensa o pai. De short curto, meia três quartos e batom vermelho, Graciana é uma das meninas no “pico”. E jura que não há discriminação entre eles: “Somos três a cada 10 skatistas por aqui”, arrisca.
No grupo — homens e mulheres —, há outro tipo de divisão, muito particular: as gerações. Calcula-se por faixa etária, desde que o Setor Bancário virou “pico”. Carlos Abrantes, por exemplo, é da quarta geração. E, à medida que eles vão trocando os skates por carros, os que continuam apegados ao concreto do Setor Bancário viram quase celebridades. É o caso de Cristiano Carlos, o Nego Bala, da primeira geração. Não fosse a voz grossa ou o domínio de uma manobra ou outra mais incrementada, ninguém diria que ele tem 38 anos. E já representa outras Brasílias, que não apenas a dos skatistas.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Turma do skate
ONDE FICA
Setor Bancário Sul, Esplanada dos Ministérios
QUEM VAI
Skatistas
QUANDO VAI
Às sextas-feiras, depois das 17h, e fins de semana
HÁ QUANTO TEMPO
Desde os anos 1980
Playlist
O skate é um esporte levado pela música.
Na hora do som, são basicamente dois grupos: rap e rock.
1) Um bom lugar (Sabotage)
2) Skate drink (ZRM)
3) One train (ASAP rocking)
4) Só (Kamau)
5) Pet Sematary (Ramones)
6) Na estrada da vida (Nocivo Shomon)
7) Hustlin’ (Rick Ross)
As gírias mais comuns de quem anda de skate
Pico: lugar
Halfpipe: estrutura côncava (do ingês, meio tubo), de madeira ou ferro, na qual skatistas fazem manobras
Trick: manobra (do inglês, truque)
Marreteiro: alguém que acerte muitas manobras
Crew: galera (do inglês, grupo, equipe)
Gap: o espaço que o skatista pula, como o vão de uma escada (do inglês, espaço vazio)
Estrangeiros
Terra estrangeira
»Nahima Maciel
A tecnologia facilitou os encontros e as esquinas de Brasília estão hoje muito bem representadas pelas redes sociais. É graças a elas — e, claro, à convivência física na mesma cidade — que grupos de estrangeiros expatriados conseguem se reunir e construir uma vida social próxima aos conterrâneos com interesses comuns. A capital do Brasil tem uma comunidade estrangeira robusta graças à presença das embaixadas, mas há uma surpreendente quantidade de pessoas que nada têm a ver com o mundo diplomático e que são donos de uma Brasília própria. No WhatsApp, o grupo Magios reúne 26 colombianos, a maioria da cidade de Popayán, que se juntam para jogar futebol semanalmente. No “Cubanos”, também no WhatsApp, eles são 30, todos estudantes de mestrado ou doutorado na Universidade de Brasília (UnB). Vários caminhos trouxeram-nos à capital, mas todos eles têm em comum um esforço pessoal para estar na cidade.
Os Slip vieram da França e chegaram a Brasília por causa da suas esposas brasileiras. Eles trabalham no comércio de alimentos, na produção audiovisual, em carreiras de magistério e até na venda de seguros. Escolheram Brasília e conseguem se imaginar na cidade pelos próximos 20 anos, pelo menos. “O que nos une é que escolhemos estar aqui”, avisa Clément Wetzel, proprietário da creperia In the garden. “Somos todos uma galera, fizemos um esforço para conseguir nossos documentos, fizemos um esforço para estar aqui e para ficar.”
No WhatsApp, os Slip somam 17 pessoas. Os belgas são tolerados e alguns brasileiros são bem-vindos, mas a conversa é sempre em francês. Eles se reúnem, em média, uma vez por mês para jogar pingue-pongue. “Mas é só um pretexto”, avisa
Erwan Massiot, produtor audiovisual que fundou o grupo há quatro anos, ao lado de Clément e Emmanuel Perez. “Antes, nos comunicávamos por e-mail e demorava para todos responderem. Às vezes, não respondiam. Com o WhatsApp, formamos uma comunidade, há conexões que se formam, é mais dinâmico”, garante Massiot. A qualidade de vida na cidade é uma das justificativas para os franceses do Slip permanecerem na cidade. “Se estivéssemos em Paris, estaríamos com frio, na chuva, presos em congestionamentos”, diz Wetzel. “Brasília é uma cidade cheia de contradições, como o Brasil, mas entendi que aqui tem qualidade de vida.”
