A derrota da candidatura de Hillary Clinton à presidência dos Estados Unidos foi consumada apesar de uma convergência inédita dos meios de comunicação de massa americanos: jamais um postulante à Casa Branca havia recebido apoio tão inabalável da imprensa no país.
A campanha da oposição, que levou Donald Trump ao poder, recebeu suporte de apenas 20 dos 1.387 jornais diários norte-americanos. Nenhuma revista ; nem aquelas que tradicionalmente apoiam os republicamos ; endossou a candidatura do bilionário.
[SAIBAMAIS]A candidatura de Clinton obteve editoriais positivos de ao menos 15 revistas e 243 jornais. Destes, 47 haviam apoiado o republicano Mitt Romney em 2012 contra Barack Obama, incluindo os gigantes Houston Chronicle e Dallas Morning News, que não apoiavam um democrata havia mais de três décadas.
Enquanto os principais impressos do país alinhavam-se a Hillary ; USA Today, New York Times, Los Angeles Times e Washington Post, todos com tiragem superior a meio milhão de cópias por dia ;, o apoio a Trump era limitado. O maior jornal a respaldá-lo foi o Las Vegas Review, com 130 mil exemplares diários. Entre as revistas americanas, as únicas com circulação superior a 1 milhão de exemplares escolheram os democratas: Vogue e The New Yorker.
Tanto papel empenhado em críticas e rejeições a Donald Trump, porém, foi impresso em vão. A maior parte dos editoriais críticos ao bilionário não teria sido lida pela maioria do público. Essa é a opinião da professora Celeste González de Bustamante, da Escola de Jornalismo da Universidade do Arizona, acrescentando que a mídia, sem querer, apoiou a ascensão do milionário à Casa Branca. ;No início da campanha, as redes de TV lhe deram horas e horas de cobertura de notícias, uma publicidade gratuita, porque ele dava audiência;, avalia.
Agressividade
O suporte à candidatura Clinton se estendeu a alguns dos meios exclusivamente digitais mais visitados dos EUA, tais como Buzzfeed, Mashable, Slate, The Daily Beast e Vice ; geralmente, com noticiário e editoriais ainda mais agressivos do que os jornais impressos. Os democratas também ganharam apoio de integrantes da imprensa internacional que não costumam se manifestar a respeito das eleições americanas, caso do britânico Daily Mirror, do canadense The Globe and Mail, do sul-coreano The Korea Times e de boa parte da mídia brasileira.
A candidatura Trump ;não era uma escolha popular entre a maior parte dos meios de comunicação;, admite ao Correio Kathleen McElroy, professora da Universidade do Texas em Austin e ex-editora do New York Times. Ela acredita, porém, que o poder da imprensa no país permanecerá inalterado, por enquanto. ;O público americano não precisa seguir a imprensa dominante. Eles são guiados por muitas coisas, e a imprensa pode ser uma dessas. O trabalho da imprensa não pode ser ditar em quem os eleitores votam, é apenas informar;, aponta.
O eleitorado reage mal às ;ordens paternalistas dadas por uma unanimidade; de comentaristas e jornalistas, na visão do professor da Universidade de Lisboa Miguel Esteves Cardoso. ;Trump ganhou porque foi eleito. Nós perdemos porque fomos derrotados pelos nossos próprios preconceitos e pelo excesso de zelo com que perseguimos a vitória de Hillary Clinton;, escreveu, em seu blog.
O momento, agora, seria o de ;a imprensa fazer o leitor entender por que a outra metade dos eleitores não ouviu sua crítica completa a Trump;, prega Celeste González de Bustamante, salientando que Hillary ganhou a disputa no voto popular, apesar de perdê-la no colégio eleitoral, a contagem realmente decisiva.