Assen Lapeyre, também francês, formou-se em mecatrônica na UnB, criou uma empresa na cidade e, hoje, é securitário. Se tivesse conhecido o Rio de Janeiro antes da capital federal, talvez tivesse gostado mais da joia fluminense. “Mas sou apaixonado por Brasília. Sabe a madeleine do Proust? É Brasília pra mim”, confessa, lembrando de como o autor francês valorizava os bolinhos de sua infância, incomparáveis a quaisquer outros da idade adulta.
Alegria
Os colombianos gostam de festa. No Facebook, eles criaram o grupo “Festa colombiana em Brasília” para avisar a todos dos dois ou três eventos anuais que costumam promover. Boa parte deles chegou há um ou dois anos e participa de programas de mestrado e doutorado na UnB. “Não somos festeiros, somos alegres”, avisa Christian Gonzalez, 30 anos, mestrando em agronomia que escolheu o Brasil por acreditar no potencial tecnológico do país.
Alejandro Rojas, Edison Artiaja, Herlys Torres, Jairo Cacedo, Jorge Cruz, Sérgio Zuñegar e Isabel Arteaga têm entre 25 e 33 anos e dividem quitenetes com outros conterrâneos nas quadras 403, 407 e 408 Norte. Uma verdadeira república colombiana se espalha por ali. Eles gostam da capital, mas reclamam da dificuldade de transporte público. Por isso, quando saem à noite, escolhem bares próximos às quadras nas quais moram. Vez ou outra, se aventuram, a pé, pela Asa Sul.
A cidade de Lucio Costa e Oscar Niemeyer é de grandes distâncias, mas os meninos enfrentam e, sobretudo, reparam muito. Alejandro, doutorando em engenharia civil, se espanta com os detalhes estruturais dos prédios da cidade. “Os pilares são finos, o Brasil não tem problemas de cismos”, aponta. Na Colômbia, os terremotos frequentes obrigam os engenheiros a conceberem estruturas mais robustas.
Isabel já namorou um brasileiro e acha os homens de Brasília um pouco possessivos, mas adora a cidade. “É muito boa para estudar, é tranquila”, diz. E o fato de ter muitos colegas da mesma origem ajuda a matar a saudade de casa. O Restaurante Universitário da UnB é o ponto de encontro dessa turma e também dos cubanos. Elier Paron, Noel Suárez e Yarisley Pena vieram de Havana para fazer pós-graduação em engenharia civil e elétrica, respectivamente. “Quase todo mundo vem recomendado por alguém”, diz Yarisley.
Ela conta que a vida mudou um pouco em Cuba nos últimos 10 anos, mas que o fim das sanções dos EUA e a possibilidade de viajar entre os dois países ainda têm pouco impacto na população. Escolheu o Brasil por duas razões: a facilidade em obter o visto e a atualidade dos temas pesquisados na UnB.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Estrangeiros se reúnem em grupos de Facebook e Whatsapp para formar comunidades
ONDE
Na internet
QUANTOS
Cada comunidade tem um número variado de participantes
QUEM VAI
Colombianos, cubanos, franceses, argentinos, chilenos…
HÁ QUANTO TEMPO
Nos últimos cinco anos
Lago Paranoá
Todas as maravilhas do Lago
Além de um dos mais belos e tradicionais cartões-postais da capital, o Lago Paranoá é um lugar para fazer amigos. Seja andando de caiaque, canoa havaiana ou pedalinho, pescando ou passeando na orla, o local está entre os principais pontos de encontro dos brasilienses, que acham no espelho d’água um alívio para a falta de praia — Paranoá, inclusive, significa “enseada de mar”, em tupi. Foi a paixão pelas águas azuis da barragem, o coração da cidade, que uniu os integrantes do Movimento #ocupeolago. O coletivo, criada em 2014, tem o objetivo de promover o uso sustentável do reservatório. Todo mês, o grupo realiza diversos eventos — desde competições esportivas até blitzes educativas e plantio de bosques — para difundir a consciência ambiental e aproximar ainda mais a população do lago.
Como muitas turmas da capital, o movimento #ocupeolago formou-se por meio das redes sociais. Ano passado, o atual coordeador da iniciativa, Marcelo Ottoni, 35 anos, começou a organizar um evento em razão do Dia Mundial da Água, com o nome do movimento, em 22 de março. “No final de 2013, tinham acontecido dois vazamentos e estava sendo discutida a construção de um shopping perto Lago Paranoá. O propósito do encontro seria chamar a atenção para a preservação do local”, conta.
Nascido e criado em Brasília, Marcelo é um eterno apaixonado pelo espelho d’água. Quase toda semana, vai praticar esportes no lago, como caiaque e stand-up paddle (SUP). Durante as primeiras reuniões do grupo, acabou conhecendo vários amigos com os mesmos gostos. “O Movimento #ocupeolago tem três pilares: consciência ambiental, esporte aquático e entretenimento consciente. Todos os integrantes compartilham esses interesses”, acrescenta o coordenador.
O evento em 2014 foi um sucesso. Os membros da organização fundaram, então, um coletivo, cujo núcleo central conta com aproximadamente 20 pessoas. Os eventos que organizam, porém, atraem muito mais gente. No Dia Mundial da Água deste ano, o movimento repetiu o evento e contou com público de aproximadamente mil pessoas. Foram realizados 12 eventos em diversos pontos do lago, como apresentações artísticas, campeonatos de esportes aquáticos, encontro de foodtrucks e distribuição de mudas de espécies nativas do cerrado. Também foi promovido um mutirão para fazer a limpeza do lago e cerca de oito toneladas de lixo foram retiradas das águas e orla.
Para os integrantes do Movimento #ocupeolago, nos últimos anos, o espelho d’água tem feito cada vez mais parte do cotidiano dos brasilienses, o que tem proporcionado novas alternativas de lazer. “Antes, o lago era usado para lazer principalmente por gente andando de lanchas. Hoje, com a difusão dos esportes aquáticos, o local fica cada vez mais cheio de gente se divertindo. É um processo de democratização”, diz o publicitário Marcos Vinícios Lima, 42.
Além dessas vantagens, a popularização do lago traz um importante efeito positivo para o meio ambiente, segundo os participantes do movimento. “As pessoas costumam valorizar mais aquilo que elas gostam e utilizam. Por isso é tão importante incentivar as pessoas a aproveitarem o Lago”, defende o administrador Frederico Gal, 41 anos.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
O Movimento Ocupe o Lago organiza eventos para conscientizar a população sobre a importância de cuidar do espelho d’água
ONDE
Lago Paranoá
QUANTOS
A organização é composta por 20 pessoas, mas o público que costuma participar dos eventos já chegou a cerca de mil pessoas
QUEM VAI
Moradores de todas as regiões administrativas, ambientalistas, praticantes de esportes e amantes da natureza
HÁ QUANTO TEMPO
Desde 2013
Feirinha de rua
Uma feirinha para chamar de sua
Brasília pode até ser conhecida por aí como a cidade sem esquinas e sem ruas, e portanto, sem encontros urbanos, mas fica difícil reproduzir essa ideia quando se navega nos grupos de eventos brasilienses nas redes sociais. De uns tempos para cá, a capital ganhou uma programação intensa de feiras. Atualmente, há pelo menos cinco encontros fixos de criadores e produtores locais. São bazares que mesclam arte, comida e cultura produzidas na cidade.
A cidade tem espaço de sobra e público carente, na concepção de Victor Parucker, brasiliense de 28 anos, formado em contabilidade e proprietário da loja colaborativa Endossa. “Venho visualizando cada vez mais que existe uma demanda do brasiliense por andar na rua, andar entre as pessoas, se conectar. Esse movimento de as pessoas irem para a rua cria uma conexão, e conexão é criatividade”, nota Parucker, que realiza, seis vezes por ano, uma feira de criadores na 306 Sul.
“Brasília tem uma demanda reprimida, e essa feira é um movimento local, de quadra mesmo.”
Nem tudo, no entanto, é festa e alegria. Na última feira — uma comemoração pelos três anos da Endossa no fim de março —, um morador não gostou de ver Parucker fixando uma tenda no chão e chamou a polícia. A estrutura é exigência da Defesa Civil e o rapaz acabou liberado. “Nós entendemos que as pessoas estão acostumadas à paz e à tranquilidade de Brasília e, nesses eventos, é inevitável uma perturbação. Mas, na maioria das vezes, é bem-vindo. Estamos sofrendo muito o abandono das quadras e esse movimento evita que a ocupação venha pela violência”, diz.
Apropriar-se da cidade e ocupar os espaços também motiva a designer de sapatos Eunice Pinheiro Alves, que transforma o comércio da 405 Norte em feira de criadores a cada dois meses. A 4zero5 acampa no jardim entre dois blocos comerciais, bem em frente à loja de Eunice, a Fulanitas. A cada edição, um grupo de 20 criadores locais monta banquinhas com seus produtos, que vão de roupas e bijuterias a sapatos e comidas vendidas em food trucks. “Vira uma festa de família”, conta Eunice, que trabalha em parceria com o Fábio Almeida, da galeria Almeida Prado.
Para Renata Schelb, produtora da feira, os brasilienses estão cansados de shopping e preferem interagir ao ar livre. “A necessidade das pessoas é a ocupação de espaço e isso a cidade tem de sobra”, diz. Além disso, Eunice lembra, a paisagem ajuda: “A cidade tem um território plano, um céu maravilhoso, muito verde, muita grama e as pessoas gostam de sair.” A 4zero5 é pequena e Eunice nem quer que seja muito grande. Cada expositor produz seus próprios produtos. “Essa coisa das feiras é um fenômeno. Acho que é na raça que a gente faz mesmo, é o povo abrindo caminho no peito. As pessoas gostam de se confraternizar e Brasília tem uma carência disso.”
Quando Lucas Hamú, 26, chegou de Goiânia, recém-formado em filosofia, as feirinhas de arte e design já começavam a movimentar a capital. Ele e a irmã compraram a loja e galeria Objeto Encontrado e decidiram dar continuidade à Feira 102, realizada pelos então proprietários e destinada à venda de trabalhos de artistas candangos. O movimento cresceu e, hoje, a Objeto é responsável por três feiras. A Liga-pontos é dedicada ao design, e a Feira de arte erótica tem performance, música e outras atrações. “Tem algo na cidade que obriga as pessoas a terem esse tipo de iniciativa, de apropriação do espaço”, diz Hamú.
Nascida em Brasília há 31 anos, Gracilene Bessa também se surpreendeu com a demanda que levou ao desdobramento do projeto Limonada em duas feiras periódicas. Proprietária da loja Verdemanga, ela queria ampliar o espaço expositivo e os próprios produtos. Assim nasceram a Coletânea, feira de arte e design que ocorre uma vez por mês no Casa Park , e o Mercadinho BSB, feirinha de comida saudável que reúne pequenos produtores locais no Brasília Shopping e conta com oficinas de ioga e culinária. A última edição, realizada em 11 de abril, recebeu Bela Gil, apresentadora do programa Bela cozinha (GNT), para uma palestra sobre culinária macrobiótica.
Reuniões de food truck é outra modalidade de feira que começa a entrar para o calendário fixo. Há 2 anos, Leonardo Xavier teve a ideia de resgatar alguns pontos da cidade que andavam abandonados, como a Praça do Cruzeiro, o Cine Drive-in e a pista de aeromodelismo no fim da Asa Sul. Aos poucos, o ex-gerente de casa noturna montou um food truck e arregimentou outros entusiastas. Hoje, Xavier organiza três encontros com periodicidades mensais e semanais que se tornaram opções constantes de feira de gastronomia. “A proposta é melhorar alguns pontos de Brasília com música e comida”, avisa. “São pontos esquecidos da cidade que, quando você lembra às pessoas, elas vão.”
Nascido em Brasília, 33 anos, Xavier é conhecido como o “fera do arroz carreteiro”, seu carro-chefe. Estreou em Taguatinga e, quando viu que dava certo, ampliou o negócio para food truck no Plano Piloto. Agora, ele acredita que o próximo passo será a regulamentação desse tipo de comércio. “A Agefis (Agência de Fiscalização do Distrito Federal) tem a visão que somos ambulantes, mas não somos. É um negócio diferenciado, prezamos pela qualidade”, avisa o chef.
FICHA TÉCNICA
O QUE É
Feiras de pequenos criadores ocupam os espaços públicos da cidade
ONDE
Quadras como a 405 Norte e a 305 Sul, o Parque da Cidade e a Orla do Lago
QUANTO
Incontáveis
QUEM VAI
É aberto, qualquer pessoa
HÁ QUANTO TEMPO
Nos últimos três/quatro anos